Por Tiago Meyer Mendes - 27/06/2015
A estrutura do Estado Moderno, desde a paz de Vestfália em 1648, foi edificada acima de três paradigmas fundadores: contrato, soberania e laicidade. Posteriormente, através das revoluções sociais americana, francesa, russa e mexicana, principalmente, um quarto elemento foi acrescentado à construção que a partir do século XX se tornou essencial: o indivíduo.
Desta forma o Estado é uma estrutura organizada que possui uma soberania para estabelecer um contrato social, ao compasso que também possui um contrato válido para efetivar sua soberania, não vinculado a um poder metafísico, logo, o governante não é revestido das premissas de Deus na Terra. Trata-se então, de um Estado laico que age em razão do indivíduo, em uma paradoxal relação de violência e proteção a este.
Utilizando-se de argumentos religiosos, Nicolau Maquiavel consegue romper o pensamento de governo e fé ocupando o mesmo local e possuindo uma relação similar entre si para com a população. Assinalou que porquanto o governante cometerá erros de escolhas, assim como já cometera, seria blasfêmia conceber que este respondia como uma divindade no mundo físico, pois, na concepção religiosa tão impregnada no medievo e no início do Iluminismo, Deus não poderia se equivocar.
Através desta linha de pensamento, libertou-se o Estado dos poderosos grilhões que o conectavam a uma relação metafísica de poder e razão de ser. A concepção de governar se alterou a partir desta nova perspectiva, criando novos desafios e perspectivas.
Neste sentido, a laicidade representa uma forma de liberdade, ampliando a soberania, inaugurando possibilidades para relações a serem apontadas no contrato e, de forma evidente, oportunizando ao indivíduo uma escolha mais conectada ao plano físico e menos ao espiritual.
Os pratos componentes da balança de Themis podem ser pensados onde em um está a liberdade e outro a segurança, com o Direito (aqui com o “dê” maiúsculo por todo o peso filosófico e ético incutido) como o fiel da balança, o garantidor da verdade na medida em que ambos os pratos estejam no mesmo patamar.
Entretanto, em tempos de medo, com inimigos tão diluídos por estratégias de combate e midiáticas, a liberdade passa a ser colocada em segundo plano em prol da segurança. A eterna luta da certeza contra o caos ocupa o espaço de discussão, alterando as perspectivas e expectativas, tornando a sociedade refém de um medo difuso.
Quanto mais medo se incute em populações, mais estas passam a se apegar em relações de controle através da violência e da metafísica. Logo, há uma relação entre uma sociedade acuada, em amplo sentido, e, uma sociedade religiosa e condescendente à expiação corpórea em prol da catarse.
Assim, em meio a estatísticas de violência extrema de gêneros, os parlamentares brasileiros unem as mãos em meio a uma sessão da Câmara dos Deputados e oram um “Pai Nosso” contra a liberdade sexual, em um país definido como laico por sua Constituição.
Em uma onda de lutas por direitos de reconhecimento, identidade e sociais dos negros nos Estados Unidos da América, um jovem adentra uma Igreja Batista e dispara várias vezes assassinando nove pessoas dentro deste centro religioso em um país segregado. Ainda, nos próprios Estados Unidos da América, políticos articulam meios para obrigarem o estudo do criacionismo nas escolas públicas e proibição do evolucionismo. Em contrapartida, países nórdicos passam a proibir o ensino do criacionismo em todas as escolas públicas, devendo o evolucionismo compor a grade disciplinar obrigatória das mesmas.
No medievo ocidental a dominação religiosa ocorreu através do medo, valendo-se da Bíblia como contrato, impondo três séculos de inquisição e perseguição de qualquer forma de diferença. Contemporaneamente, Jihad, através de um autoproclamado e difuso Estado Islâmico, utilizando o Alcorão como contrato, impõe a sua própria forma de inquisição.
O tempo atual passa a correr riscos de grande disparidade da balança onde o medo suprimirá a liberdade impondo um Estado de segurança, um paradoxal Estado de exceção, em prol da segurança contra qualquer e todos os medos. Cabe assim, ao fiel da balança fornecer a garantia da continuidade de um Estado soberano por seu contrato e com o contrato válido pela sua soberania, não limitado à aceitação metafísica, logo, laico e em razão do indivíduo, ou seja, um Estado Democrático de Direito.
Notas e Referências:
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
BEDIN, Gilmar Antonio. A Idade Média e o Nascimento do Estado Moderno: Aspectos Históricos e Teóricos. Ijuí: Unijuí, 2008.
MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. São Paulo, Martins Fontes, 2007.
_______. O Príncipe. Ed. Especial. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2011.
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Tiago Meyer Mendes é mestrando em Direitos Humanos na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS. Pesquisador na área do Direito Internacional. Bacharel em Direito pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo – IESA.
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