O estudo prévio de impacto ambiental - Por Wagner Carmo

26/11/2017

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INTRODUÇÃO

A qualidade de vida é um direito almejado por toda a sociedade, em que se busca a coexistência harmônica entre desenvolvimento social e econômico e o meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual é garantido a todos por força do mandamento legal insculpido no artigo 225 da Constituição Federal.

Com o intuito de disciplinar a atividade de exploração dos recursos ambientais e de preservá-los, surgiu-se o Direito Ambiental, haja vista que, nas palavras de Paulo Afonso Leme de Machado: 

O direito Ambiental tem a tarefa de estabelecer normas que indiquem como verificar as necessidades de uso dos recursos ambientais. Não basta a vontade de usar esses bens ou a possibilidade tecnológica de explorá-los. É preciso estabelecer a razoabilidade dessa utilização, devendo-se, quando a utilização não seja razoável ou necessária, negar o uso, mesmo que os bens não sejam atualmente escassos. (2016, p.49).

Destarte, o Direito Ambiental deve atuar de forma preventiva, aplicando-se os princípios da prevenção e precaução, a fim de evitar ou mitigar o impacto ambiental.

Assim, considerando o princípio da prevenção, para o início e para o desenvolvimento de qualquer atividade incidente no meio ambiente, isto é, que utilize os recursos naturais ou que impliquem em alteração das propriedades do ambiente, exige a prévia avaliação sobre os impactos ambientais.

É possível inferir de tal contexto que determinadas atividades desenvolvidas pelo ser humano são autorizadas, ainda que gerem impacto ambiental, devendo, contudo, o direito ambiental disciplinar de que forma a atividade será desenvolvida, garantindo a sustentabilidade dos recursos naturais.  

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, § 1°, inciso IV, exige o estudo prévio de impacto ambiental para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente.

Todavia, não existe no ordenamento jurídico, com exceção do rol exemplificativo da Resolução CONAMA n.º 01/86, norma que discipline de forma objetiva quais são as atividades que devem ser licenciadas com observância do estudo de impacto ambiental. 

Com a falta de previsão legal que determine a obrigatoriedade de estudo prévio de impacto ambiental para a realização de determinadas atividades, houve a edição da Resolução CONAMA nº 237/1997, cujo art. 3º, remete à autoridade administrativa a discricionariedade para avaliar quais são as atividades que devem ser licenciadas por meio de estudo de impacto ambiental e que podem causar significativa degradação ambiental.

Assim, propomo-nos neste trabalho analisar os aspectos controversos existentes na legislação a respeito do estudo prévio do impacto ambiental, mais precisamente, sobre a contrariedade entre o disposto no artigo 225, §1°, inciso IV, da Constituição Federal de 1988 e a resolução n.º 237/99 do CONAMA combinada com a. Resolução n.º 1/86, do CONAMA.

LICENCIAMENTO AMBIENTAL: CONCEITOS E OBJETIVOS

O licenciamento ambiental é mecanismo que restringe e que controla as atividades humanas desenvolvidas a partir da exploração de recursos ambientais a fim de impedir ou mitigar os danos ao meio ambiente.

O conceito de licenciamento ambiental está disposto no artigo 1°, inciso I, da Resolução n.º 237/97 do CONAMA, qual seja:

Art. 1º - Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:

I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. 

O licenciamento ambiental não se encontra expressamente previsto na Constituição Federal, todavia, pelo inciso IV do §1° do artigo 225 da CF, o constituinte implicitamente estipulou a obrigatoriedade do licenciamento por meio da exigência de estudos prévios de impactos ambientais. Já a competência para fixação de normas e de padrões para o licenciamento foi conferida ao CONAMA.

O IMPACTO AMBIENTAL

O conceito de impacto ambiental não é simples. É possível, contudo, inferir que a intervenção humana na natureza pode ser positiva ou negativa. Da mesma maneira, é o impacto ambiental, este pode ser positivo ou negativo. De uma forma rasa e concisa, podemos conceituar o impacto ambiental como o resultado obtido através da intervenção humana na natureza.

Juridicamente, o impacto ambiental, segundo a Resolução n° 01/86 do CONAMA, é qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria e energia resultante das atividades humanas.

A EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DOS ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL

Conforme consta do inciso IV, §1° do art. 225 da Constituição Federal, incube ao Poder Público exigir, na forma da lei, estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de degradação ao meio ambiente. Desta forma, é possível concluir que o estudo prévio do impacto ambiental é obrigatório, entretanto, que não há norma apta a concretizar o comando constitucional, bem como que seja capaz de definir o conceito de atividade potencialmente causadora de degradação ambiental.

ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL

O estudo prévio de impacto ambiental, nas palavras de Édis Milaré é:

“Instrumento de política ambiental, formado por um conjunto de procedimentos, capaz de assegurar, desde o início do processo, que se faça um exame sistemático dos impactos ambientais de uma ação proposta (projeto, programa, plano ou política) e de suas alternativas, e que os resultados sejam apresentados de forma adequada ao público e aos responsáveis pela tomada de decisão, e por eles considerados. Além disso, os procedimentos devem garantir a adoção das medidas de proteção do meio ambiente de- terminadas, no caso de decisão sobre a implantação do projeto”. (2010, p.429).

Por sua vez, a Resolução n.º 237/97, no inciso III do art. 1° define o estudo de impacto ambiental como:

“[...] todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendi- mento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco”.

Assim, em relação ao estudo prévio do impacto ambiental é possível concluir: a) como e com que intensidade determinada atividade desenvolvida pelo ser humano pode afetar o meio ambiente; b) quais são os mecanismos que podem mitigar os danos ambientais.

A NATUREZA JURÍDICA E FUNÇÃO DO ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL

No ordenamento jurídico brasileiro o estudo prévio de impacto ambiental tem natureza jurídica de instituto constitucional, além de ser instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme assevera o §3° do art. 9° da Lei n.º 6.938/81.

Importante frisar que o estudo prévio de impacto ambiental é um instrumento protetivo que tem por função fornecer a Administração Pública uma base de informações para que a autoridade ou órgão competente possa tomar decisões mais equilibradas, com base na ponderação de interesses entre o desenvolvimento sócio e econômico e a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A EXIGÊNCIA DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL NOS CASOS ESPECIFICADOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O estudo prévio de impacto ambiental é uma exigência constitucional para a viabilidade de instalação de atividades potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. A Constituição Federal ao regulamentar a matéria usou o termo exigir, ou seja, a questão não é uma faculdade sujeita à discricionariedade da Administração.

Assim, com o intuito de regulamentar o disposto no inciso IV, §1° do artigo 225 da CF/88, o CONAMA expediu a Resolução n° 237/1997, a qual tem por intuito atender as determinações da Política Nacional de Meio Ambiente, indicando os procedimentos e os critérios para o licenciamento ambiental.

O art. 3° da Resolução n.º 237/97, determina que o licenciamento ambiental dependerá de prévio estudo de impacto ambiental (EIA) e do respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (RIMA). Todavia, no parágrafo único do supracitado artigo, há a dispensa EIA/RIMA quando o órgão competente verificar que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação ao meio ambiente.

Desta maneira, percebe-se que a Resolução n° 237/1997 concedeu ao órgão ou a autoridade competente, a discricionariedade de definir o que é e quais são as atividades ou empreendimentos potencialmente causadores de significativa degradação ao meio ambiente.

Ademais, a Resolução n.º 308/2002 do CONAMA concedeu ao órgão ambiental a possibilidade de dispensar o EIA/RIMA quando constatado, por estudos técnicos, que o empreendimento não causará significativa degradação ao meio ambiente.

O poder de dispensar o estudo prévio de impacto ambiental, dado pela supracitada resolução, não encontra óbice no ordenamento pátrio, desde que seja devidamente fundamento, posto que, nas palavras do jurista Paulo de Bessa Antunes, “a dispensa, imotivada, ou em fraude à Constituição, do Estudo de Impacto Ambiental deve ser considerada falta grave do servidor que a autorizar”.

ATIVIDADES POTENCIALMENTE CAUSADORA DE DEGRADAÇÃO AO MEIO AMBIENTE.

A Constituição afirma que o Estudo de Impacto Ambiental deve ser exigido quando se referir a atividade potencialmente poluidora ou que possa degradar o meio ambiente. 

Porém, a discussão que se apresenta no exercício do comando constitucional é a correta interpretação do significado de atividades potencialmente poluidoras ou que possam degradar o meio ambiente, que demandam a presença do estudo prévio de impacto ambiental.

A lei n.º 6.938/81 apresenta conceito extremamente amplo de degradação ambiental, considerando-o como qualquer alteração adversa das características do meio ambiente. Destarte, na ausência de um conceito legal do que seja atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, são utilizados outros critérios para balizar a amplitude deste conceito jurídico indeterminado, posto que, a contrário sensu, se a atividade não se enquadrar como atividade potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente, o Estudo do Impacto Ambiental é inexigível.

Desta forma, com o intuito de restringir a interpretação do inciso IV, §1° do art. 225 da CF/88; o art. 2° da Resolução n° 01/86 do CONAMA indica um rol exemplificativo das ações que se enquadram como atividades potencialmente poluidoras, isto é, estabeleceu um mínimo obrigatório, que pode ser ampliado, mas jamais reduzido.

Portanto, para o licenciamento das atividades não relacionadas pelo art. 2º da Resolução n.º 01/86, cabe ao Poder Executivo definir, justificadamente, o enquadramento da atividade para dispensar ou não a realização do estudo de impacto ambiental.

Dentre os critérios para análise e definição sobre a necessidade de realização do estudo de impacto ambiental, a doutrina recomenda a aplicação da regra de seletividade. A seletividade consiste no estudo da base histórica de projetos e revisões já desenvolvidas anteriormente para a mesma atividade ou atividade semelhante, em razão da natureza ou porte do projeto a ser licenciado.

O estudo comparado indica que nos Estados Unidos da América a potencialidade poluidora de certa e determinada atividade é determinada por meio do estabelecimento de critérios qualitativos e quantitativos. Já a Austrália o estudo é realizado por meio do processo de seletividade, utilizando as informações dos antecedentes históricos do desenvolvimento da atividade.

Isto posto, percebe-se que na legislação brasileira e estrangeira não há um conceito preciso do que seja atividade potencialmente causadora de degradação ao meio ambiente, mas somente mecanismos que restringem a sua interpretação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela análise da legislação pátria, a exigibilidade do estudo prévio de impacto ambiental e sua aplicação no licenciamento ambiental, é possível concluir que o ponto central da discussão acerca da contrariedade apontada entre o disposto nas Resoluções do CONAMA e o texto constitucional está na definição do que sejam atividades potencialmente causadoras de degradação ao meio ambiente. 

Apesar de alguns juristas apontarem que, em alguns aspectos, as Resoluções expedidas pelo CONAMA contrariam o texto constitucional e que seu conteúdo ultrapassa a competência normativa conferida a este órgão pela Lei n.º 6.938/81, somente será viável o julgamento da constitucionalidade destas resoluções quando houver o conceito delimitado do que são atividades potencialmente causadora de degradação ao meio ambiente, o qual não foi fornecido pelo constituinte. 

Assim, as Resoluções expedidas pelo CONAMA são mecanismos que visam delimitar a discricionariedade do órgão ambiental ao analisar a dispensa ou exigibilidade do estudo prévio de impacto ambiental.

 

[1] Artigo elaborado por Wagner Carmo e BARBARA SANDI CALIMAN e NAINE DE ASSIS QUINTÃO MIRANDA, alunas do curso de Direito da FAACZ. 

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 10. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007.

BARBOSA, Rildo Pereira. Avaliação de Risco e Impacto Ambiental. 1. ed. São Paulo: Ed. Érica, 2014.

BARSANO, Paulo Roberto, BARBOSA, Rildo Pereira, IBRAHIN, Francini Dias. Legislação Ambiental. 1. ed. São Paulo: Ed. Érica, 2014.

BECHARA, Erika. Licenciamento e compensação ambiental na Lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC). 1. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2009.

CARMO, Wagner. Aspectos jurídicos do estudo prévio de impacto ambiental. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/aspectos-juridicos-do-estudo-previo-de-impacto-ambiental/>. Acesso em: 10 out. 2017.

FIORILLO, Celso Pacheco. Licenciamento ambiental, 2. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 24.  ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2016.

NASCIMENTO, Sílvia Helena Nogueira. Competência para o Licenciamento Ambiental na Lei Complementar Nº 140/2011. 1. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2015.

REVISTA DOS TRIBUNAIS, Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo:  p. 429, adotando a definição utilizada pela FEEMA – Fundação Estadual do Meio Ambiente, do Rio de Janeiro, 1990 apud CAVALCANTI, R. N., A efetividade dos instrumentos jurídicos para a proteção ambiental. Tese (doutorado) –– Faculdade de Direito –– Centro de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010, p. 64.

SARLET, Ingo Wolfgand. Constituição e legislação ambiental comentada. 1 ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015.

 

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