O herói que sucumbiu pelo amor

15/01/2016

Por Bernardo Gomes Barbosa Nogueira - 15/01/2016

O filme “Faroeste Caboclo” do diretor René Sampaio suscitou a mim sentimentalidades que se misturaram com uma história que um dia hei de contar, ou mesmo que ando por ai a contar. A estória do herói trágico, João de Santo Cristo, cantada pela Legião Urbana e retrato de muitos homens brasileiros é a narrativa pela qual iremos passear. É de se dizer que o filme nos permite imensas leituras, tentarei me desvencilhar da emoção a qual fui tomado quando assisti e dizer um pouco dos contornos filosófico-político e social que esta poesia nos brinda.

João de Santo Cristo é o estereótipo perfeito que encena uma tragédia. O herói, sabedor e não de seu destino, necessariamente voraz, corre atrás dele como um amante que perdeu a trilha do amado. Na sina de João há traços que nos fazem refletir sobre a tragédia de uma vida que a princípio nasce fadada a um destino, mas que por força da ação dionisíaca de seu narrador-personagem, faz irromper novos e desconhecidos caminhos.

A Brasília burguesa recebe de maneira hostil o homem que “vem de fora”, o estrangeiro. João de Santo Cristo vai “tentar a sorte” na nova cidade e mistura a tragédia de sua nomeação, de negro, pobre e analfabeto, à jovem burguesia que ostentava uma existência discriminatória e excludente. O uso de drogas entre os jovens, a estreita relação do poder com o dito criminoso e o reclame político da música de Renato Russo estão todos presentes neste enredo.

Quando João de Santo Cristo chega a Brasília quer apenas saciar a fome que o assola. Torna-se carpinteiro e inicia a talha de seu destino. Contudo, envolve-se com a venda de drogas, essa estória agora muda de direção. Não se sabe, se dada por João, não se sabe ainda, se dada pelo ocaso que nos embala pelos braços sem nos avisar. Essa virada, do carpinteiro para o vendedor e usuário de drogas, poderia ser seu fim. No entanto, parece-nos, trata-se do início da epopéia de amor e sonho de João de Santo Cristo.

A vida paralela ao estado, sem dúvida foi difícil a João, mas não menos que a vida sujeita a preconceitos pela cor de sua pele e sua ausência de “linhagem”. O preconceito talvez tenha sido o maior policial na vida de João, no entanto, ele havia de se libertar. E como “é só o amor que conhece o que é verdade”, João, negro, pobre e analfabeto, conhece Maria Lúcia, filha de um Senador. O contraste social está claro nestas dicotomias discriminatórias.

No entanto, o que nos toma no filme não é propriamente esse reclame, que ademais, é marca da primeira fase da Legião Urbana. O sentido do filme é conduzido por Maria Lúcia. Poder-se-ia dizer que foi uma burguesa que destruiu a vida do pobre João de Santo Cristo, não! Em verdade, Maria Lúcia torna a tragédia de João em relação às drogas secundária, retira ele da condição de mais um homem discriminado no Brasil e catapulta sua existência aos estertores de um herói trágico. A epopéia de João deixa de ser contada pela sua ínfima condição social e passa a ser contada pelos olhos do amor.

Ao ouvir a música, João pudera mesmo ser um caboclo, personagem de um faroeste. No filme, ele se torna um herói. A morte, caminho pelo qual percorremos durante a vida, foi o palco onde João encenou sua tragédia. Viu sucumbir o tio que o amparara na capital. Viu as mazelas da violência institucionalizada que se chama justiça. Sentiu na pele os horrores da discriminação. No entanto, sentiu na pele o toque de Maria Lucia. Sentiu a brisa da noite de Brasília passar pelo olhar meigo e hospitaleiro dela. Contudo, o herói não tardara a ser novamente tomado pela roda da fortuna. A guerra pelo tráfico acabou o levando para a prisão. Local de onde saiu apenas para cumprir sua tragédia de amor que anunciamos. Morrer ao lado daquela que o libertou e ao mesmo tempo tornou cativo. Liberto do peso de seu passado que o condenava a viver à margem. Preso ao amor, inevitável, trágico,”preso por vontade”.


. Bernardo Gomes Barbosa Nogueira é Doutorando em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Especialização em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Título Desconhecido // Sem alterações

Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-202601/fotos/


O texto é de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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