Por Nestor Eduardo Araruna Santiago - 21/02/2017
A fala derradeira do filme “Apocalypse Now”, dirigido por Francis Ford Coppola, que retratou com maestria a crueldade da Guerra do Vietnã, mostra exatamente o quadro do sistema prisional brasileiro: trata-se de verdadeira terra arrasada, muito embora as autoridades governamentais insistam em dizer que está tudo sob controle.
Em Manaus, o ano de 2017 iniciou com o segundo maior massacre de presos da história do Brasil, só perdendo para o do Carandiru, há 25 anos. E neste período, não aprendemos a mudar o tratamento dirigido aos encarcerados. Ao contrário, o quadro somente se agrava, com mais e mais superlotações de presídios, cadeias públicas e carceragens de delegacias, em situações que degradam, cotidianamente, o que lhes resta de humanidade.
Diante desta situação, não se pode dizer que o Estado seja omisso. Nada disso: está ciente dela, e, ao longo das últimas quase três décadas, vem agravando mais e mais o quadro: adoção de medidas prisionais de curto alcance; produção de mais legislação de caráter punitivo; enfraquecimento da Constituição Federal por meio de decisões que a violam; número insuficiente de servidores para operar no Sistema de Justiça (Defensores Públicos, Juízes, Promotores, Policiais, Agentes Penitenciários); publicação de decreto de indulto que reduz sensivelmente a possibilidade de sua concessão; combate ineficiente às facções criminosas que operam dentro e fora dos presídios, e acabam por ser a rede de “proteção” dos encarcerados, que, por sua vez, pagam até mesmo com a vida o preço desta “ajuda”.
Nas sociedades modernas, a vida é tratada como valor supremo. Rompe-se com o paradigma punitivo, sem medidas de caráter paliativo, com grande inspiração nos princípios iluministas. No Brasil, as mortes que ocorrem dentro dos presídios nada mais são do que o retrato do que acontece do outro lado dos muros, com quase 60 mil óbitos violentas por ano, com semelhante quantidade de mortos no trânsito, e com a maior taxa de letalidade de policiais em serviço no mundo. Enfim, não somos um povo cordial.
Para que possamos evoluir como sociedade, é necessário compreender que direitos humanos não são só para bandido: são para todos, inclusive para eles. Ao negar-lhes estes direitos, estamos todos condenados a viver em estado de selvageria, numa caricatura de civilização que não enxerga a necessidade de tratar a todos com dignidade. Enfim, é “o horror, o horror”.
Originalmente publicado no Jornal O Povo, de Fortaleza, no dia 14.1.2007.
. . Nestor Eduardo Araruna Santiago é Advogado criminalista. Pós-Doutor em Direito. Professor da Unifor e UFC. Membro do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará (COPEN). nestoreasantiago@gmail.com .
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