O marginal só quer capitalismo – Por Léo Rosa de Andrade

26/05/2015

Imagina uma cidade medieval. Seus poucos habitantes. Uma hierarquia acachapante em tudo na vida. Controle absoluto. Todo mundo se conhece, sabe quem é quem e o que cada qual faz. Sabe-se o que se pensar e que o outro pensa igual a mim. Há um pensamento único. Vive-se numa circunscrição física, moral, intelectual.

No tempo medieval há pouquíssimos que se destacam da multidão e há a massa condicionada, uma ninguenzada tosca. A relação é de súdito e soberano, é de vassalagem. O vassalo não é passivo de uma força externa, mas ativo de uma concepção de vida introjetada. Os aldeões nem vassalos são; são como rês.

A burguesia acabou com isso. Inventou o indivíduo e o valor individual. Puseram outro discurso em circulação. As pessoas passaram a ser constituídas como cidadãs. Repetidas falas vêm prometendo que todos são iguais, que todos têm direitos.  A crença nisso, pouco mais ou menos, pegou. Virou esperança geral.

A coisa é sempre uma mentalidade. As condições materiais do mundo (incluídos os lugares sociais determinados às pessoas) produzem uma consciência, ou um programa mental de leitura, explicação e justificativa do mundo. Assim como um heleno era guerreiro, um medieval era religioso.

No mundo das pequenas aldeias medievais o castelo e a igreja eram a vontade da divindade, fazendo o liame mental necessário ao poder estabelecido. Tudo era crença, o confessionário era um sistema de informação, o nobre era o governante de sangue azul por vontade de deus. Incrível, mas era assim.

Não obstante muito disso restar na Tradição Ocidental, o poder se dispersou. Há muitos focos de força social, de informação, de recursos econômicos, tecnológicos. E há uma dispersão que desvincula as multidões das matrizes ideológicas mais relevantes, produzindo descontrole. A internet fala mais que o padre.

Os conservadores veem nisso um desavergonhado abandono dos costumes e querem passado. Não haverá retorno. Os revolucionários de toda hora veem a oportunidade de sempre, considerando que ocorre o desmantelamento do capitalismo. O capitalismo está mais seguro do que nunca; e se necessário, se refaz.

Numa sociedade simples, com fontes concentradas de poder, o superego (as forças morais inibidoras que são subjetivadas pelo indivíduo durante o processo de socialização) mantém a ordem. A ordem está subjetivada, é cumprida em grande parte por determinação interna de cada pessoa. Eu, mais que o mundo, me reprimo.

A sociedade complexa da atualidade tem outra lógica. O mundo capitalista é sedutor. Se antes as circunstâncias me inibiam e inclusive me produziam inibido em minhas vontades, hoje o mundo é oferta e promessa de felicidade. Nada mais é pecado, tudo é relativo, eu posso gozar os prazeres da vida. É só comprá-los.

Para comprar é preciso dinheiro. Para ter dinheiro é preciso um bom emprego. Aí nos deparamos com nós mesmos. Não somos um país de tradição capitalista que reconhece a dignidade do trabalho. Somos um desgraçado de um patrimonialismo em que alguns se apropriaram de mais do que é razoável.

Resta que a coisa não está boa pra ninguém. E não há argumento econômico para o Brasil ficar como está. Somos contraproducentes. Não há argumento jurídico para o Brasil manter-se desse jeito. A injustiça trai a Constituição. Não há um argumento moral para preservar o que vivemos. Para muita gente não há vida decente.

Os excluídos do sistema de prazeres mundanos estão reagindo, complicando, já não vão à missa e enfrentam a polícia. Ah! que se lhes responda com Direito Penal. Não vai adiantar. Nisso de viver em paz, não resolve mais prisão. Mesmo sendo mentira, já vendemos muito a ideia de alguma igualdade. As pessoas a querem.

Liberdade, alguma igualdade, um pouco de fraternidade. É o que se quer. Os oprimidos querem uma revolução capitalista. Mesmo o marginal, ele só quer a sua parte do que ele viu na televisão. Tudo é uma coisa de repartir melhor o Brasil, dando um pouco mais a cada um o que não é mas devia ser seu.                         


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