O financiamento de campanha e a lisura das eleições - Por Rodrigo López Zilio

20/12/2017

O financiamento das campanhas eleitorais sempre é um dos principais focos de tensão em todas as reformas políticas. Justamente porque a República Federativa do Brasil tem por fundamentos a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (art. 1º da CF), discute-se a legitimidade das diversas formas de doação para as campanhas eleitorais.

A busca de um equilíbrio ideal nas formas de financiamento de campanha – que permita o direito de participação política e, ao mesmo tempo, não cause a interferência indevida do abuso de poder econômico – é desafio permanente do legislador reformista. Não obstante o e. STF tenha apontado a inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas (ADI nº 4.650 – j. 17.09.2015), a dinâmica do processo eleitoral permite um afluxo de recursos de origem pública (v.g., fundo partidário) e privada (v.g., doação de pessoas físicas) nas campanhas eleitorais e, assim, consagra um sistema misto de financiamento de campanha.

Mais recentemente, a Lei nº 13.488/2017 introduziu o art. 16-C na Lei das Eleições e criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – constituído de dotações orçamentárias da União em ano eleitoral –, dando mais um passo em caminho de um financiamento público, conquanto ainda mantenha fontes privadas para irrigar as campanhas eleitorais. O FECF é calculado pela soma da compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e televisão receberam pela divulgação da propaganda partidária em 2016 e 2017, atualizada monetariamente, a cada eleição, pelo INPC, e por 30% dos recursos destinados às emendas de bancada de execução obrigatória.

Além de concentrar 98% dos recursos do FEFC para os partidos já tradicionais, o legislador apostou na autonomia dos partidos políticos para gerir esses recursos. Os partidos serão os responsáveis pela distribuição dos valores entre os diversos órgãos de circunscrição e pelo repasse para os seus candidatos (art. 16-D da Lei das Eleições). É perceptível que haverá discussões entre o limite da autonomia partidária, quando os critérios de distribuição não observarem valores de razoabilidade entre os diretórios nacional, estadual e municipal e os candidatos das respectivas greis.

Isso significa que, mesmo com a nova reforma eleitoral, persiste a possibilidade de ocorrer distorções que proporcionam desigualdades extremamente sensíveis, acrescentando-se, ao exemplo do FECF, que também são focos desse problema os atuais critérios de distribuição do fundo partidário (que igualmente privilegiam os grandes partidos) e a ausência de obrigação de transferência desses recursos para os órgãos partidários municipais (possibilitando uma relação espúria dos órgãos nacional e estaduais com determinadas circunscrições em detrimento de outras – com igual densidade eleitoral).

Certo é que não existe um modelo de financiamento de campanha eleitoral – seja público, privado ou misto – isento de críticas e infenso à influência de atos de corrupção ou abuso de poder econômico, na medida em que a fonte embrionária que deturpa o sistema é necessariamente exógena. Em síntese, o problema central não é o modelo de financiamento, mas um modelo de financiamento que permita um adequado controle e fiscalização dos recursos e gastos efetuados nas campanhas eleitorais. Dito de outro modo, para além da discussão da forma adequada de financiamento de campanha, o cerne da crise do sistema político-eleitoral é fomentado pela ausência de controle e fiscalização suficiente das regras arrecadação e gastos e pela certeza de que o desrespeito às regras do jogo é um procedimento necessário para a obtenção de uma maior vantagem eleitoral. Por consequência, torna-se necessário aperfeiçoar o sistema de controle e fiscalização dos recursos arrecadados e dos gastos realizados nas campanhas eleitorais. E isso, pontue-se, nunca é preocupação do legislador.

Enquanto não for equacionada a adequada fórmula do financiamento de campanha, de forma equilibrada e republicana, é certo que o processo eleitoral ainda será passível de deturpação em seu resultado. Uma eleição hígida somente há de ser obtida quando o financiamento das campanhas for transparente, na medida em que o eleitor tem o direito fundamental de conhecer quem são os reais financiadores dos seus representantes políticos.

Em conclusão, pontua-se que a qualidade do controle sobre a normalidade e legitimidade das eleições, princípio constitucional vetor do Direito Eleitoral (art. 14, §9º, da Constituição Federal), é que permite apostar no voto do cidadão como um verdadeiro mecanismo de transformação social, sem prejuízo de a Justiça Eleitoral permanecer vigilante na sua função de garantidora do processo eleitoral.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Eleições // Foto de: Senado Federal // Sem alterações

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