O meio ambiente do trabalho

23/12/2018

Introdução.

Quando se estuda a disciplina de direito ambiental na acadêmica, seja no curso de direito ou em outra ciência, o discente é levado a compreender que o conceito de meio ambiente, segundo o ordenamento jurídico, compreende o meio ambiente natural, o meio ambiente artificial, o meio ambiente cultural e o meio ambiente do trabalho.

O meio ambiente natural, também chamado de meio ambiente físico, é composto pela atmosfera, águas, solo e subsolo, fauna e flora e o patrimônio genético. A tutela do meio ambiente natural se dá pelo artigo 225 da Constituição Federal, parágrafo 1º, incisos I e VII, e parágrafo 4º:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoque a extinção de espécies ou submetam animais à crueldade.

§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

O meio ambiente artificial é definido a partir das cidades, dos espaços urbanos construídos e pelos equipamentos públicos. A tutela constitucional do meio ambiente artificial está contida nos artigos 225, 182 (Política Urbana e Estatuto da Cidade) e 21, inciso XX, ambos da Constituição Federal.

Art. 21. Compete à União:

XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

O meio ambiente cultural relaciona-se com o patrimônio artístico, paisagístico, arqueológico, histórico e turístico, tutelado especificamente pelo artigo 216 da Constituição Federal brasileira:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Por fim, o meio ambiente do trabalho, constituído pelo ambiente no qual as pessoas desenvolvem as suas atividades laborais, remuneradas ou não, como garantia de salubridade e de incolumidade dos trabalhadores. Difere da tutela do direito do trabalho por visar a segurança e a saúde do trabalhador a partir do local de trabalho. Na Constituição, o meio ambiente do trabalho é tutelado pelos artigos 225 e 200, inciso VIII:


Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.


A partir da classificação legal de meio ambiente, comumente incorre-se no equivoco de ignorar a existência do meio ambiente, artificial, do meio ambiente cultural e do meio ambiente do trabalho, pois, como regra, a primeira mensagem subliminar sobre meio ambiente é sempre do meio ambiente natural. Essa perspectiva explica o motivo pelo qual a sociedade como um todo não discute e não colabora para a sustentabilidade do meio ambiente artificial, cultural e do trabalho.

É notória a defesa, mesmo que desorganizada, dos elementos característicos da fauna e da flora (somos todos defensores ardorosos do mico-leão dourado, porém, não temos qualquer problema (sensibilidade) em conviver com seres humanos abandonados pelas ruas). É visível, de forma geral, que a sociedade urbana não colabora com a sustentabilidade das cidades (não realiza a coleta seletiva, não colabora com a limpeza pública, não observar o PDM na hora de construir, etc). De igual forma, a sociedade não defende as tradições culturais, os museus, a história local, regional e nacional e, por fim, o sistema econômico-produtivo, por completo, vilipendia o trabalho e o trabalhador (veja a reforma trabalhista, a quarteirização do trabalho, a existência de trabalho escravo, a persistência do trabalho infantil), sem que haja qualquer reação da sociedade.

O presente ensaio pretende destacar a importância do meio ambiente do trabalho, geralmente desconhecido ou não compreendido.

O engodo de que teremos emprego.

A sociedade ocidental inicialmente, e agora parte da sociedade oriental, alimenta um sonho utópico de que teremos emprego para todos e que a crise financeira mundial vai acabar ou vai passar. Os meios de comunicação e seus comentaristas econômicos mantem parte considerável dos trabalhares entretidos com números da economia, quase sempre expressados por meio de um “economiques” incompreensível para o homem de cultura mediana – é a balsa de valores que sobe; é a retração do mercado; é a alta do dólar; é a venda de commodities, dentre outros comentários.

A tentativa do sistema em ludibriar a sociedade geralmente da certo e todos passam a acreditar que há um horizonte palpável, real e viável, bastando apenas que todos estejam unidos pela pátria, que todos acreditem no desenvolvimento do mercado e que todos acendam suas velas em oração pelo deus mercado que o emprego será pleno. Nesse contexto não faltam discursos de panaceia com o claro objetivo de anestesiar a sociedade, garantindo que o governo e o empresários possam orquestrar, minuciosamente, ações legais para garantir a estabilidade social do sistema por meio do oferecimento de índices razoáveis de empregabilidade e, com isso, conter possíveis revoltas diante das reformas trabalhistas e previdenciárias. O cidadão, enganado, acredita que sem “as reformas” o pleno emprego não será possível.

Ao final, o resultado produzir um equilíbrio econômico para o mercado do trabalho que, perversamente, gera um contingente de desempregados; ávidos por um posto de trabalho, ainda que submetidos a condições indignas e sem direitos ou proteção social.

A verdade, entretanto, é que não existe uma terra prometida com trabalho para todos no mercado econômico capitalista e, ridiculamente, governos e empresários fazem promessas falaciosas, deixando pressentir que é possível alcançar o pleno emprego. O fato é que os trabalhadores, para o mercado, não passam de estatísticas e cifras. (os governos anunciam o sucesso da política econômica pelo fato de haver reduzido, pontualmente, o número de indivíduos desempregados e os empresários festejam os lucros obtidos através da malévola política econômica que produz um excedente propositado de trabalhadores com a finalidade de negociar e barganhar a dignidade do emprego, a salubridade e a segurança do trabalho).

O ciclo do mercado do trabalho tem início com a produção do excesso de trabalhadores, de mão de obra; depois, após utiliza-los à exaustão, alcançando fartos lucros, o mercado realiza o descarte e reinicia um novo ciclo a partir dos mais jovens. Parte dos trabalhadores, uma grande parte dos que creditaram suas vidas no mercado de trabalho são retirados do sistema e deixam de ser uteis, e a inutilidade resulta na falta de razão para viver.

O Ser Humano, na lógica do mercado do trabalho, é considerado um supérfluo – um bem que pode ser adquirido e descartado sem qualquer compaixão. A sociedade, por sua vez, inerte, calada e sem reação; não compreende que a única verdade do mercado é a obtenção de lucros a partir da exploração do trabalho e do trabalhador. Para Viviane Forrester (1997, p. 10/11)1, o processo ilusório da existência do trabalho, do emprego e da ascensão social, profissional e financeira acaba levando o Ser Humano ao sofrimento e à marginalização.

Mas, enquanto alguém diverte assim a plateia, milhões de pessoas, digo bem pessoas, colocadas entre parênteses, por tempo indefinido, talvez sem outro limite a não ser a morte, têm direito apenas à miséria ou à sua ameaça mais ou menos próxima, à perda muitas vezes de um teto, à perda de toda consideração social e até mesmo de toda autoconsideração. Ao drama das identidades precárias ou anuladas. Ao mais vergonhoso dos sentimentos: a vergonha. Porque cada um então se crê (é encorajado a crer-se) dono falido de seu próprio destino, quando não passou de um número colocado pelo acaso numa estatística.

Multidões de seres lutando. Sozinhos ou em família, para não deteriorar-se, nem demais nem muito depressa. Sem contar inúmeros outros na periferia, vivendo com o temor e o risco de cair nesse mesmo estado.

Não é o desemprego em si que é nefasto, mas o sofrimento que ele gera e que muitos provém de sua inadequação àquilo que o define, àquilo que o termo ‘desemprego’ projeta, apesar de fora de uso, mas ainda determinando seu estatuto. O fenômeno atual do desemprego já é mais aquele designado por essa palavra, porém, em razão do reflexo de um passado destruído, não se leva isso em conta quando se pretende encontrar soluções e, sobretudo, julgar os desempregados. De fato, a forma contemporânea daquilo que ainda se chama desempregado, jamais é circunscrita, jamais definida e, portanto, jamais levada em consideração. Na verdade, nunca se discute aquele que se designa pelos termos ‘desemprego’ e ‘desempregados’ mesmo quando esse problema parece ocupar o centro da preocupação geral, o fenômeno real é, ao contrário, ocultado.

Um desemprego, hoje, não é mais objeto de uma marginalização provisória, ocasional, que atinge apenas alguns setores, agora, ele está às voltas com uma implosão geral, com um fenômeno comparável a tempestades, ciclones e tornados, que não visam ninguém em particular, mas aos quais ninguém pode resistir. Ele é objeto de uma lógica planetária que supõe a supressão daquilo que se chama trabalho, vale dizer, emprego.

A lógica do mercado do trabalho pode ser resumida na criação do exército de trabalhadores, na ilusão do emprego para todos, no sofrimento do desemprego, na marginalização do abandono social e na crueldade do descarte. Porém, a “pá de cal” do mercado é fantástica e digna de “elogios”, pois faz com que o trabalhador, mesmo na desgraça da falta de razão para viver, acredite que o desemprego é fruto da sua incapacidade técnica ou de sua obsolescência, menos do sistema mentiroso, criado para enganar e explorar o meio ambiente.


Conclusão.

É possível concluir que a sociedade não conhece o meio ambiente do trabalho e não reconhece a importância do trabalho como um espaço de vida, de valorização da autoestima e de dignidade. Depois, é possível verificar que o Ser Humano é ludibriado pelo mercado, levado a acreditar que há espaço para todos no mercado de trabalho.

O fato, entretanto, é que a sociedade moderna (sociedade do consumo), produziu e produz um contingente de trabalhadores sem perspectiva de emprego, levados ao submundo da marginalização e da miséria social, intelectual e humana.

Nas palavras de Luiz Gonzaga, Guerreiro Menino, sem trabalho não há honra e não há vida.

"O homem se humilha se castram seus sonhos

Seu sonho é sua vida e vida é trabalho

E sem o seu trabalho o homem não tem honra

E sem a sua honra, se morre, se mata.

Não da pra ser feliz, não dá pra ser feliz”.

(Luiz Gonzaga)

 


Notas e Referências

1 FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo: editora Universidade Estadual Paulista, 1997

 

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