O HC 126.292 e os efeitos do Agenda Settings e da mídia no Processo Penal Brasileiro

06/04/2016

Por Adriano Valente – 06/04/2016

Dito de forma simplificada, o Agenda Settings[1], teoria originalmente desenvolvida no campo da Comunicação Social, propõe a capacidade dos meios de comunicação em direcionar a atenção da população para determinados acontecimentos, ainda que sem necessariamente influenciar a opinião destes de maneira direta. Inicialmente idealizado durante a campanha presidencial americana de 1968, o estudo original identificou uma correspondência quase perfeita entre o ranking dos temas mais veiculados pela mídia e os assuntos considerados como de maior relevância pela sociedade, de maneira geral (McCOMBS, 2009, p. 23).

No processo legislativo, esta relação mostra-se comprovável de maneira bem clara. Um destes exemplos mais contundentes é a Lei dos Crimes Hediondos, cujas coberturas massivas de casos como a Chacina da Candelária, o assassinato da atriz Daniela Perez e o famoso escândalo envolvendo as “pílulas de farinha” do laboratório Schering precederam em alguns meses expressivas alterações no referido diploma. Resta evidente, também, que as influências investigadas pela Teoria da Agenda não se restringem ao Poder Legislativo, sendo extenso o campo de análise e debate da influência exercida pela imprensa sobre o Poder Judiciário, com especial ênfase na imparcialidade dos magistrados em julgamentos de casos amplamente veiculados nos meios de comunicação[2].

Porém, o que esta relação aponta de mais importante, para o campo das questões criminais, é que esta capacidade – não necessariamente intencional – da mídia pode estar inaugurando no Brasil um novo cenário potencialmente catastrófico. A massificação de notícias envolvendo denúncias de corrupção, cuja força-motriz é hoje a Operação Lava-Jato, estimulou na população uma constante sensação de insegurança e impotência, de forma que a indignação por sentir-se enganada vem formando uma consciência coletiva favorável a qualquer medida que se proponha a combater o estado de coisas atual.

A divisão da investigação em diferentes “fases” é outra estratégia – intencional ou não – que pulveriza as informações diariamente nos veículos de comunicação, impedindo que o tema e as expressões a este relacionadas (como o nome da operação, dos investigados e do juiz) saiam da agenda da imprensa e do público. Eis aqui o Agenda Settings em sua maior essência: a cobertura de casos criminais como a Operação Lava-Jato vem comprovando a capacidade da imprensa em manter na agenda pública de debate o binômio corrupção-impunidade.

Há dois grandes perigos nessa jornada. O primeiro é ignorarmos que o desdobramento da Operação certamente continuará dando espaço ao surgimento de propostas que colocarão em xeque o exercício de garantias constitucionais, encorajando concessões cada vez maiores no combate à corrupção. O grande problema é que a afirmação e efetivação dos direitos fundamentais sempre exigiram muito mais esforços do que sua negação em nome de uma suposta vantagem coletiva. Advogar a relativização de garantias constitucionais, sob retóricas genéricas como “interesse da sociedade”, sempre foi tarefa de esforço argumentativo bem menor do que explicar a importância na contenção do poder estatal sobre os indivíduos e as dificuldades enfrentadas no longo caminho de afirmação dos Direitos Humanos.

Ou seja, prevalecendo-se o senso comum, certamente contará com maior apoio popular a opção que prometer combater de maneira mais eficiente o problema, ainda que a troco de garantias constitucionais.

O segundo desafio será não deixar de lado que, não havendo regulamentação prévia para a publicação de notícias criminais, os dois freios principais para estes efeitos negativos do Agendamento sobre os direitos constitucionais precisarão ser o Poder Judiciário e o senso de responsabilidade da própria mídia (McCOMBS, 2009, p. 42). Para o segundo caso, porém, é necessário lembrar que as agências de notícia estão inseridas dentro de uma lógica capitalista que optará, no mais das vezes, pelas manchetes que proporcionem um melhor resultado financeiro para seus objetivos. E o tradicional fascínio dos espectadores pela estrutura quase teatral formada pela cobertura jornalística de notícias criminais provavelmente fará com que a agenda da imprensa continue debruçada sobre temas penais.

Nessa hercúlea tarefa, somente nos resta então o Poder Judiciário. Para corrigir os abusos cometidos em casos concretos específicos, precisamos confiar que os magistrados interromperão toda agressão desmedida aos direitos fundamentais dos indivíduos. Como guardião da Constituição e principalmente para as frequentes “escorregadas” do Poder Legislativo, contamos com o STF.

Contávamos. O julgamento do HC 126.292[3] revelou um preocupante aviso: os efeitos negativos do Agendamento também cegaram a Corte Suprema do país. Aliás, a decisão favorável à possibilidade da quebra do sigilo bancário pelo Fisco (STF, RE 601.314, Rel. Min. Edson Fachin. j. 24.02.2016), proferida alguns dias após o julgamento do HC 126.292, foram o segundo aviso do início de uma série de supressões que estão por vir. E este processo de violação das garantias em doses homeopáticas pode se tornar ainda mais grave do que qualquer ruptura abrupta e total, já que o Agenda Settings, da forma acima exposta, contribui para a aparência de legitimidade de quase todas essas violações, impedindo que num caminhar lento os olhares menos atentos reconheçam, a tempo, a gravidade do retrocesso que se encontra em curso.

Por outro lado, ainda que a publicação ostensiva de temas penais gere riscos indiretos ao exercício das garantias individuais, quando inexistirem abusos por parte da mídia, a liberdade de imprensa certamente deve ser assegurada, sem que caiba a qualquer magistrado intervir na publicação das notícias. Afinal, a influencia da mídia na opinião pública é também parte indissociável do processo de construção democrática.

Trata-se, sem dúvida, de um grande desafio. Porém, se seguirmos de olhos fechados para os efeitos do Agenda Settings sobre as pautas criminais, as agências de notícias podem futuramente se tornar responsáveis diretas por esse recente caminho tomado pelo Brasil na direção do espancamento das garantias fundamentais mais comezinhas dos indivíduos. E é exatamente por isso que precisamos insistir e confiar num Poder Judiciário que se mostre um instrumento de proteção às garantias individuais, atuando de forma sempre firme contra esta sanha de endurecimento da violência do Estado na persecução penal.

Fique claro, então, que não se está neste espaço advogando a censura ou o estabelecimento de limites à liberdade de imprensa, mas sim chamando atenção para a necessidade de estudo do tema e para o ensaio de sepultamento das últimas e principais ferramentas de combate à influência negativa do Agendamento sobre as questões penais.

O cenário atual já demonstra que, por esse caminho, as garantias dos indivíduos cairão uma a uma. Aparentemente, ao contrário do que de forma otimista previu Bobbio (1992, p. 24) –”o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-lo, mas o de protegê-los” –, daqui para frente a luta a ser travada não será pela real efetivação de nenhum direito fundamental. Pelo que nos conta o STF, teremos de iniciar uma batalha diária pela simples manutenção das garantias individuais no texto constitucional.


Notas e Referências:

[1] Nota explicativa: os termos Agenda SettingsTeoria da Agenda e Agendamento são expressões sinônimas, utilizadas por Maxwell McCombs e Donald Shaw  em seu estudo da relação entre a agenda pública e a agenda da mídia.

[2] Sobre o tema, v. Ana Lúcia Menezes Vieira, in “Processo Penal e Mídia” e Simone Schreiber in “A publicidade opressiva de julgamentos criminais”

[3] No recentíssimo julgamento do HC 126.292, o STF alterou seu entendimento e passou a entender constitucional a execução provisória de pena após acórdão proferido por órgão de 2ª instancia.

BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. 8. ed. Campus: Rio de Janeiro, 1992.

McCOMBS, Maxwell. A teoria da agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis, Vozes, 2009.


Adriano Valente. Adriano Valente é Advogado Criminalista, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Pós-graduado em Ciências Penais pela UCAM e Pós-Graduando em Processo Penal e Garantias Fundamentais pela ABDConst-Rio. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Pennie Long // Foto de: Dominic Alves // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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