O FUTURO DO TRABALHO: os impactos da inteligência artificial

01/12/2019

Coluna Espaço do Estudante

A tecnologia se faz presente desde os primórdios. No passado o termo “invenção” era utilizado para denominar as descobertas feitas pelo homem. O fogo, a roda e a manipulação de ossos de animais em ferramentas são espécies de tecnologias do passado que não só possibilitaram a sua manutenção e sobrevivência, como também propiciaram outras descobertas, dentre elas a máquina a vapor e a eletricidade.

Com o advento da Revolução Industrial, a sociedade passou por uma grande transformação devido às mudanças ocasionadas, principalmente nos meios de produção, alterando assim tanto as formas e relações de trabalho como influenciando também no convívio social.

Apesar dos incontáveis benefícios que a sociedade desfruta em razão do constante avanço tecnológico, em via contrária ao progresso, porém, estamos vivendo em uma era de complexidades.

Com a utilização das novas tecnologias, a máquina vem substituindo, dia após dia, postos de trabalho que até então eram ocupados pelo homem, gerando assim um problema de difícil equação, pois o Estado não consegue dar conta e criar empregos necessários à crescente demanda na mesma velocidade em que ocorrem essas transformações.

Essas contínuas alterações e incertezas no contexto social ocorrem devido à discrepância existente entre as mudanças econômicas e culturais da sociedade, ou seja, a capacidade de assimilação do homem em relação às mudanças vivenciadas não acompanha o ritmo acelerado com que os novos produtos e serviços chegam ao mercado.

 

SOCIEDADES INTELIGENTES

Há quem defenda e refute a ideia da transformação do ambiente tradicional – o qual estamos acostumados – em uma sociedade inteligente já que através dela as máquinas, isso é, a inteligência artificial (IA) é quem tomará decisões e não mais o ser humano. Esse modo de sociedade, existente no Japão desde 2016, representa a quinta forma de sociedade na história humana, seguindo cronologicamente a caça, a agricultura, a indústria, a informação e, agora, a inteligência. Assim, essa sociedade inteligente pode ser vista como uma sucessão da Indústria 4.0, isso é, ela é um esforço para criar um contrato social e modelo econômico que incorpore as inovações tecnológicas da quarta revolução industrial em toda a sociedade. Com isso, ela é conectada, adaptável e os sistemas inteligentes estarão a serviço do homem, principalmente em relação a qualidade de vida.

Desse modo, a smart society pode ser considerada muito mais revolucionária do que a Revolução Industrial 4.0, já que, enquanto a Indústria 4.0 está focada no melhoramento da produção a Sociedade 5.0 está no melhoramento da qualidade de vida do ser humano. Essa concepção de Sociedade futurística leva em compreensão que tudo está conectado e a sociedade tem de ser adaptável. Com isso, pode-se dizer que o Japão acelerou esse processo em virtude de ser uma das grandes economias do mundo e, é claro, por conta do envelhecimento populacional que acarreta aquele país. Logo, nessa sociedade o trabalho inteligente será algo normal visto que o papel crescente da IA irá banir o trabalho duro. Nesse sentido, o trabalho como conhecemos hoje está sujeito a intempéries e perigos. Aqueles que trabalham em ambientes desafiadores, logo terão um robô ao seu lado e, até mesmo, em seu lugar, visto que, de acordo com o governo japonês o robô poderá trabalhar sob qualquer condição.[1]

Em teoria, a Sociedade 5.0 servirá como melhoria da qualidade de vida, já que o ser humano teria ajuda de serviços inteligentes, assim, não se esforçando nem se preocupando com a resolução de problemas. Essa sociedade futurística, que já nos cerca, utiliza as ferramentas criadas pela revolução 4.0 (big data, analytics, robôs autônomos, internet das coisas, cibersegurança, entre outros) para agir a favor das pessoas. Em síntese, é uma sociedade que faz a convergência de todas as inovações para dar mais qualidade de vida aos seres humanos, como combater o envelhecimento e diminuir as desigualdades sociais, mas em contrapartida acaba por retirar postos de trabalho para alguns e criando postos de trabalhos para outros.

 

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E O DIREITO DO TRABALHO

Têm-se notado que o avanço tecnológico não se confina a um único setor ou dimensão da vida social. Uma vez que as ferramentas que utilizamos no nosso dia a dia tem, cada vez mais, o intuito de intensificar nossa conexão com as redes tecnológicas, haja vista que, ultimamente tudo está hiperconectado, tornando, assim, o mundo globalizado como conhecemos. Assim, em tempos que corrida espacial e nuclear deram lugar a corrida tecnológica amplia-se a apreensão e os alertas relativos aos riscos da evolução tecnológica[2].

Nesse sentido, a IA já vem sendo estudada desde os anos 1950 em que houve os primeiros registros da preocupação de que as máquinas poderiam fazer muito mais do que pensar numericamente. Com isso, após quase sete décadas de avanço tecnológico e humano esse avanço continua de maneira alarmante e crescendo exponencialmente. Atualmente já é demonstrado que a própria IA pode acabar com cerca de 40% dos empregos em 15 anos, conforme o especialista em IA o chinês Kai-Fu Lee, no entanto, na mesma maneira em que irá acabar com empregos acabará gerando outros uma vez que novos empregos surgirão para gerir essa tecnologia e outros serão revalorizados. Nesse sentido, “a inteligência artificial irá cada vez mais substituir os trabalhos repetitivos, não apenas o trabalho braçal, mas também o intelectual [...] Motoristas, por exemplo, terão seu trabalho redefinido nos próximos 15 ou 25 anos.” [3]

Assim, a inteligência virtual retirará junto com os empregos a criatividade e a empatia que os empregados possuem, visto que, por ser algo mecânico não será capaz, até o momento, de demonstrar tais feições humanas, restringindo-se a automação de trabalho manual para que as pessoas possam se dedicar a dar o melhor de si em suas áreas de atuação, uma vez que os trabalhadores humanos disponibilizarão de mais tempo para as atividades essencialmente humanas, isso é, o convívio em sociedade e seu bem-estar (eixo principal da sociedade inteligente). Com isso, profissões como condução de veículos, advocacia, contabilidade, consultoria financeira e, até mesmo, medicina[4], poderão ser substituídas por IA e robótica.  A respeito das novas formas de trabalho e tecnologia, podemos observar que a internet tem revolucionado o mundo e, assim, afetado a forma como trabalhamos. Assim, Léa Elisa Silingowschi Calil preleciona que:

O computador é apenas uma máquina que executa tarefas repetidamente, programas de computador dão os comandos para que estas tarefas sejam executadas. Assim, quando alguém está usando um computador, sempre está usando um programa de computador ou software. O computador chegou aos ambientes de trabalho muito antes da internet, máquinas caras, enormes da época dos mainframes, poucos tinham acesso a ela. Depois vieram os editores de texto e as planilhas eletrônicas, mas a verdadeira popularização destas máquinas maravilhosas veio com a internet: navegadores, programas de e-mail, chats, vídeoconferências, rastreamento de frota por GPS, os usos e possibilidades da internet são infinitos. Porém, como toda nova ferramenta, é preciso que seu uso adequado seja não apenas ensinado, mas também exigido.[5]

Tratando-se de direito do trabalho, pode-se afirmar que está ocorrendo uma invasão das máquinas ao mercado de trabalho que até então o homem predominava. Com esse cenário o Fórum Econômico Mundial prevê que em 2025 o trabalho da máquina ultrapasse o trabalho humano. No entanto, há setores em específico em que o trabalho da máquina já ultrapassou, como é o caso da manufatura. A empresa Amazon, por exemplo, começou a implementar neste ano máquinas que embalam pedidos e substituem funcionários resultando um corte de mais de 1,3 mil funcionários da empresa, o que demonstra uma busca da empresa por reduzir mão-de-obra e aumentar lucros já que o custo das máquinas é recuperado em menos de dois anos.[6]

Nesse sentido, para as empresas permanecerem no mercado, se faz necessária a adequação tecnológica em seus processos. Seja para sua expansão, desenvolvimento de novos produtos, preços competitivos ou gestão mais enxuta. Essa adequação também se faz necessária em relação ao trabalhador devido à nova configuração do mercado de trabalho que alterou e flexibilizou significativamente as formas de contratar. Cada vez mais, inúmeros indivíduos encontram-se em situações de informalidade, razão pela qual não se tem como mapear as reais condições de trabalho e aferir possíveis riscos, aos quais o trabalhador poderá estar exposto a fim de evitá-los. Tem-se assim, um desafio de como o Direito do Trabalho irá acompanhar e regulamentar essas novas nuances virtuais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, no contexto brasileiro, numa sociedade que tem na base de seu ordenamento jurídico uma Constituição denominada de “Constituição Cidadã”, permeada por princípios e garantias ao indivíduo e trazer em seus fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana, e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o exercício desses direitos não é efetivo. As inúmeras demandas sociais originadas pela era digital, vão muito além do Direito do Trabalho, no momento em que elas geram consequências não só na esfera laboral, como também nas relações familiares e sociais, ou principalmente, nas faltas destas. A dificuldade de adaptação e de aceitação dessa nova configuração do mercado de trabalho propicia para o indivíduo problemas de saúde, depressão, violência e criminalidade.

Nesse sentido, com o intuito de preparar o fomentar a capacidade de adaptação do indivíduo frente a essas mudanças, políticas públicas devem ser adotadas pelo Estado, porém com o envolvimento de todos, ou seja, governo, indústria, sociedade e universidade, iniciando pela educação básica e se estendendo às instituições de ensino superior que irão auxiliar no desenvolvimento das novas configurações das profissões exigidas pelo mercado de trabalho.

 

 

Notas e Referências

AMAZON lança máquinas que embalam pedidos e substituem funcionários. Estadão, São Paulo, 13 maio 2019. Disponível em: <https://link.estadao.com.br/noticias/empresas,amazon-lanca-maquinas-que-embalam-pedidos-e-substituem-funcionarios,70002827176>. Acesso em: 15 set. 2019.

CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho digital: Reflexos do uso da internet nas relações de trabalho. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9215>. Acesso em: 15 set. 2019.

GOVERNMENT OF JAPAN. PUBLIC RELATIONS OFFICE. Society 5.0. Disponível em: <https://www.gov-online.go.jp/cam/s5/eng/>. Acesso em: 10 set. 2019.

INTELIGÊNCIA artificial pode acabar com 40% dos empregos em 15 anos, diz investidor chinês: Kai-Fu Lee tem previsões assustadoras sobre o futuro da inteligência artificial. 2019. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/01/inteligencia-artificial-pode-acabar-com-40-dos-empregos-em-15-anos-diz-investidor-chines.html>. Acesso em: 12 set. 2019.

INTELIGÊNCIA artificial pode trazer desemprego e fim da privacidade. Instituto Humanitas Unisinos, 03 abr. 2017. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/566403-inteligencia-artificial-pode-trazer-desemprego-e-fim-da-privacidade>. Acesso em: 10 set. 2019.

MELO, João Ozorio de. Inteligência artificial bate 20 advogados em testes de revisão de contratos. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-nov-21/inteligencia-artificial-bate-20-advogados-revisao-contratos>. Acesso em 20 set. 2019.

[1]GOVERNMENT OF JAPAN. PUBLIC RELATIONS OFFICE. Society 5.0. Disponível em: <https://www.gov-online.go.jp/cam/s5/eng/>. Acesso em: 10 set. 2019.

[2]INTELIGÊNCIA artificial pode trazer desemprego e fim da privacidade. Instituto Humanitas Unisinos, 03 abr. 2017. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/566403-inteligencia-artificial-pode-trazer-desemprego-e-fim-da-privacidade>. Acesso em: 10 set. 2019.

[3] INTELIGÊNCIA artificial pode acabar com 40% dos empregos em 15 anos, diz investidor chinês: Kai-Fu Lee tem previsões assustadoras sobre o futuro da inteligência artificial. Kai-Fu Lee tem previsões assustadoras sobre o futuro da inteligência artificial. 2019. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/01/inteligencia-artificial-pode-acabar-com-40-dos-empregos-em-15-anos-diz-investidor-chines.html>. Acesso em: 12 set. 2019.

[4] Sobre o assunto, ver médico-robô que começa a tratar pacientes em ambulatório na China, disponível em:https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2018/03/medico-robo-comeca-tratar-pacientes-em-ambulatorio-da-china.html

[5] CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho digital: Reflexos do uso da internet nas relações de trabalho. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9215>. Acesso em: 15 set. 2019.

[6] AMAZON lança máquinas que embalam pedidos e substituem funcionários. Estadão, São Paulo, 13 maio 2019. Disponível em: <https://link.estadao.com.br/noticias/empresas,amazon-lanca-maquinas-que-embalam-pedidos-e-substituem-funcionarios,70002827176>. Acesso em: 20 set. 2019.

 

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