O disposto no art. 248, § 4º, do CPC pode ser aplicado quando o próprio condomínio for o autor da demanda?

27/08/2019

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

No dia-a-dia de uma Defensoria Pública em atuação junto à Vara Cível é bastante comum encontrar ações de cobrança de cotas condominiais, seja pela via executiva ou através de uma ação de conhecimento. Nestas demandas, em mais de uma oportunidade, atendemos réus que foram condenados à revelia porque, apesar de citados, não apresentaram defesa, seja através de contestação ou de embargos à execução, no prazo correspondente. Ocorre que, em alguns desses casos, os assistidos narraram que ficaram inertes porque simplesmente não sabiam da existência da demanda.

Analisando a questão mais a fundo foi possível perceber que na maior parte das vezes as citações postais destes assistidos revéis tinham sido recebidas pelo setor de correspondência do próprio condomínio que estava promovendo a demanda. Essas citações, então, eram reputadas válidas, mesmo sem a assinatura do demandado no termo, por que o art. 248, § 4º, do CPC previu expressamente a possibilidade de a citação postal ser recepcionada pelo setor de correspondência do condomínio do demandado.[1] In verbis:

Art. 248.  Deferida a citação pelo correio, o escrivão ou o chefe de secretaria remeterá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz e comunicará o prazo para resposta, o endereço do juízo e o respectivo cartório.

(...)

§4º. Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente.

O objetivo da medida, por certo, foi atribuir maior eficiência ao ato citatório. De fato, nos grandes condomínios das cidades brasileiras o serviço de correio, em grande parte das vezes, não entrega as cartas na mão dos moradores, mas nos setores de recebimento de correspondência, seja por agilidade ou por segurança. Destarte, trata-se de uma medida positiva e que deve ser aceita com regra geral na maioria das situações.[2]

Ocorre que, como resta evidente, o legislador esqueceu-se da hipótese de o citando estar sendo processado pelo próprio condomínio onde mora. Nestas situações não é ético deixar ao alvedrio do demandante a validade da citação.

Importante destacar que a citação é um ato fundamental do processo e que a sua correção representa um requisito de validade do processo que pode ser arguido a qualquer tempo ou grau de jurisdição (art. 239 do CPC), inclusive após o trânsito em julgado, por meio de impugnação (art. 525, § 1º, I, e § 11, do CPC), ação anulatória ou mesmo ação rescisória (art. 966 do CPC).

Ademais, a citação defeituosa ofende o princípio do devido processo legal, especialmente sob o prisma dos princípios do contraditório e da ampla defesa, comprometendo a própria natureza dialética do processo. Exatamente por essa razão, durante a fase final de vigência do CPC/1973 a jurisprudência se consolidou no sentido de que a citação postal da pessoa natural deveria ser feita com a sua assinatura no termo de aviso de recebimento (Súmula 429 do STJ)[3] ou mediante prova do seu efetivo recebimento pelo citando.[4]

Por esses motivos, entendemos que nas demandas propostas pelo condomínio em face de um morador seu, a citação postal somente deve ser reputada válida se feita na mão do citando ou de quem o represente. Nessa linha de raciocínio, a citação postal não deve ser dirigida para o setor de correspondência do condomínio, mas, se o for, eventual decreto de revelia dependerá da renovação da diligência, preferencialmente por Oficial de Justiça. Evita-se, assim, não apenas a ocorrência de nulidades, mas também de injustiças.

A jurisprudência que vem sendo produzida após a entrada em vigor do CPC/2015, no entanto, não tem sido sensível aos argumentos, preferindo por corroborar o texto legal, sem refletir sobre a incoerência da situação. Neste sentido, veja-se o seguinte julgado:

DESPESAS CONDOMINIAIS – IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – CITAÇÃO POR CARTA AR DEFERIDA – RECEBIMENTO, SEM “QUALQUER RESSALVA, POR TERCEIRA PESSOA NA PORTARIA DO CONDOMÍNIO – VALIDADE DO ATO RECONHECIDA – INTELIGÊNCIA DO ART. 248, § 4º, DO CPC – RECURSO NÃO PROVIDO. Considerando ter sido autorizada a citação da ré por carta AR, tendo sido a correspondência remetida para o endereço da condômina e entregue na portaria do condomínio edilício, não há como reconhecer que o ato citatório é nulo, eis que a missiva foi recebida sem qualquer ressalva, além de estar o ato fundado na norma contida no art. 248, § 4º, do CPC, razão pela qual de rigor a manutenção da r. decisão agravada” (TJSP – 31ª Câmara de Direito Privado – AI 2018034-28.2019.8.26.0000 – Rel. Des. Paulo Ayrosa, j. em 11/06/2019)

De fato, ao contrário do afirmado no aresto em destaque, se o próprio setor de correspondência do condomínio recebeu a citação postal, cabe a ele comprovar que repassou a comunicação ao seu condômino, para que o ato possa ser convalidado.

 

Notas e Referências

[1]     Trata-se de nítida influência do direito processual trabalhista, onde a entrega da comunicação postal no endereço correto do citando é reputada como válida (art. 841, § 1º, da CLT e Súmula 16 do TST). A regra tem também espeque na previsão contida no art. 22 da Lei nº 6.538/1978, que trata dos serviços postais.

[2]     Nesse sentido, vejam-se os seguintes julgados: “CITAÇÃO. CITAÇÃO POSTAL. RECEBIMENTO NA PORTARIA. CONDOMÍNIO EDILÍCIO COM CONTROLE DE ACESSO. ART. 248, § 4º, DO CPC. 1. Nos termos do art. 248, § 4º, do CPC, nos condomínios edilícios com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pela correspondência. 2. O carteiro não tem acesso aos imóveis e exigir o recebimento pessoal nesses casos” (TJSP – 14ª Câmara de Direito Privado – AI 2048395-28.2019.8.26.0000 – Rel. Des. Melo Colombi, j. em 11/04/2019) e “Segundo a norma do art. 248, § 4º, do CPC/2015, é válida a citação realizada pelo correio, cuja correspondência foi recebida, sem ressalvas, por empregado da portaria do Condomínio edilício ou de chácaras” (TJMG – 17ª Câmara Cível – AC 100791100584212001 – Rel. Des. Roberto Vaconcellos, j. em 04/12/2018).

[3]     Súmula 429 do STJ: “A citação postal, quando autorizada por lei, exige o aviso de recebimento”.

[4]     Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado: Citação postal exige a recepção direta da carta pelo destinatário, e, por isso, quando o AR é assinado por terceira pessoa e não há prova, cujo ônus é do autor, de que os corréus tiveram conhecimento daquela citação pelo correio, forçoso o reconhecimento da nulidade” (STJ – 1ª Turma – AREsp 1.220.557/SP – Rel. Min. Sérgio Kukina, j. em 02/04/2018).

 

 

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