O garantismo como princípio basilar à coexistência entre direito e economia: reflexos na Grande Recessão

09/01/2016

Por Bruna Fernanda Bronzatti e Laura Mallmann Marcht - 09/01/2016

Posterior às décadas de ouro, em 2008 nos EUA ocorre a Grande Recessão. Diversas são as teorias que buscam dizer com exatidão a causa desta crise. Muito é dito que foi o mercado livre que provocou-a, mas esse conceito não é real de fato. O mercado se constitui num sistema hibrido de liberdade e coerção. O que é esquecido – ou até mesmo encoberto – é que a intervenção estatal, como no direito, ocorre na economia.

O que verifica-se são ciclos econômicos, que se dão da seguinte forma, primeiramente há a época de ouro, em que há abundância de recursos e crescimento expansivo da economia, após, há um período de estagnação e logo em seguida, ocorre a crise, levando a recessão. A questão se torna pertinente ao evidenciar que a sociedade não se encontra preparada para essas situações de escassez.

A discussão se prolonga quando o assunto é como ocorre a intervenção estatal nos setores bancários e financeiros, e se é de fato necessária. É visível que, a crise não ocorreu apenas em 2008, ela é resultado de várias ocorrências e tem sua raiz na queda das torres gêmeas, o trágico 11 de setembro de 2001. Nesse sentido, surgem bolhas, decorrentes da falsa sensação de crédito que possuíam os bancos.

“O estouro de uma bolha (um crash) é o colapso dos preços de ativos, quebra de um grande banco ou de um grupo de empresas em um setor da economia. Pânicos são corridas sem causa aparente que envolve fuga de ativos considerados mais arriscados para ativos mais seguros e/ou a retirada de depósitos bancários. Uma crise financeira pode ser produzida por qualquer um desses fenômenos ou pelos dois que podem surgir em qualquer ordem, ela caracteriza-se pela elevação súbita da percepção de risco pelos bancos e outras instituições financeiras” (PRADO, 2011, p. 15).

Não obstante na medida em que continuavam com os empréstimos, foram criadas novas moedas sem ter uma noção real do poder aquisitivo que possuíam os bancos. Dessa forma, surgiu a necessidade da criação de Banco Centrais, em que este detém o monopólio da moeda – que é trocada por papel – e em troca, financia o Estado.

Após o ocorrido do 11 de setembro, procede-se de maneira a manipular as taxas de juros, para incentivo comercial e inserção de mais dinheiro no mercado. Ocorre assim, a falsa sensação da facilitação do crédito, os cidadãos começam a adquirir novos produtos com os juros baixos para investirem em seus negócios. Há o investimento dos bancos apenas em determinados setores, como o imobiliário, esquecendo-se de determinados bens primários, ocasionando aumento no preço para o consumo e o desemprego em massa.

Em virtude da manipulação, a população não consegue obter o feedback necessário do crédito ofertado pelos bancos e se encontram em dívida com os as imobiliárias, estas com os bancos, e estes para com o Estado, caracterizando um verdadeiro efeito dominó.

O governo americano intentou a reversão da crise, elevando as taxas de juros, mas já era inoportuno para o país. As empresas começam a falir em 2007 e a Grande Recessão se consolida no fim de 2008.

Nesse sentido, a falsa acepção de mercado livre se evidencia e o Estado se obriga a aumentar impostos, taxas de juros e usar do erário público para sustentar os bancos e evitar que mais agências seguradoras também falissem. A intervenção estatal, que já ocorria, torna-se não mais apenas benéfica como também necessária.

Fica evidente que os bancos deveriam se alertar de forma mais rápida onde o mercado estava se concentrando e trocar de linha para não haver inflação dos outros produtos. Além de que o governo deveria reduzir os impostos para que a população saudasse seus débitos, reduzisse os gastos e por consequência a dívida pública.

Diante desses aspectos, observa-se que nem sempre a coexistência do direito e economia ocorre de forma harmoniosa. Essa relação encontra-se atrelada a outros pontos que demonstram as principais crises que de algum modo estendem-se até a modernidade, crises que acabam por gerar uma vinculação, ensejando novas.

Evidencia-se isso, pelo fato de não haver apenas uma crise da dissolução da democracia política, mas também de outro aspecto, a qual Ferrajoli (2013) ratifica que é anterior à crise da democracia: a crise do Estado Moderno. Ao referir-se ao Estado moderno, ele o denomina como a esfera pública, destinada a defender os interesses públicos, separada da economia, ainda, sendo em relação a ela heterônoma e supraordenada.

Conquanto, na visão de Ferrajoli a relação entre direito e economia acabou se traduzindo em um dos motivos da crise, no que se refere não somente ao direito, mas também ao poder econômico. Além disso, tem levado a uma crise tripla: da democracia política, do Estado moderno como esfera pública separada e supraordenada à economia e do Estado Constitucional de Direito como sistema de limites e vínculos a todos os poderes” (2013, p. 390). Não há uma crise isolada, mas a influência de alguns aspectos que desencadeiam novas crises.

Conforme Ferrajoli e tendo como escopo a crise de 2008, é notável a impotência da política, da mesma maneira que a subalternidade à economia, aos denominados mercados, aos poderes que se encontram desregulados do capital financeiro especulativo, que após terem provocado a crise econômica e serem salvos pelo Estado, acabam por ameaçar a sua falência, ainda, há a redução da esfera pública, o aumento considerável das desigualdades e da pobreza e por conseguinte a devastação dos bens públicos.

Por consequência, existe a inversão dos poderes, sendo considerado por Ferrajoli o governo dos poderes públicos por parte dos poderes privados. Desse modo, “(...) não são mais os Estados, com suas políticas, que disciplinam seus mercados, impondo suas regras, limites e vínculos, mas são os mercados que disciplinam e governam os Estados” (FERRAJOLI, 2013, p. 387).

As alternativas propostas pelo garantismo e de suas extensões para minimização da crise do Estado de Direito e democracia seriam através da reabilitação do papel de governo da política, por intermédio de uma esfera pública supranacional, no quanto possível no patamar dos novos poderes econômicos globais, que como na crise encontravam-se desregulados e selvagens, e em alguma medida ainda permanecem intrinsecamente com este aspecto.

Além da garantia da efetividade de seus limites e vínculos constitucionais, que poderá ser possibilitado “(...) por meio de uma refundação das formas da representação política e a introdução de rígidos sistemas de incompatibilidade capazes de impedir os conflitos de interesse e de garantir a proibição do mandato imperativo” (FERRAJOLI, 2013, p. 392).

“En esta época de la globalización uma defensa y uma refundación de la democracia y del estado de derecho sólo son posibles  através de la institución de nuevos nexos o vínculos entre los modernos poderes extra i supraestatales y nuevas fuentes de legitimación, formal e sustancial, situadas em su nível de ejercicio: em pocas palavras, a través de la contrucción de uma esfera pública global que este a su altura” (FERRAJOLI, 2011, p. 831).

Frisa-se ainda, conforme a crise existente da democracia, a necessidade não apenas de uma democracia formal, que tem o Estado como ente político representativo e utiliza da maioria como fonte legal das normas, essas são regras que permitem determinado agir. Ademais, a consolidação de uma democracia substancial, que contemple os sujeitos em seu ínterim, considerando seus interesses e necessidades individuais e coletivas. Democracia esta que vai para além do quórum da maioria, almejando estruturar a mesma, conforme a manifestação dos direitos fundamentais do cidadão perante o Estado.

De tal modo, como já evidenciado a crise entre direito e economia está entrelaçada a outras crises, que juntas podem modificar as matizes do direito, de maneira que os interesses estejam muito mais vinculados aos poderes privados. O garantismo emerge como possibilidade de mudança em meio ao cenário da crise de 2008, bem como as demais existentes.

Verifica-se que a crise de 2008 já havia emergia anteriormente e traz consigo grande carga histórica entre outros aspectos que contribuíram para desencadeá-la. Porquanto, a crise não meramente atingiu o mercado e seus consumidores, mas também refletiu no âmbito jurídico.

A relação entre direito e a economia cada vez mais acarreta consequências mais maléficas que benéficas nas relações sociais, quando não respeitados os limites estabelecidos no ordenamento jurídico. Nesse contexto, os poderes selvagens se manifestam e causam grande impacto na sociedade.

O intervencionismo estatal exacerbado gera, à luz do direito, uma exclusão do povo perante as decisões acertadas pelo governo em relação ao rumo da economia, o que se assemelha a uma democracia formal, ou até mesmo antidemocrática. Essa representatividade simbólica da vontade do povo gera crise na democracia política. O que se almeja, é uma democracia substancial, que considere o povo em seu ínterim, em seus interesses e necessidades individuais e coletivas.

Nesse viés, o garantismo se demonstra como o inverso ao que propunham os Estados na Modernidade, por isso, que por seu intermédio “(...) pretende-se o estabelecimento de limites e vínculos tanto à atuação pública como privada, com fins para o Estado de Direito, sobretudo pela apropriação de uma democracia substancial” (COPETTI NETO; FISCHER, 2013, p. 417). Somente assim, o direito e a economia podem coexistir sem que uma anule a outra, fortalecendo os Estados e oferecendo maior segurança jurídica ao povo.


Notas e Referências:

COPETTI NETO, Alfredo; FISCHER, Ricardo Santi. O Paradigma Constitucional Garantista em Luigi Ferrajoli: A Evolução do Constitucionalismo Político para o Constitucionalismo Jurídico. Curitiba: Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, 2013.

______________. O futuro da Democracia na Europa. Direitos e poderes na economia global. Revista Direito Humanos e Democracia. Tradução Alfredo Copetti Neto e Doglas Cesar Lucas. Editora Unijuí, ano 1, nº 2, jul/dez 2013. Disponível em: <https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia> Acesso em: 30/05/2015.

______________. Principia iuris: teoria del derecho y de la democracia. Teoría del derecho. Tradrução Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís e Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Trotta, 2011.

PRADO, Luiz Carlos Delorme. A Grande Depressão e a Grande Recessão: Uma comparação das crises de 1929 e 2008 nos EUA. Revista Econômica: Niterói, v. 13, nº. 2, 2011.


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Bruna Fernanda Bronzatti

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Bruna Fernanda Bronzatti é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ/RS e bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto. . .


Laura Mallmann Marcht

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Laura Mallmann Marcht é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS e bolsista voluntária no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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