Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
Em um mundo escasso de solidez, muito pouca coisa pode se dar ao luxo de estar acompanhada de certezas. Uma delas, traduz-se pela convicção de que a sociedade é constantemente influenciada nos mais variados cenários da vida cotidiana. Mesmo as pessoas mais céticas sofrem influências e a resistência em perceber essa atuação está na sutileza com que elas operam, geralmente travestidas de estratégias de persuasão cuidadosamente incutidas no comportamento social. A crença de estar imune às influências se dá pela impossibilidade de enxergá-las. (BERGER, 2017, p. 180).
Robert Cialdini, um dos mais ilustres estudiosos da área de influência social e autor do best seller “As armas de persuasão”, aponta seis categorias básicas de técnicas de convencimento que são a reciprocidade, o compromisso, a aprovação social, a afeição, a autoridade e a escassez (CIALDINI, 2009, p. 10-11). Não há qualquer intenção de dissecar essas ferramentas e sim atentar para sua onipresença nos mais variados cenários mercadológicos, afinal, “ao entendermos melhor o funcionamento da influência social, podemos mobilizar o seu poder” (BERGER, 2017, p. 367).
A crescente expansão do comércio digital reformulou as relações de consumo na sociedade contemporânea e revelou importantes atores publicitários capazes de dominar as técnicas de persuasão com maestria: os influenciadores digitais. O empoderamento desses indivíduos que, via de regra, saíram do anonimato e atingiram a fama por meio de determinados atributos em áreas específicas, permitiu que se tornassem modelos a serem seguidos pelas novas gerações (BARBOSA, 2019, p. 2).
O alcance e a habilidade de convencimento desses profissionais midiáticos despertaram o interesse do setor empresarial, que acabou por enxergar uma oportunidade de divulgar suas marcas por meio de uma publicidade supostamente voluntária e desinteressada. O marketing realizado pelos influenciadores invadiu o mercado de forma avassaladora e trouxe à sociedade e ao direito novos desafios a serem enfrentados.
Uma das discussões trazidas por essa nova realidade de consumo gira em torno do verdadeiro propósito das compras sugeridas pelos influenciadores aos seus seguidores, se despretensiosas recomendações de alguém que inspira confiança ou se orientação motivada por um patrocínio publicitário. É sabido que não há qualquer tipo de proibição nessa forma de publicidade de cunho econômico, o imbróglio se concentra na dificuldade em saber quando a sugestão de compra é de fato publicidade ou simples aconselhamento.
Como bem observa Franco, “os influenciadores, ao realizarem publicidade como se fosse uma ‘dica de amigo’ induzem o seguidor a uma compra que não é realizada de forma consciente” (FRANCO, 2016, p. 10). Um influenciador não poderia – ou pelo menos não deveria – usar sua credibilidade para dar depoimentos pessoais sobre produtos, sem deixar claro que se trata de algo pago, afinal, a publicidade em si não é um problema e sim a publicidade disfarçada (BRAGA NETTO, 2020, p. 374).
Com as inovações no âmbito digital, torna-se árduo o trabalho de filtrar o que seria publicidade ilícita ou opinião descompromissada (BARBOSA, 2019, p. 2). Os influenciadores criam e publicam conteúdo e informações apresentadas normalmente como um endosso pessoal, em vez de uma promoção direta e claramente identificável de um produto (European Commission, 2018, p. 32), abstraindo do consumidor o senso crítico quanto a real motivação da sugestão de compra, se patrocinada ou mera recomendação despretensiosa.
O artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor exige que a publicidade seja veiculada de modo que o consumidor perceba que está diante de um anúncio publicitário, revelando o evidente e legítimo interesse em vender o produto ou serviço. “São, por isso mesmo, informações encharcadas de parcialidade” (BRAGA NETTO, 2020, p. 373).
A informação no Código de Defesa do Consumidor assume um caráter dúplice, qual seja: o direito de informação do consumidor e o dever de informar imposto ao fornecedor, decorrente da necessária observância da boa-fé objetiva. Ademais, o códex consumerista estabelece, em seu artigo 6º, inciso IV a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços, como direito básico do consumidor (BARBOSA, 2019, p. 5).
Nesse sentido, a identificação da publicidade apresentada é fundamental, vez que ao deixar claro que se trata de uma publicidade o consumidor pode ter melhores condições de ponderar sobre suas escolhas (SIMAS, 2018, p. 27). O artigo inaugural da seção que trata da publicidade no Código de Defesa do Consumidor impõe o dever de veracidade e identificação, relacionando este último com a boa-fé objetiva e com os deveres de transparência e lealdade que devem nortear as relações consumeristas (PASQUALOTTO, 1997, p. 84).
Munidos de técnicas de persuasão em vendas, os influenciadores digitais estimulam o consumo de milhares de pessoas e orientam o mercado de forma cada vez mais expressiva e, muitas vezes, preocupante, já que expõem a vulnerabilidade dos seguidores/consumidores quando não identificam de forma clara o caráter patrocinado da publicidade. Esse ‘disfarce’ induz o consumidor a acreditar que a sugestão descompromissada é simples reflexo da relação de confiança estabelecida entre ídolo-seguidor, apelo que certamente impacta no aumento de vendas do produto ou serviço sugerido.
Ao direito cabe a árdua tarefa de dispor de mecanismos suficientes para identificar e sancionar a publicidade disfarçada, abrandando a vulnerabilidade dos consumidores quando expostos a venda maliciosamente conduzida provocada pelos experts em persuasão.
Notas e Referências
BARBOSA, Caio César do Nascimento; SILVA, Michael César; BRITO, Priscila Ladeira Alves de. Publicidade ilícita e influenciadores digitais: novas tendências da responsabilidade civil. Minas Gerais: IBERC, 2019.
BERGER, Jonah. O poder da influência. Trad. Cristina Yamagami. São Paulo: Alta Books, 2019.
BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. 15. ed. Salvador: Juspodivm, 2020.
CIALDINI, Robert B. As armas da persuasão. Trad. Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Sextante, 2012.
European Commission, ‘Behavioural Study on Advertising and Marketing Practices in Online Social Media’ (June 2018) Final Report. Disponível em: <https://ec.europa.eu/info/files/advertising-and-marketing-practices-online-social-media-final-report-2018_en>. Acesso em: 9 set. 2020.
FRANCO, Denise Sirimarco. A publicidade no Instagram feita por digital influencers à luz da boa-fé objetiva e do dever de informação. 2016. Dissertação Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. p. 10. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2016/pdf/DeniseSirimarcoFranco.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2020.
PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
Imagem Ilustrativa do Post: twitter // Foto de: LoboStudioHamburg // Sem alterações
Disponível em: https://pixabay.com/photos/twitter-facebook-together-292994/
Licença de uso: https://pixabay.com/en/service/terms/#usage