O Júri e a exposição da corrupção humana - Por Roberto Victor Pereira Ribeiro

25/10/2017

O filme que a coluna Direito & Arte aborda nessa edição é a película Runaway Jury, de 2003, baseado em obra homônima de John Grisham. Trata-se de uma produção ambientada totalmente no interior do tribunal e foi escolhida para ser aqui comentada por dois viés: a história do Tribunal Popular e suas mazelas (corrupção de jurados) e a diferença entre o rito processual americano e o brasileiro.

Antes, entretanto, faz-se mister que façamos um breve introito acerca da figura milenar do Tribunal do Júri e suas idiossincrasias. 

Genuinamente criado na velha Grécia, o Tribunal do Júri, à época chamado de o “Tribunal dos Heliastas” “era considerado, verdadeiramente, um tribunal de justiça aberto a todos do povo”.[1]

 

Sobre a etimologia do verbete “Heliastas”, comentamos em nossa obra (o Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito): O nome talvez seja proveniente do monte em que se reuniam todos os jurados do tribunal, localizado ao oeste da Àgora. Apesar de apostarmos mais na tese que defende uma outra corrente. A segunda teoria sugere a denominação do tribunal ao nome do deus Hélios, sol. Como se reuniam em campo aberto, tendo o sol como testemunha, resolveram, então, colocar o nome do tribunal em homenagem ao astro rei.[2]

 

Os jurados do Tribunal dos Heliastas eram escolhidos na razão de 600 cidadãos por tribos.

Franco Massara define este tribunal assim:

“Os Heliastas eram juízes populares. Todos os cidadãos tinham o direito de fazer da Heliéia uma vez chegados à idade de trinta anos se solenemente jurassem observar as leis e ouvir imparcialmente os acusados e/ou réus”.[3]

 

A competência desse tribunal em nada se compara com as do Tribunal do Júri na legislação brasileira. Pois o “tribunal julgava questões públicas e privadas, não possuindo regras de competência ou jurisdição”.[4] Entretanto, é sinótico ao procedimento adotado pelos Estados Unidos da América, nação em que o filme, ora analisado, foi rodado e é ambientado.

Nas pesquisas deparamo-nos com informações que atestam o número de 500 jurados por sessão de julgamento. Procedia-se assim, como meio de evitar fraudes, de certo que não é fácil o ato de subornar 500 cidadãos, uma vez que sempre haverá um honesto no meio de dezenas e também por não existir ninguém com condições financeiras para tal façanha.

A película demonstra bem essa questão de suborno e corrupção investida na personagem Nicolas Easter, interpretada pelo famigerado ator John Cusack, que ao lado da esposa tenta manipular e ludibriar os colegas jurados para votarem de acordo com a sua ideologia. Como é um inveterado participante de juris e, portanto, conhecedor dos axiomas ali digladiados, Nicolas chega ao cúmulo de acionar os juristas Wendell Rohr e Rankin Fitch, que atuam como opositores nessa quezila judicial, e afirmar que a vitória de um dos dois será muito cara.

No Brasil, o Júri foi instituído com a primeira Lei de Imprensa em 1822, limitando a competência do tribunal popular ao julgamento de crimes de imprensa.

Com o advento da Constituição Imperial de 1824, o Júri passou a ser visto como órgão vinculado ao Poder Judiciário, tendo sua competência ampliada para julgar causas cíveis e criminais. O Código de Processo Criminal de 1832 doou ao ordenamento jurídico brasileiro o sistema misto, inglês e francês; este dava aos jurados competência sobre a matéria de fato enquanto que aquele, sobre a matéria de direito.

Na efeméride do ano de 1946, a Carta Maior estabeleceu a soberania desta instituição, dando-lhe as seguintes características (ainda atuais): número ímpar de seus membros, o sigilo da votação, a plenitude da defesa do réu, a soberania dos veredictos, e a exclusividade quanto à competência para julgar crimes dolosos contra a vida.

Como Nicolas Easter consegue direcionar seus colegas jurados? Através de reuniões secretas e em contato com todos, individualmente ou coletivamente, fato este que no Brasil não seria possível. Neste ponto, se é que é algo positivo, estamos a frente da nação estadunidense.

Aqui no Brasil os jurados devem ficar incomunicáveis, sendo observados por agentes públicos durante as audiências de julgamento, como também nos intervalos, desmoronando qualquer intenção de diálogo entre os mesmos. Faz-se mister ressaltar que o voto do jurado parte, unicamente, de sua convicção íntima, processada em vetores de sua órbita cefálica, não podendo mesmo sequer dividir ou tirar dúvidas com ninguém. O jurado no Brasil só conversa com sua própria consciência.

Ademais, como já demonstrado acima, o Juri no Brasil não recepciona ações cíveis e nem todas as criminais. Nosso procedimento é circunscrito aos crimes dolosos contra a vida. Portanto, o tema do filme – assunto em face da indústria armamentista e indenização – jamais seria julgado em sede de Tribunal do Juri.

A atuação dos atores principais e coadjuvantes, sem excetuar os figurantes, como todo o enredo do filme por si só já é razão para assistir “O Juri”. Some-se a essas razões o fato de se presenciar ritos processuais distintos num verdadeiro exame de direito comparado. A audiência do filme não deve se perfazer apenas por formandos ou formados em Direito, mas também por todo cidadão que anseio pelo conhecimento jurídico.    

O JÚRI. Título Original: Runaway Jury. Direção: Gary Fleder. Elenco: John Cusack, Rachel Weisz, Gene Hackman, Dustin Hoffman, Bruce Davison, Bruce McGill, Jeremy Piven, Cliff Curtis, Jennifer Beals, Nestor Serrano e Joanna Going. COR, EUA, 2003, Suspense Policial, DVD,  127 minutos.


[1] RIBEIRO, Roberto Victor Pereira. O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito. São Paulo: Pillares, 2012, p. 60

[2] Op. Cit. 2012, p. 60

[3] MASSARA, Franco. Os Grandes Julgamentos. Lisboa: Otto Pierre Edições, 1960, p. 22

[4] Op. Cit. 2012, p. 62

Imagem Ilustrativa do Post: White credit card on computer keyboard // Foto de: CafeCredit.com // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/cafecredit/29818022544

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura