O nome das coisas: governo reacionário e religioso   

14/04/2021

Reacionário, Houaiss: “que se opõe às ideias voltadas para a transformação da sociedade; que defende princípios ultraconservadores, contrários à evolução política ou social”. Reação, Aurélio: “que tende a impedir qualquer inovação no campo das atividades humanas; sistema político extremamente conservador, contrários às ideias que envolvem importantes transformações político-sociais”.

Religioso: crente e compromissado com preceitos religiosos. O religioso comprometido com sua fé norteia a vida privada e, lamentavelmente, quando no exercício governamental, a vida pública, sob a influência de dogmas bíblicos, tentando submeter a vida intelectual, moral e institucional do país, logo, os serviços públicos, à sua crença e às autoridades da sua confissão.

Fascista: adepto do fascismo, é nacionalista, imperialista e antiliberal. É autocrata e antidemocrático. Defende as determinações do Estado sobre a vontade do indivíduo. Boa parte da esquerda brasileira e muitos progressistas liberais imputam de fascista o atual governo. Conceitualmente, ainda que tenha rasgos de fascismo, este governo não é fascista. É reacionário e religioso.

O século passado foi de binarismo ideológico forçado, de guerras, de medo. Tivemos nazismo, fascismo, salazarismo, franquismo, comunismo (stalinismo, maoismo, hoxhaismo). Na América Latina, a Doutrina da Segurança Nacional ofereceu pretexto para os EUA instrumentarem militares por todo o Continente, cobrindo-o de horror: desigualdade, censura, corrupção, tortura, assassínios.

Desde então, o mundo deu passos libertários muito importantes. Já se foi a Guerra Fria, na América restam três ditaduras (o que não é pouco, pois toda ditadura é excessiva), um negro presidiu os EUA racista, uma mulher presidiu o Brasil machista. O racismo está encurralado, o machismo está desgastado. Claro, como não? Reagem os reacionários. Sobretudo há reação religiosa.

A reação tosca advinda da ignorância aliada à reação articulada dos aparelhos religiosos obteve sucesso marcante no Brasil. Reacionarismo e religiosismo, violência e superstição, boçalidade e crendice campeiam. O reacionário e o religionário não suportam liberdade: por suas crenças, não exercitam a sua; para compensar sua vida reprimida, querem reprimir a vida alheia.

Esse é o nosso combate por redes sociais, principalmente. Mas, não só. Deve-se atentar aos meios de comunicação. E, no Parlamento, às proposituras de leis. Também aos grupos de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal. Tome-se o exemplo de conquistas assentadas pelas mulheres. Parlamentares intentam revogá-las. Religiosos pressionam o STF por retrocesso.

É difícil uma sociedade ler-se a si mesma. Mas, não nos faltarão elementos de observação, se houver a humildade de nos inserir nos dados. A banda bronca, ignorante, anticiência: estamos entre os últimos países no quesito educação, não? Nossa face religiosa: ri-se de quem recebe divindade em goiabeira, mas crê-se que se a pode encontrar entre quatro paredes. Estranho, não?

Um país iletrado sofre as sequelas da falta de educação pública. É razoável surpreender-se com as mortes por contaminação de coronavírus? Uma nação religiosa viu a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade, comandada pela igreja católica, servir de isca para a Ditadura de 1964. Alguma surpresa nas declarações pró-Ditadura no novo comandante das Forças Armadas?

O Fascismo Eterno de Humberto Eco traz aporte intelectual para a frase de Bertolt Brecht: “A cadela do fascismo está sempre no cio”. Ademais, de fato, o ambiente de medo, intolerância, insatisfação com a representação política e dificuldade econômica que vivemos é conducente a aventuras autoritárias, fascistas inclusive. Suponho que muitos sonham com um Dulce tropical.

Não vejo, todavia, arranjo de fundo para o fascismo. Para o retrocesso social, intelectual e de costumes, sim, há. Os reacionários estão organizados e militantes. Articulados com a abundante e frequentada aparelhagem religiosa, têm meios de transmitir suas concepções políticas e “fazer a cabeça” de eleitores suficientes para eleger cada vez mais políticos sectários do atraso.

Some-se a isso a tibieza ideológica (e a ladroagem) da esquerda: a oposição constitui núcleos evangélicos. O que difere o reacionário religioso bolsonarista do lulista? A goiabeira? Não sei dizer. Mas sei que parte das Forças Armadas se assanhou, que “deus” é referência de Estado Laico, que a reação acordou. Você já leu a Bíblia? É bom. Talvez o seu futuro esteja nesse passado.

 

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