Coordenador Marcos Catalan
A reflexão acerca do direito do consumidor demonstra ser este um dos ramos do direito vivo frente à sociedade, pois a sua tutela manifesta proteção aos direitos e garantias fundamentais do consumidor, elo frágil da relação, operando, pela matriz normativa constitucional (regras e princípios), sendo capaz de alcançar o não-direito pela ampliação interpretativa, que reconhece novos horizontes à norma.
No que toca especialmente às relações de consumo, a tutela ofertada muitas vezes é insatisfativa, inadequada ou ineficiente, pois é voltada à procedimentalização burocrática do direito – muito distinta de uma proteção ou garantia de interesses -, e sua razão principal é a indevida consideração de outros temas relevantes que superam o mero acoplamento subsuntivo do suporte fático à regra. Ao se desconsiderar a relevância de temas que fogem do jurídico, esquece-se de um relevante ponto: certas organizações de interesses (ambientais, de consumidores, ético-religiosas, etc.), que tratam em tutelar aquilo que é decantado como valor negocial da política, são pouco propensos a tratativa negocial da política representativa. Por essa negativa de prestação por via representativa, preferem a via jurisdicional, uma vez que a reivindicação de um interesse pode ocorrer tanto pela via legislativa como pela via jurisdicional, vias que apresentam tipo de respostas diferentes (considera-se a primeira dogmática e a segunda contradogmática).
A negativa de consideração de questões de alta carga política pelo legislativo faz nascer no Judiciário uma nova responsabilidade sócio-política, relacionada com as expressões sociais e políticas, pois o Estado-Juiz é obrigado a fornecer uma resposta às diversas demandas mesmo na ausência de uma norma geral que as preveja, já que se fala de regras e princípios operados pela hermenêutica jurídica. Este cenário denota que o Judiciário, para além de aplicar o texto, tem o desafio de atuar para equilibrar as relações conflituosas na sociedade, reflexas das novas complexidades que surgem dos novos contextos. Para além de ser por excelência o local para a tutela e satisfatividade dos direitos subjetivos, o Judiciário passa a absorver os mais variados interesses, os quais superam, em sua composição factual, o fato jurídico; interesses que, no mais das vezes, denotam alta carga de relevância social, momento atual em que a juridicização da vida se dá pela exposição desses interesses não tutelados.
A tradição presente na ciência jurídica, porém, denota que somente é possível recorrer ao Estado-Juiz para obter o reconhecimento de um direito subjetivo como lei, cobrando a exposição dedutiva do fato sobreposto à pré-existência do direito legal, reduzindo assim a decisão ao acoplamento do suporte fático incidido a regra. Por esta operação, os fatos são reduzidos ao pré-concebido como jurídico, e é desconsiderado tudo o que não é enquadrado formalmente. Ocorre que aquilo que não é enquadrado formalmente é o que performa a realidade social e sua crueza, sendo descartada como desnecessária.
Conforme posto, a jurisdição torna-se principalmente sensível nos casos em que certas organizações de interesses, como a de consumidores, que trata em tutelar aquilo que é decantado como “valor negocial político” e que são, por seu caráter, propensos a encontrar no legislativo pouca guarida, preferem optar pela via judiciária em detrimento do legislativo para a produção de direito e excessivamente burocrática e lenta frente aos diversos interesses. Em detrimento desta racionalidade fechado, de outro lado, os princípios, sejam eles constitucionais ou consumeristas, tem como principal atuação evitar a obrigação de especificar a fattispecie. É gatilho para a capacidade geradora dos princípios os fatos que a realidade gera e a sociedade propõe, que fogem do fato juridicizável, sobre o qual ainda não foi encontrado no sistema jurídico uma fattispecie que contenha e que venha exigir uma qualificação jurídica própria, estimulando assim a capacidade geradora do princípio. Ao postular o direito para além da representatividade, ocorre o reconhecimento e emancipação das pessoas no que toca ao direito.
A partir do exposto, tenteou-se esboçar brevemente como a adesão de aspectos que superam a dogmática são uma parte inevitável dos significados que o texto constitucional gera pela interpretação da norma e construção do texto, o que ressemantiza a lei e cria novos direitos, e como serve esse direito flexibilizado e contradogmático como possibilidade para coibir e aparelhar a relação consumerista, que é marcado por grandes interesses em termos políticos e econômicos: Pode-se dizer, assim que o direito do consumidor ressemantiza a norma jurídica, tanto na adequação do texto ao contexto como no reequilíbrio das relações várias da sociedade.
O Poder Judiciário é chamado a impulsionar a tutela dos direitos individuais e coletivos, manifestados como interesses assegurados pela normativa aderente da interpretação hermenêutica, perpassando os assim limites até então demarcados pela dogmática legal. O cenário delineado exige que o direito seja compreendido a partir de sua funcionalidade, sendo aspecto relevante para o direito brasileiro, que muito tem a evoluir quanto à aderência de aspectos sociais ao que é jurídico acercando-se do paradigma cientifico da complexidade para que o direito possa ser contado até três.
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