O INCENTIVO FISCAL DECORRENTE DA PRÁTICA DE ATIVIDADES HOSPITALARES POR ENTIDADES PRIVADAS, DIVERSAS DO ENTE HOSPITALAR EM SENTIDO ESTRITO

31/10/2019

Dentre os direitos essenciais anotados no texto constitucional, o direito social à saúde emana do art. 6º da Constituição da República.

Essencial e fundamental, o direito à saúde possui uma seção inteira dedicada a ele, direito de todos e dever do Estado, assegurado mediante políticas públicas sociais e econômicas que visem a redução de doenças, mediante o acesso universal e igualitário (CF, artigo 196 e seguintes).

O assunto aqui debatido diz respeito a um incentivo fiscal que visa ampliar a oferta de serviços médicos equiparados a hospitalares, por entes privados, a fim de reduzir o custo social. Podem beneficiar-se do incentivo, os hospitais, as clínicas, inclusive odontológicas, e laboratórios.

O ponto focal do incentivo decorre do reenquadramento de alíquotas que presumem o lucro. Explica-se: se uma determinada empresa não faz uso do incentivo fiscal, para efeito do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica), presume-se o lucro em 32%. A mesma situação-hipótese ocorre com a CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido), presumindo-se o lucro em 32%.

Todavia, avaliando o caso concreto e percorrendo o contencioso administrativo fiscal ou judicial, as alíquotas de presunção de lucro, nos serviços hospitalares, desde que presentes os requisitos que serão demonstrados abaixo, terão um novo enquadramento, em 8% para IRPJ e 12% para CSLL.

O conteúdo originário que dá sustentação ao incentivo tributário aqui comentado está inserido nos artigos 196 e 197 da Constituição da República. Confira-se:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

É fato que o Estado não consegue suprir totalmente a demanda de acesso à saúde, de forma pública, gratuita e universal, em que pese tratar-se de um direito essencial.

O conteúdo das normas constitucionais referidas são indutoras do comportamento infraconstitucional, abrindo-se espaço para políticas públicas criativas. De um lado, o objetivo é dar eficácia à norma constitucional e, de outro, estimular as atividades econômicas, mediante a redução da carga tributária.

Neste caso, optou o legislador pela redução da carga tributária para serviços hospitalares prestados por particulares, garantindo-se, assim, maior inclusão e a desoneração relativa a encargo do ente público.

O benefício fiscal à saúde, mediante a redução de alíquota, está contido na Lei nº 9.249/1995[1], com os acréscimos trazidos pela Lei nº 11.727/2008[2], cuja intenção é a de fazer valer o texto constitucional antes comentado.

Para dar eficácia ao respectivo direito, ou seja, para titularizá-lo, existem requisitos legais indispensáveis, em que pese flexibilizados em algumas situações/hipóteses mediante a interpretação jurisprudencial.

O Recurso Especial sob o nº 111.6399/BA, submetido sob análise de Recurso Representativo de Controvérsia (Recurso Repetitivo), no tema nº 217, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), está assim ementado:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 535 e 468 DO CPC. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. LEI 9.249/95. IRPJ E CSLL COM BASE DE CÁLCULO REDUZIDA. DEFINIÇÃO DA EXPRESSÃO "SERVIÇOS HOSPITALARES". INTERPRETAÇÃO OBJETIVA. DESNECESSIDADE DE ESTRUTURA DISPONIBILIZADA PARA INTERNAÇÃO. ENTENDIMENTO RECENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO. RECURSO SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC. 1. Controvérsia envolvendo a forma de interpretação da expressão "serviços hospitalares" prevista na Lei 9.429/95, para fins de obtenção da redução de alíquota do IRPJ e da CSLL. Discute-se a possibilidade de, a despeito da generalidade da expressão contida na lei, poder-se restringir o benefício fiscal, incluindo no conceito de "serviços hospitalares" apenas aqueles estabelecimentos destinados ao atendimento global ao paciente, mediante internação e assistência médica integral. 2. Por ocasião do julgamento do RESP 951.251-PR, da relatoria do eminente Ministro Castro Meira, a 1ª Seção, modificando a orientação anterior, decidiu que, para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão "serviços hospitalares", constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), porquanto a lei, ao conceder o benefício fiscal, não considerou a característica ou a estrutura do contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde). Na mesma oportunidade, ficou consignado que os regulamentos emanados da Receita Federal referentes aos dispositivos legais acima mencionados não poderiam exigir que os contribuintes cumprissem requisitos não previstos em lei (a exemplo da necessidade de manter estrutura que permita a internação de pacientes) para a obtenção do benefício. Daí a conclusão de que "a dispensa da capacidade de internação hospitalar tem supedâneo diretamente na Lei 9.249/95, pelo que se mostra irrelevante para tal intento as disposições constantes em atos regulamentares". 3. Assim, devem ser considerados serviços hospitalares "aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde", de sorte que, "em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos". 4. Ressalva de que as modificações introduzidas pela Lei 11.727/08 não se aplicam às demandas decididas anteriormente à sua vigência, bem como de que a redução de alíquota prevista na Lei 9.249/95 não se refere a toda a receita bruta da empresa contribuinte genericamente considerada, mas sim àquela parcela da receita proveniente unicamente da atividade específica sujeita ao benefício fiscal, desenvolvida pelo contribuinte, nos exatos termos do § 2º do artigo 15 da Lei 9.249/95. 5. Hipótese em que o Tribunal de origem consignou que a empresa recorrida presta serviços médicos laboratoriais (fl. 389), atividade diretamente ligada à promoção da saúde, que demanda maquinário específico, podendo ser realizada em ambientes hospitalares ou similares, não se assemelhando a simples consultas médicas, motivo pelo qual, segundo o novel entendimento desta Corte, faz jus ao benefício em discussão (incidência dos percentuais de 8% (oito por cento), no caso do IRPJ, e de 12% (doze por cento), no caso de CSLL, sobre a receita bruta auferida pela atividade específica de prestação de serviços médicos laboratoriais). 6. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ (...).[3]

Assim sendo, como o guardião das leis infraconstitucionais é o Superior Tribunal de Justiça, o tema em questão já está com o entendimento pacificado, visto que o julgamento acima versa sobre Recurso Representativo de Controvérsia (vinculando os demais Juízes e Tribunais).

Cumprindo-se os requisitos a seguir, o contribuinte tem direito ao reenquadramento de alíquotas (redução) para presunção de lucro.

O primeiro requisito decorre do regime tributário da sociedade empresária — Lucro Presumido.

Paulo Lenir dos Santos esclarece que “o Lucro Presumido é determinado pelo valor resultante de aplicação dos percentuais de presunção de lucro (conforme o tipo de atividade operacional exercida pela pessoa jurídica que abrange a variável de 1,6% a 32%).”[4]

Isto quer dizer que apenas as empresas constituídas sob o regime tributário de lucro presumido terão acesso ao incentivo fiscal em comentário, o que não ocorre com as empresas optantes do Simples ou do Lucro Real.

O segundo requisito é a constituição da empresa como sociedade empresária.

Tarcísio Teixeira esclarece que “a sociedade empresária, como espécie do gênero empresário, é um contrato (acordo de duas ou mais partes, pessoas física ou jurídica, para constituir, regular, ou extinguir entre elas uma relação jurídica de direito patrimonial”.[5]

Portanto não é possível obter tal incentivo fiscal se a empresa estiver constituída como sociedade simples.

O terceiro requisito diz respeito ao atendimento das normas da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), porém, tal requisito foi flexibilizado pela jurisprudência, suprindo-se por meio do Alvará expedido pelo Órgão de Vigilância Sanitária competente.

A jurisprudência do TRF4 é neste sentido. Confira-se:

“(...) não é legítimo exigir que a empresa comprove atender às normas da ANVISA. Uma vez que está em exercício regular de sua atividade e detém o alvará de funcionamento, há presunção relativa de que está adequada às regras da vigilância sanitária. Caberia, desta forma, ao Fisco trazer elementos que indiquem o descumprimento de tais regras.”[6]

Portanto, o requisito expresso no art. 15, §1, III, “a”, da Lei 9.249/1995, a respeito da ANVISA, é flexibilizado pelo entendimento consolidado dos Tribunais.

O quarto requisito é a realização de serviços hospitalares pelos hospitais, clínicas (inclusive em alguns casos, as odontológicas) e laboratórios.

O art. 15, §1, III, “a”, da Lei 9.249/1995, traz algumas situações/hipóteses exemplificativas da prestação de serviços enquadráveis como “serviços hospitalares”, dentre eles: serviços hospitalares e de auxílio de diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises de patologias clínicas. Lembre-se que o rol não é taxativo, mas exemplificativo.

Para quaisquer atividades que se enquadrem como sendo de natureza hospitalar, mesmo não prestadas em ambientes hospitalares, pode-se ter enquadramento positivo para o fim de se usufruir do benefício da redução de alíquota.

Também existe a possibilidade de enquadramento no incentivo fiscal de serviços hospitalares que tenham um alto custo de suporte material (máquinas e equipamentos), bem como mão de obra humana específica (profissional especializado para realizar determinados serviços ou operar determinado equipamento), o que encarece o acesso à saúde, fazendo com que exista direito ao incentivo.

Lembre-se que consultas médicas não se enquadram no referido benefício, nem mesmo as atividades administrativas. Vale salientar que a aplicação das alíquotas de presunção de 8% para IRPJ e 12% para CSLL (alíquotas com o benefício), não são aplicadas na receita bruta total da empresa, mas, sim, tem sua aplicação sobre a receita bruta das atividades enquadradas como hospitalar.

Observem-se as alíquotas de presunção aplicáveis conforme a Lei n.  9.249/95.

 Art. 15.  A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto no art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995.  

§1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de: III - trinta e dois por cento, para as atividades de:

a) prestação de serviços em geral, EXCETO a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.

Art. 20. A base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devida pelas pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os arts. 2º, 25 e 27 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá aos seguintes percentuais aplicados sobre a receita bruta definida pelo art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida no período, deduzida das devoluções, das vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos:

I - 32% (trinta e dois por cento) para a receita bruta decorrente das atividades previstas no inciso III do § 1º do art. 15 desta Lei; (Incluído pela Lei Complementar nº 167, de 2019)

(...)

III - 12% (doze por cento) para as demais receitas brutas. 

Deste modo, as empresas que prestam serviços hospitalares e não possuem suas alíquotas reduzidas têm seu percentual de Lucro Presumido aplicado com presunções de 32% de Imposto de Renda (IRPJ) e 32% de Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL). Porém, com o incentivo fiscal, toda atividade que resultar da prestação de serviços hospitalares terá a sua presunção de lucro apurada em 8% de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e 12% de Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido. A incidência destes percentuais aplica-se única e exclusivamente sobre os valores obtidos com os serviços enquadrados como hospitalares, portanto não se aplica sobre o faturamento total da empresa.

Para o cenário sem o incentivo fiscal, o resultado prático é o seguinte:

Se a empresa tem um ganho com serviços hospitalares de R$ 100.000,00 (cem mil reais) mensais e estiver com seu percentual de 32% sobre IRPJ e 32% para CSLL (sem incentivo fiscal), a sua base de cálculo será: 100.000,00 x 32% = 32.000,00 (trinta e dois mil reais) — base de cálculo.

Sobre os R$ 32.000,00 será aplicada a alíquota de 15% de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (mais 10% no que exceder a R$ 20.000,00 no mês, R$ 240.000,00 no ano ou R$ 60.000,00 no trimestre) e 9% de CSLL.

Conclui-se com a seguinte equação: 32.000,000 x 15% = 4.800,00 e mais 12.000,00 x 10% = 1.200,00 (adicional, pois excedeu os R$ 20.000,00 no mês), totalizando-se, assim, R$ 6.000,00 de IRPJ no mês e 32.000,00 x 9% = 2.880,00 de CSLL, ou seja, com uma presunção de 32% de lucro, a empresa deveria desembolsar, a título de IRPJ e CSLL, o equivalente a 6.000,00 + 2.880,00 = R$ 8.880,00 (oito mil oitocentos e oitenta reais).

Para o cenário com incentivo fiscal, o resultado prático é o seguinte:

Se a empresa tem um ganho com serviços hospitalares de R$ 100.000,00 (cem mil reais) mensal e estiver com seu percentual de 8% para IRPJ e 12% para CSLL (com incentivo fiscal), a sua base de cálculo para IRPJ será: 100.000,00 x 8% = 8.000,00 (oito mil reais) — base de cálculo.

Sobre os R$ 8.000,00 será aplicada a alíquota de 15% de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (mais 10% no que exceder R$ 20.000,00 no mês, R$ 240.000,00 no ano ou R$ 60.000,00 no trimestre).

Conclui-se com a seguinte equação: 8.000,000 x 15% = 1.200,00 (aqui não incidirá os 10% de adicional, pois não excedeu os R$ 20.000,00 no mês), totalizando-se, assim, R$ 1.200,00 de IRPJ no mês. A base de cálculo para CSLL será: 100.000,00 x 12%=12.000,00 (doze mil reais) — base de cálculo. R$12.000,00 x 9% = 1.080,00 de CSLL, ou seja, com uma presunção de 8% de lucro para IRPJ e 12% para CSLL (redução da base), a empresa deveria desembolsar, a título de IRPJ e CSLL, o equivalente a 1.200,00 + 1.080,00 = R$ 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta reais).

A hipótese traz como consequência uma economia de R$ 6.600,00 no mês.

Por fim, neste contexto, um bom planejamento tributário traz resultados importantes para a economia empresarial. É um ganho para a atividade econômica e para o empresário, pois, com a redução dos percentuais de presunção de lucro (diminuição da base de cálculo para incidência das alíquotas do imposto em si), o negócio vinculado à atividade empresária tem maior potencial de sucesso, em razão da economia tributária e da aplicação do residual positivo na própria atividade geradora de riquezas.   

 

Notas e Referências

[1] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9249.htm>. Acesso em: 28. set. 2019.

[2] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9249.htm>. Acesso em: 28. set. 2019.

[3]Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1829874&num_registro=201900752840&data=20190701&formato=PDF>. Acesso em: 04. set. 2019.

[4] SANTOS, Paulo Lenir dos, Lucro: real – presumido – simples – melhor opção: uma análise prática e técnica de cálculos tributários. 5. Ed. Porto Alegre: Paixão Editores, 2018.

[5] TEIXEIRA, Tarcísio, Direito empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

[6]Disponível em: <https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&numero_gproc=40000985523&versao_gproc=4&crc_gproc=827c230d>. Acesso em: 15. set. 2019.  Processo nº 5032294-81.2018.4.04.7100/RS.

 

 

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