O Julgamento Antecipado Parcial de Mérito e o Efeito Atribuído ao Recurso – Por Luiz Antonio Ferrari Neto

21/02/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Dentre as novidades que estavam previstas no Projeto de Novo Código de Processo Civil e que não se teve êxito, destacamos a retirada do efeito suspensivo atribuído ope legis ao recurso de apelação.

Na Câmara dos Deputados, durante a tramitação do Projeto de Novo CPC, muito se debateu sobre a retirada do efeito suspensivo ope legis. Não obstante, na redação final, votada naquela casa, foi mantido o efeito suspensivo atribuído à apelação (então art. 1.025 do PL 8.046/2010)[1]. No retorno do texto ao Senado, foi mantida a redação, conservando-se o efeito suspensivo ope legis a este recurso (vide o texto hoje vigente do art. 1.012)[2].

A discussão sobre a retirada do efeito suspensivo da apelação não é nova. Antes mesmo do então PLS 166/2010, a discussão já era grande. Havia, inclusive, Projeto de Lei tramitando na Câmara dos Deputados desde 2004 que visava retirar o efeito suspensivo ope legis do recurso de apelação (PL 3.605/2004)[3].

Verifica-se que, independentemente de vozes em sentido contrário[4], o Legislador optou por atribuir efeito suspensivo ao recurso de apelação.

A apelação, como se sabe, é o recurso cabível para se atacar error in procedendo ou error in judicando verificado em sentença. Assim, tanto o CPC/1973 quanto o CPC/2015 afirmam que “da sentença cabe apelação” (art. 1.009 do CPC/2015). Como regra, portanto, da sentença cabe apelação[5].

Diferentemente do CPC/73, todavia, o CPC/2015 previu expressamente que o juiz poderá prolatar julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356).

Na vigência do CPC/73, não havia disposição expressa que autorizasse o juiz a julgar o mérito de forma parcial. Não obstante, já havia vozes na doutrina afirmando sua possibilidade, com fundamento no art. 273, § 6[6], havendo até mesmo quem afirmasse existir uma sentença parcial, sendo possível a interposição de uma “apelação por instrumento”, algo que contrariava até mesmo o princípio da taxatividade, uma vez que só é recurso aquilo que a lei diz sê-lo.

A questão ganha relevo a partir da vigência do CPC/2015, pois com a possibilidade expressa de fatiamento do mérito, a decisão que julga parcialmente o mérito da demanda não é sentença, uma vez que, nos termos expressos do art. 203, § 1º, do CPC/2015, a sentença tem que pôr fim à fase cognitiva do procedimento[7], além de ter como conteúdo, alguma das hipóteses dos art. 485 ou 487 do CPC/2015[8].

Se não é sentença, então a decisão que julga parcialmente o mérito da demanda é decisão interlocutória[9], nos precisos termos do § 2º do art. 203[10].

Eis o problema: Se o juiz não fatiar o julgamento de mérito, enfrentará todos os pedidos quando da prolação da sentença. Por via de consequência, o recurso cabível será apelação, que terá, como regra, efeito suspensivo.

Se, todavia, o juiz decidir por fatiar o julgamento do mérito, enfrentando alguns dos pedidos em momento anterior ao da prolação da sentença, assim o fará por meio de decisão interlocutória, a qual poderá ser atacada por meio de agravo de instrumento que, como regra, não tem efeito suspensivo (vide os precisos termos do art. 203, §§ 1º e 2º, art. 356, § 5º e art. 1.015, I, todos do CPC/2015).

Diante deste ponto, eis a questão:

A decisão que julga parcialmente o mérito da demanda, de fato, não tem efeito suspensivo? Seria essa a mens legis, considerando-se que o legislador optou por atribuir efeito suspensivo à apelação que, como regra, é o recurso manejado contra os julgamentos de mérito?

Perceba que o § 2º do art. 356 procurou deixar isso bem claro em sua redação: “§ 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto”.

Diante disso, verifica-se que, o recurso cabível das decisões parciais de mérito é o agravo de instrumento, que não tem o efeito suspensivo ope legis, havendo clara tratativa diferenciada entre as decisões finais de mérito e as decisões interlocutórias de mérito.

A diferença, todavia, não para na existência ou não de efeito suspensivo. Perceba que na apelação, haverá a possibilidade de sustentação oral. Já no agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias de mérito, tal possibilidade inexiste, já que o CPC é expresso em afirmar que apenas nos agravos de instrumento contra decisões que concedem ou rejeitem a tutela de urgência é que haverá possibilidade de sustentação oral[11].

Indevidamente, foram dados dois pesos e duas medidas para as decisões de mérito, o que não deveria ocorrer. Mais correto seria haver simetria, com disposição expressa no sentido de ser perfeitamente cabível o efeito suspensivo ope legis ao agravo de instrumento contra as decisões parciais de mérito, evitando-se o início de execução provisória, bem como haver previsão de sustentação oral nos agravos de instrumento contra estas mesmas decisões parciais de mérito.

Como não há tal previsão, restará àquele que sucumbiu interpor agravo de instrumento, requerendo a atribuição de efeito suspensivo ao relator do recurso, demonstrando a gravidade do risco (periculum in mora), bem como a plausibilidade de seu recurso (fumus boni juris), sob pena de se ver diante de uma execução provisória.


Notas e Referências:

[1] PL 8.046/2010: “Art. 1.025. A apelação terá efeito suspensivo”.

[2] SCD 166/2010: “Art. 1.012.  A apelação terá efeito suspensivo”.

[3] Esta era a redação proposta pelo Projeto ao art. 520 do CPC/1973: “Art. 520. A apelação terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo para evitar dano irreparável à parte”.

[4] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 626.

[5] Há, por óbvio, exceções: Nos Juizados Especiais, por exemplo, da sentença caberá recurso “inominado”, cujo prazo para interposição também é diferenciado – 10 dias - art. 41 e 42 da Lei 9.099/95. Na Lei de Execuções Fiscais, há previsão de cabimento de embargos infringentes contra sentença prolatada em embargos à execução fiscal de pequeno valor – art. 34 da Lei 6.830/80. Na Lei de Falências, da sentença que decreta a quebra não será cabível apelação, mas agravo de instrumento – art. 100 da Lei 11.101/2005. Nas liquidações de sentença, em que pese entendimento em sentido contrário, parece-nos tratar de sentença. Não obstante, o recurso dela permanece sendo o agravo de instrumento, apesar da redação lacunosa do art. 1.015, parágrafo único do novo CPC/2015.

[6] Art. 273, § 6º, do CPC/73: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

[7] No mesmo sentido: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 722; MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 597; THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. I. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 826; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 626; SCHENK, Leonardo Faria. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 524 DONOSO, Denis; SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Manual dos Recursos Cíveis. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 186. BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 265. Em sentido contrário: CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro et ali. Novo Código de Processo Civil Anotado e Comparado. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 205; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et ali. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 621.

[8] Art. 203, § 1º do CPC/2015: “Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”.

[9] Mesmo quem afirma trata-se de sentença, concorda que o recurso desta decisão é o agravo de instrumento, não havendo dissonância quanto a este ponto.

[10] Art. 203, § 2º do CPC/2015: “Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º”.

[11] Vide art. 937, VIII, do CPC/2015. Nada obsta, todavia, que o Tribunal preveja, em seu regimento, a possibilidade de sustentação oral nos agravos contra decisões parciais de mérito (vide art. 937, IX).


 

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