Introdução.
Partindo da premissa de que vivemos no mundo antropoceno, com especial delimitação a partir da revolução industrial de 1850; o comportamento do homo sapiens foi e é capaz de modificar os parâmetros biológicos e físicos do planeta terra a partir de ações que interferem no uso, disponibilidade e regeneração dos recursos naturais.
A perspectiva antropocêntrica de dominação do homem sobre a natureza, atrelada ao crescimento vegetativo da população e a necessidade de alcançar patamares de desenvolvimento econômico significativos, nas áreas da agricultura e da indústria, resultaram em uma interação homem e natureza nefasta para o meio ambiente natural, com aumento exponencial da poluição do ar, da terra e do mar.
A dinâmica envolvendo a sociedade e o meio ambiente natural é reconhecida como metabolismo social ou socioeconômico, caracterizada pela relação de apropriação dos bens naturais pela sociedade com a finalidade de transformá-los em produtos consumíveis, fazendo de um lado, a roda econômica girar e, de outro lado, impactando o meio ambiente natural, urbano e do trabalho.
O metabolismo social.
A propulsão do funcionamento da engrenagem do metabolismo social foi a política econômica neoclássica, geralmente afinada com o resultado econômico e relapsa em relação ao impacto socioambiental gerado pelo fluxo de matéria prima e energia retirados do ambiente. Na prática, o metabolismo social tem se materializado, negativamente, pelo esgotamento do capital natural e pela devolução ao meio ambiente de todas as formas de poluição, sem qualquer preocupação com a capacidade de regeneração do ambiente natural.
A aproximação da economia com o meio ambiente ocorreu, resumidamente, em razão do fator poluição (aumento da poluição e as consequências da impropriedade da poluição para a saúde humana e para a fauna e flora); do fator preço do petróleo (debate sobre o recurso mineral, a sua finitude e a dependência da indústria) e do fator crescimento econômico versus sustentabilidade (discussão acerca dos limites dos recursos ambientais e a voracidade do mercado).
A ciência econômica começou a retratar o problema ambiental sob dois enfoques distintos. Inicialmente, a preocupação ambiental foi estudada por meio da disciplina de economia ambiental. A disciplina introduziu, a partir da perspectiva da finitude (escassez) dos recursos naturais, teorias e modelos de mensuração do capital natural para criar indicadores capazes (a) de maximizar o valor dos recursos naturais, (b) de verificar de forma detalhada os efeitos da exploração ambiental e (c) de gerar índices capazes de manter/justificar o desenvolvimento/crescimento econômico sob o viés da sustentabilidade.
Para a economia ambiental, de matriz neoclássica, o meio ambiente não é valorizado pelas condições e qualidades intrínsecas, mas sim pelo valor econômico (pelo dinheiro) e, os recursos naturais, compreendidos como fontes inesgotáveis, disponíveis e utilizáveis segundo às necessidades do mercado. Portanto, segundo a concepção dos economistas ambientais, é possível manter a sustentabilidade sem limitar ou condicionar o crescimento econômico em razão dos estoques físicos dos recursos naturais, ou seja, sem considerar que os recursos naturais são finitos, podem chegar a escassez ou até mesmo à extinção.
Já a economia ecológica, diferentemente, busca o bem-estar humano por meio de um desenvolvimento que inclua a dimensão da ética na relação na balança crescimento econômico versus a sustentabilidade. Embora a economia ecológica considere os elementos da economia ambiental, diferencia-se desta (a) pela condição ética, afastando-se da visão antropocêntrica e (b) pela radicalidade na sustentação da ideia de crescimento econômico zero em benefício do meio ambiente.
A matriz neoclássica da econômica mostrou-se insuficiente para garantir uma melhor analise acerca do metabolismo social e, consequentemente, para garantir a sustentabilidade socioambiental e econômica; pois, o crescimento econômico realizado a partir do uso e da transformação dos recursos naturais não se traduziu em prosperidade para a sociedade. Em parte, a prosperidade não ocorreu pelo simples fato de que os benefícios do crescimento estariam sendo distribuídos de maneira desigual e os custos, especialmente os custos sociais e ambientais, estariam sendo ignorados.
O metabolismo social deve migrar da concepção neoclássica para considerar uma política econômica de matriz ecológica, que utilize a ética como ferramenta para realizar o controle dos processos produtivos (atividade rural ou industrial), tendo como critério, para medir o desempenho ambiental, o alcance da sustentabilidade e não apenas mensuração do valor do recurso natural para o mercado.
A economia ecológica no metabolismo social e o impacto nas políticas públicas.
A relação econômica com o meio ambiente, expressada pelo metabolismo social, além de configurar a apropriação dos bens naturais pela sociedade, com a finalidade de transformá-los em produtos consumíveis; exige atenção para formulação de políticas públicas.
A adoção da economia ecológica, em detrimento do paradigma da economia ambiental, impacta na formulação de políticas públicas e altera a lógica da economia social. Na circunstância, exige-se a revisão normativa do aparato estatal e a substituição do modelo de crescimento e desenvolvimento tradicional (utilitarista) por um mecanismo de crescimento que possa valorizar o meio ambiente pelas condições e qualidades intrínsecas, e não pelo valor econômico ou monetário.
No campo das políticas públicas, a transformação da lógica do metabolismo social, por sua vez, afeta abruptamente à tomada de decisões por parte dos gestores da res pública, alcançando o poder executivo, o poder legislativo e o poder judiciário; já que não se trata apenas de implementar ou reformular os marcos regulatórios, mas de recriar a cultura administrativa de um Estado tendo como foco a sustentabilidade. Na lógica ecológica, a relação entre as políticas públicas e o mercado deve ser constituída considerando que os recursos naturais são fontes esgotáveis, cuja utilização deve guardar intrínseca relação com a ideia de desenvolvimento econômico zero.
A teoria do desenvolvimento zero requer uma revolução capaz de promover uma anástrofe nas políticas públicas, revertendo o modelo de desenvolvimento econômico a partir da redução da intensidade na exploração dos recursos naturais, requerendo uma revisão e uma alteração radical na forma com que o metabolismo social é pensado, formulado e aplicado.
O metabolismo social a partir da desmaterialização da economia.
Para a revisão do modelo de desenvolvimento econômico é necessário realizar a “desmaterialização” da economia. A “desmaterialização da economia pressupõe a redução da atividade econômica através da revisão do modelo e da intensidade da exploração dos recursos naturais; da revisão do processo de transformação da matéria prima ou de substituição do recurso natural por produtos tecnologicamente eficientes, e pela revisão da relação entre níveis de produção/oferta e consumo.
Embora possa parecer um paradoxo, a “desmaterialização” da economia não resulta, necessariamente, na redução do uso dos recursos naturais (matéria prima e energia). Ao contrário, a assunção da tecnologia, por exemplo, pode soerguer uma “falsa” impressão: primeiro, de que é possível alcançar a sustentabilidade apenas com inovação tecnológica e, segundo, que a partir da implantação de novas tecnologias é possível manter a intensidade no uso dos recursos naturais. Do paradoxo (uso da tecnologia versus sustentabilidade), resulta a possibilidade de ocorrer, ao mesmo tempo, a diminuição da intensidade na exploração dos recursos naturais e o crescimento econômico em maior velocidade, fazendo com que o resultado da implantação da ferramenta tecnológica não surta o efeito necessário, qual seja, a redução do risco de escassez dos recursos naturais e a melhoria na qualidade de vida (bem-estar) do Ser Humano.
A manutenção da escala do crescimento econômico (a combinação do crescimento da produção e o consumo global) é imponderável com a perspectiva de sustentabilidade ambiental e, as condições econômicas mundiais não permitem atrelar bem-estar com a medida do Produto Interno Bruto – PIB. O PIB, ao contrário do que se apregoa, não mede o grau de felicidade e de bem-estar. Trata-se de uma mensuração atrelada à concepção neoclássica, retratando a economia como um sistema fechado (independente), que envolve produtores e consumidores e descarta as medidas que podem gerar o bem-estar e qualidade de vida.
A “desmaterialização” da economia é conflitiva com o modelo atual de produção/oferta e consumo de bens, produtos e serviços. Na hipótese de aplicação deste modelo de desenvolvimento econômico, há necessidade (a) de desassociar PIB da concepção de bem-estar, (b) de produzir bens e produtos consumindo menos recurso natural, (c) de manter o estoque de capital natural e (d) de reduzir a produção de resíduo. Assim, a ocorrência da “desmaterialização” depende de edição de políticas públicas ambientais, da formulação de marcos regulatórios e da constituição de uma consciência cidadã.
Conclusão
O metabolismo social colocou a humanidade diante de uma encruzilhada, em que escolher qualquer um dos dois caminhos exigirá uma verdadeira mudança na forma de relacionamento do Ser Humano com o meio ambiente. Em um dos caminhos, haverá o desenvolvimento econômico insustentável, marcado pela por uma relação utilitarista da natureza. No outro sentido, um desenvolvimento que pretende ser sustentável, porém, sem adesão econômica, cultural e social.
Uma transição para a economia verde requer a “desmaterialização” por meio da intervenção do Estado na geração de políticas públicas que sejam capazes, inicialmente, de limitar o acesso aos recursos naturais, de regular o mercado, de estabelecer cotas de utilização dos recursos naturais e de taxar os geradores de emissões de poluentes.
O horizonte para a solução do paradoxo envolvendo crescimento econômico versus sustentabilidade requer da humanidade, em especial dos detentores do Poder Econômico e Político: (a) a revisão dos marcos do crescimento econômico, alternado do sistema neoclássico para a economia ecológica; (b) a compreensão de que os recursos naturais são finitos; (c) a aplicação do conceito de “desmaterialização da economia; (d) a mudança da cultura administrativa do Estado; (e) a implantação do crescimento econômico zero e, (f) a mensuração do meio ambiente como fonte de vida e não como fonte de lucros.
Imagem Ilustrativa do Post: body clear // Foto de: Samad Deldar // Sem alterações
Disponível em: https://www.pexels.com/pt-br/foto/agua-atualizar-bebendo-borrifando-66346/
Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/