Por Denival Francisco da Silva - 23/06/2015
Dentre as tantas máximas ditas no direito, essa, embora não tão recorrente nos dias atuais, ainda se vê escapar na boca de alguns juízes ou não juízes. A expressão, aparentemente irrelevante, traz consigo o desencargo de consciência do julgador que se acomoda na sua apatia diante da realidade social, na ilusão de que está imune às atribulações externas, quando a rigor, as reafirmam. Para aqueles que repetem essa farsa, em suma querem do magistrado um ser alheio ao próprio convívio social e distante das intercorrências diárias como se fora um esquecido, só podendo ser importunado (ativado) eventualmente, para que não incomodem.
Por certo não há solidão em nenhuma atividade e o fato de personificar o exercício de alguns em específico, exigindo-se por vezes um grau de atenção (concentração, introspecção, ou o que for) não representa, ainda assim, um ato solitário, porque de qualquer modo se verá envolto com as realidades históricas e momentâneas que levaram àquele instante.
Nem mesmo nos esportes o atleta está só, seja coletivo ou individual para o que sempre se exige um oponente. O que se diz do goleiro na hora do pênalti? O momento é seu, mas há uma atuação coletiva, de sua equipe e da equipe adversária, antes e depois, que culminou na penalidade, existindo, doravante uma expectativa quanto ao resultado que poderá advir. Frente a frente cobrador e goleiro, não se isolam dos demais atletas que estarão ali prontos para entrarem em ação imediatamente à cobrança, seja na expectativa da comemoração do gol, seja para tentar efetivar a defesa parcial do arqueiro se já não a fez completamente.
Quanto a menciona solidão, nada mais é que a introspecção natural para o exercício do ofício assim como se dá em diversas outras profissões e que não vem acoplada a um apagão em relação ao mundo exterior, como destaca Amilton Bueno de Carvalho:
No entanto, se dizem que o Juiz, como profissional , ao julgar é solitário, nada de novo há: é só, o professor ao dar aulas; o engenheiro ao fazer cálculos; o advogado ao preparar suas teses; o cirurgião ao operar; o operário ao construir. E todos, inclusive o Juiz, nos momentos de dúvida buscam socorro na experiência dos outros, seja através de livros, como no convívio com os colegas.[1]
Digo mais, sequer Robinson Crusoé[2], quando ainda se julgava o único habitante da ilha onde se viu náufrago, era um ser só. A todo tempo, e apesar de 25 anos para o primeiro contato com outro humano, havia uma ligação com o mundo perdido. A ausência o fez refletir sobre o seu passado e a sociedade em que vivia, a partir de reminiscências com os referenciais até então apreendidos para, sob nova perspectiva, compreender diversamente e valorizar as relações sociais. Isso o preparou para o encontro mais humanizado com o índio e que, em princípio, teve o impulso de escravizar, mas o acolheu com igual e seu companheiro.
Assim, não há ofício solitário, muito menos de um juiz. O julgador, afinal, nunca haverá de estar só e ausente dos fatos sociais, mesmo que seus julgamentos sejam apenas a reafirmação do status quo. O edito decisório regado de preconceitos e conservadorismos, haverá nesse ato decisório a revelação de um plano coletivo em que se acredita e se aceita. E, mesmo que dedicado exclusivamente ao trabalho durante à semana, sempre chegará sexta-feira é o fim de semana para devaneios, onde comumente intensificam-se as relações sociais, sem ilhas desertas.
Notas e Referências:
[1] CARVALHO, Amilton Bueno de. Magistratura e Direito Alternativo. 7ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 47.
[2] Robinson Crusoe é um romance escrito por Daniel Defoe, escritor inglês, e publicado 1719 no Reino Unido. A obra é a autobiografia fictícia do personagem-título, um náufrago que passou 28 anos em uma remota ilha tropical próxima a Trinidad, encontrando canibais, cativos e revoltosos antes de ser resgatado. Trata-se de clássico da literatura mundial, traduzido para mais de 700 idiomas.

Denival Francisco da Silva é Doutorando em Ciências Jurídicas pela UNIVALI/SC. Mestre em direito pela UFPE. Juiz de Direito. Professor.
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