Por Reinaldo Denis Viana Barbosa - 18/08/2015
Em decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) do último dia 08 de abril foi reconhecido um novo requisito objetivo para a progressão de regime: o pagamento da pena de multa imposta na sentença.
Como se sabe, no Brasil há três regimes de cumprimento de pena: fechado, semiaberto e aberto. As peculiaridades de cada regime são definidas no artigo 34 e seguintes do Código Penal. No regime fechado, por exemplo, a pena deve ser cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média, enquanto no regime semiaberto, o cumprimento será em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
Por força dos artigos 5º, XLVI, da Constituição Federal, 33, §2º, do Código Penal e 112 da Lei de Execuções Penais, a pena privativa de liberdade deverá ser cumprida de maneira progressiva com a transferência para o regime menos gravoso, desde que atingidos os requisitos objetivos, subjetivos e formais definidos em lei.

A defesa argumentou a impossibilidade da prisão por dívida (art. 5º, LXVII, CF/88), bem como da conversão da multa em detenção (art. 51, CP). Contudo, para o Plenário do STF não se tratava de nenhuma das hipóteses alegadas pela defesa, mas sim do caráter de pena que tem a multa aplicada na sentença, posto que encontra previsão nos artigos 5º, XLVI, c, da CF/88, e 32, III, do CP.Não obstante o pagamento da pena de multa imposta na sentença não constar como requisito para progressão de regime (art. 112, LEP), o Plenário do STF, por maioria, negou provimento ao agravo regimental interposto em face de decisão monocrática que indeferiu o pedido de progressão de regime por conta do inadimplemento da pena de multa cumulativamente imposta à restrição da liberdade. (EP 12 ProgReg-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 8.4.2015. (EP-12)).
Em síntese, o STF entendeu que o não pagamento voluntário da pena de multa cumulativamente imposta à pena privativa de liberdade é um requisito objetivo que impede a progressão de regime.
Sempre que decisões judiciais impuserem restrições processuais não definidas pelo legislador, o processo penal substancial estará em risco. A decisão da Suprema Corte fere o princípio da legalidade e do devido processo legal. Raul Zaffarone, com o típico brilhantismo, assevera:
"Se por analogia, em direito penal, entende-se completar o texto legal de maneira a estendê-lo para proibir o que a lei não proíbe, considerando antijurídico o que a lei justifica, ou reprovável o que ela não reprova ou, em geral, punível o que não é por ela penalizado, baseando a conclusão em que proíbe, não justifica ou reprova condutas similares, este posicionamento de interpretação é absolutamente vedado no campo da elaboração científico-jurídica do direito penal".[1]
A decisão do STF seria admirável, se não fosse ilegal. O objetivo do Plenário era, sem dúvida, dar maior força executiva para a pena de multa aplicada no processo penal. Contudo, deve-se levar em conta que o princípio da intervenção mínima apresenta o direito penal como última ratio de intervenção do Estado. Nesse sentido, Rogério Greco assenta:
"O princípio da intervenção mínima deixa entrever a necessidade de o Direito Penal ser aplicado de forma subsidiária, tendo em vista a drasticidade de sua resposta, permitindo, assim, ancorado no princípio da dignidade da pessoa humana, que outros ramos do ordenamento jurídico, com primazia, procurem fazer a proteção dos bens jurídicos, somente sendo necessária a interferência do Direito Penal quando esses outros ramos demonstrarem que são ineficazes ou insuficientes à sua proteção".[2]
Há previsão expressa quanto ao tratamento a ser dispensado à pena de multa. O artigo 51 do Código Penal tem a seguinte redação:
“Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.”
Havendo condenação a uma pena privativa de liberdade cumulada com multa, tem-se um título executivo formado por duas partes que requerem formas distintas de cobrança. Para a primeira parte da sentença, priva-se a liberdade; para a segunda, cobra-se a dívida nos termos do artigo 51 do Código Penal.
Em conclusão, utilizar o sistema penal para executar toda a sentença é desconsiderar o princípio da legalidade e o da intervenção mínima, além de omitir a existência da dignidade da pessoa humana. O Estado possui formas mais eficientes para a cobrança da dívida que a utilização do direito penal. Manter alguém preso para que pague dívida pecuniária ao Estado não parece a forma mais inteligente de alcançar tal objetivo.
Notas e Referências:
[1] ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro, parte geral. 6. ed. rev. atual. São Paulo : Revista dos Tribunais. 2006. p. 151.
[2] GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. 7. ed. Rio de Janeiro : Impetus, 2014. p. 75.

Reinaldo Denis Viana Barbosa é Advogado criminalista e pós-graduando em Direito Penal na Escola do Ministério Público de Santa Catarina.
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