Por Jéssica Gonçalves - 30/12/2015
Leia também a Parte II e a Parte III.
A cada semana será lançado um artigo com vistas à compreensão em nível “macro” sobre a aplicação da Teoria dos Jogos no Direito.
Parte I - A “gênese”: Análise Econômica do Direito (AED/LAE)
Antes de examinar a literatura bastante divulgada nos Estados Unidos da América[1], mas pouco estudada no Brasil que é a do Law and Economics (LAE) – Análise Econômica do Direito (AED)[2] e seu objeto de estudo sobre o comportamento racional e individualista dos homens na análise do custo e benefício frente à escassez dos recursos, indispensável entender o conceito e o objeto empregados pela Ciência Econômica.
A palavra Economia remonta à Grécia antiga e deriva de oikosnomos - no qual oikos, significa casa e nomos, lei, que designa a Ciência Social responsável pelo estudo de como o indivíduo e a sociedade decidem empregar recursos escassos na produção de bens e serviços, de modo a distribuí-los entre as pessoas, a fim de satisfazer a necessidade humana. A exata compreensão do objeto da Ciência Econômica evoluiu historicamente e contemporaneamente cuida da formação da riqueza e se dedica às questões ligadas à repartição, estando dividida em dois principais ramos:
a) macroeconômica: “cuida do desempenho das economias nacionais e das políticas que os governos usam para tentar melhorar o desenvolvimento”[3],
b) microeconômica ou teoria dos preços: “examina as escolhas individuais e o comportamento de grupo em mercados individuais sob condições de escassez e suas implicações para o comportamento de preços”[4], ou seja, preocupa-se com o comportamento dos consumidores e produtores com vistas à compreensão do funcionamento geral do sistema econômico.
Assim, a área macroeconômica é responsável pelo estudo dos agregados econômicos, tais como: produto nacional, renda, poupança, despesas e investimentos. Já a microeconomia serve para compreender o comportamento racional e individualista dos homens e as suas tomadas de decisões frente à escassez dos recursos.
A partir desta conceituação, denota-se o quão distante a Ciência Econômica se mostra a princípio do Direito, uma vez que aquela trabalha com dados empíricos para declarar a certeza à comunidade científica, ao passo que este, como fenômeno da realidade e fato histórico, varia de acordo com o tempo e o lugar, dependente de fatores legais para sua validade. Por isso, em um primeiro momento, a dogmática jurídica passou a restringir o uso da Ciência Econômica ao estudo das leis antitrustes, regulamentos e indenizações monetárias, limitando o aprofundamento na matéria de Direito Econômico.
Definido dessa forma, numa perspectiva objetiva, enquanto o Direito é a técnica de regulamentar o comportamento humano, a Economia representa a ciência que estuda esse comportamento e suas consequências no mundo de recursos escassos, no qual a AED é o resgate dessa relação, com o objetivo de auxiliar o legislador ou o juiz a fazerem escolhas eficientes com a “redução dos custos”[5].
O ponto histórico demarcado como de intersecção, considerado como gênese do movimento entre Direito e a Ciência Econômica, que mais tarde é batizado de AED, remonta ao Século XVIII a partir de dois autores. O primeiro autor, com a teoria de Adam Smith, que aborda sobre os efeitos econômicos da legislação mercantilista, e o segundo, com o trabalho de Jeremy Bentham, de geração posterior a de Adam Smith, no qual faz referência à análise econômica das leis que regulam o comportamento de atividades no interior do mercado, tais como delitos; acidentes; responsabilidade civil; matrimônio; contaminação e processos jurídicos, entre outras.[6]
Posteriormente, dois marcos contribuem para a evolução do movimento, sendo o primeiro correspondente ao período anterior a 1960, quando a análise do Direito antitruste dominava a conjugação entre as ciências Jurídicas e Econômicas, e, o segundo, a partir de 1960, com ampla aplicação da Ciência Econômica ao sistema legal.[7]
Entretanto, a consolidação da teoria traduzida pela terminologia da AED não apresenta unicidade de ideias, até porque, há todo o percurso histórico, desde o ano de 1960, com a publicação dos artigos de Guido Calabresi[8] e de Ronald Coase[9], até a sua consagração como disciplina autônoma, a partir dos escritos de Richard Posner.[10]
A partir destas intersecções históricas, a AED cresceu como disciplina autônoma, empregando a Teoria Econômica no Direito para compreensão da racionalidade dos sujeitos no sistema legal na medida em que aplica suas premissas na elaboração das normas ou no silogismo decisório.
Neste âmbito, a AED constitui estudo interdisciplinar entre a Teoria Econômica e o Direito, prescrevendo “um novo vocabulário e fornece sua peculiar estrutura analítica para o exame dos problemas jurídicos, ainda que estes não tenham o caráter econômico.”[11] Já o autor Nicholas Mercuro propõe que a meta da AED é a definição das “variáveis instrumentais das questões e processos que são fundamentais para o funcionamento das instituições jurídicas que gozam de importância econômica.”[12]
Vê-se, pois, que a AED, rotulada ideologicamente como conservadora, reacionária e neoliberal, revela-se aos poucos ferramenta indispensável em diversos campos da experiência jurídica, pois implica, em primeiro lugar, interpreta a norma a partir de pressupostos da Teoria Econômica, e, em segundo lugar, significa compreender que a racionalidade adotada pela norma é racionalidade do tipo econômica.
A AED reformula o Direito como objeto de estudo a partir do ponto de vista econômico, problemas relativos à eficiência da norma, custo dos instrumentos jurídicos e as consequências econômicas das intervenções jurídicas. O estudo dessa teoria não significa a defesa da única solução, mas a opção de examinar o fenômeno jurídico a partir da visão economicista, assim como se fosse analisada pela abordagem política, histórica, sociológica e antropológica, sem que deixe, no entanto, de continuar sendo o mesmo fenômeno concreto e real.
Portanto, se a AED interage de diversas maneiras na organização da vida em sociedade, podendo ser aplicada ao Sistema Jurídico-normativo Brasileiro, as perguntas imperativas dos estudiosos desta interdisciplinaridade são: como exatamente a teoria é gerenciada pelo Direito, ou seja, no que este é influenciado? E, qual a maneira em que uma Ciência se entrelaça com a outra?
A resposta sobre a forma como o Direito é influenciado pela Ciência Econômica é elaborada a partir da história sobre o movimento LAE, apresentado brevemente neste artigo, já o “como uma área influencia a outra?” será examinado, na semana que vem, quanto aos pressupostos metodológicos da AED.
Notas e Referências:
[1] Nos Estados Unidos, a disciplina já vem sendo lecionada em todas as Faculdades de Direito desde os anos de 1970 e 1980. Para se ter uma ideia mais precisa sob a influência naquele País, basta lembrar que em meados da década de 1980, pelos menos três notórios da Suprema Corte Americana; Antonin Scalia, Robert Bork e Douglas Ginsburg, declaravam-se adeptos da disciplina de Direito e Economia, conforme declarado na obra: DONOHUE III, John J. . “Law and economics: the road not token”. Law & Society Review, v. 22, n. 5, 1988, p. 904.
[2] A literatura estrangeira baseada em autores como Richard Posner, Guido Calabresi, Gary Becker e Ronald Coase, tradicionalmente empregam as expressões “Law and Economics” e “Economic Analys of Law” para designar a abordagem entre Direito e Economia tradicional.
[3] FRANK, Robert H; BERNANKE S. Bem; JOHNSTON, D. Louis. Princípio de economia. Tradução de Heloisa Fontoura e Monica Stefani. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012, p. 15.
[4] FRANK; BERNANKE; JOHNSTON, 2012, p. 15.
[5] Bruno Meyerhof Salama pondera: “o ponto central da Análise Econômica do Direito não é saber se a eficiência pode ser igualada à justiça; ela não pode. A questão é pensar como a busca da justiça pode se beneficiar do exame de prós e contras, dos custos e benefícios.” SALAMA, Bruno Meyerhof. De que forma a economia auxilia o profissional e o estudioso do direito? Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, p. 4‐6, Jan./Jun., 2010, p. 6.
[6] Nesse sentido: ROEMER, Andrés. Introducción al análisis económico del derecho. Tradução de José Luis Pérez Hernández, 1994, p. 6.
[7] Nessa lógica: POSNER, Richard. Economic analysis of law. 7. ed. Austin: Wolters Kluwer, 2007, p.23.
[8] CALABRESI, Guido. Some Thoughts on risk distribution and the law of torts. 70 Yale L. J. 499, 1961. Disponível em: http://digitalcommons.law.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3035&context=fss_papers. Acesso em: 27 dez. 2015
[9] COASE, 1960.
[10] POSNER, 2007.
[11] Original: “un nuevo vocabulário y aporta su peculiar estructura analítica para el examen de los problemas jurídicos, aunque que estos no tengan el carácter de econômico”. (Ibid., p. 34-35).
[12] Original: “variables instrumentales y las cuestiones y processos que son fundamentales para el funcionamento de las instituciones jurídicas que gozan de importância económica. MERCURO, Nicholas. Derecho y Economia. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1991, p. 13.
CALABRESI, Guido. Some Thoughts on risk distribution and the law of torts. 70 Yale L. J. 499, 1961. Disponível em:
http://digitalcommons.law.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3035&context=fss_papers. Acesso em: 27 dez. 2015
DONOHUE III, John J. . “Law and economics: the road not token”. Law & Society Review, v. 22, n. 5, 1988,
FRANK, Robert H; BERNANKE S. Bem; JOHNSTON, D. Louis. Princípio de economia. Tradução de Heloisa Fontoura e Monica Stefani. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012.
MERCURO, Nicholas. Derecho y Economia. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1991, p. 13.
POSNER, Richard. Economic analysis of law. 7. ed. Austin: Wolters Kluwer, 2007, p.23.
ROEMER, Andrés. Introducción al análisis económico del derecho. Tradução de José Luis Pérez Hernández, 1994, p. 6.
SALAMA, Bruno Meyerhof. De que forma a economia auxilia o profissional e o estudioso do direito? Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, p. 4‐6, Jan./Jun., 2010, p. 6.

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