O direito à felicidade como estímulo ao desenvolvimento social – welfare state x welfare economic

15/10/2016

Por Naiara Czarnobai Augusto – 15/10/2016

Quem não se recorda de um antigo comercial com um garotinho alegre ao preparar o café da manhã de sua família, dançando e cantando ao som de “Happy day”? A jogada de marketing deu tão certo que atualmente ainda falamos de alguém bem-sucedido e realizado com a expressão “feliz como em um comercial de margarina”.

Tempos se passaram desde aquela campanha publicitária, mas alcançar a felicidade plena, do tipo que aparece na TV, ainda parece ser privilégio de poucos, ainda mais em um país subdesenvolvido como o nosso.

Vivemos na era da comunicação, e as redes sociais nos permitem conhecer a rotina de muitas pessoas, mesmo aquelas com as quais nunca nos encontramos presencialmente. Nas timelines, todos acordam leves e saltitantes, viajam para lugares paradisíacos, estão sempre maquiados e bem vestidos, comemoram todos os dias os louros de casamentos celebrados ao custo de milhares de reais, e seus filhos são tão fofos que poderiam perfeitamente participar da próxima propaganda Johnson & Johnson.

Não importa se a pessoa só seleciona os bons momentos para compartilhar. Você que parece ter uma vida pacata se sente a pior das criaturas. Isto mesmo, um pobre mortal, que não acordou com o cabelo divo como a blogueira de moda, que não tem uma vida de nômade digital como aquele sujeito cheio de estilo, que não viaja seis vezes por ano, e que no café da manhã não tem croissant e uma cesta de flores e frutas da estação.

De uma leitura dos termos de permissões e responsabilidades do Facebook e do Instagram, não se encontra em nenhuma cláusula a obrigatoriedade de só postar fotos lindas e retocadas, daquelas capazes de provocar inveja em todos os contatos. Apesar disso, parece que este conceito de felicidade suprema, extraído de redes sociais, virou um padrão social. Quem não se enquadra, sente-se frustrado e deprimido, como se apenas todos os outros tivessem direito à tal felicidade. Parece que o tal welfare state beneficia todo mundo, menos você.

Além das redes sociais, a vida que não parece muito boa também é impactada pelas crises política e financeira. A promoção não veio, o aumento foi cortado, o Iphone7 está caro demais, o casamento desandou e ainda tem os juros recordes do parcelamento do cartão de crédito. Com o bombardeio de notícias ruins na mídia, a vida parece ser reduzida à insignificância e nenhum estímulo externo se revela capaz de convencer a buscar felicidade.

Essas circunstâncias, somadas, parecem a receita perfeita para manter os livros de autoajuda no topo da lista dos mais vendidos, para promover um profissional Coach em cada esquina, para ocupar a agenda dos terapeutas, lotar as academias e intensificar o abuso de ansiolíticos.

A princípio, parece que este assunto não guarda relação com o Direito, mas a sua conexão é diametralmente oposta à impressão inicial. A felicidade individual é tão importante quanto o reconhecimento do senso coletivo de bem-estar, como um corpo que só funciona perfeitamente se todos os seus órgãos e membros estiverem em harmonia.

Pode ser mais fácil compreender o ideal de felicidade comercializado pelas redes sociais e campanhas publicitárias, porém, o principal objetivo do Estado é que todos os cidadãos se sintam genuinamente realizados, e independentemente do esforço de cada um para a concretização dos seus interesses pessoais, é deveras importante que se encontre respaldo para a felicidade (welfare state).

Assim, desde 1988 nossa Constituição Federal estabelece que o Estado Democrático é destinado a assegurar o exercício dos “direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, a qual é “fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias” (preambulo).

Seria isso suficiente para um povo feliz e bem-sucedido, não?! Deveria ser.

Entretanto, o elo entre felicidade e desenvolvimento social ainda é distante da realidade de muitos integrantes dessa República Federativa, que tem como um de seus fundamentos a dignidade humana (art. 1°, III, CF). O interesse econômico se sobrepõe ao bem-estar social, havendo nítido equívoco nos resultados esperados a partir da implantação de políticas públicas.

Isso porque, praticamente toda a atuação governamental é direcionada à movimentação de capital, o que resultaria em aumento de renda e consequentemente proporcionaria melhores condições de vida. Neste contexto, o nível de desenvolvimento de uma nação seria suficientemente medido pelos recursos materiais circulantes, e o Produto Interno Bruto (PIB) ainda serviria de indicador de quão progressista é um país, ao menos em termos econômicos, registra-se.

Bem distante desta perspectiva, no leste das terras do Himalaia, o Reino do Butão resolveu implementar, já em meados da década de 80, um critério diferenciado para avaliar o sucesso do seu povo, medido pela felicidade, e que é tratado com tanta seriedade e compromisso como a avaliação anual do PIB.

Por esta razão, tomando o exemplo daquele país, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou resolução reconhecendo a busca pela felicidade como um propósito humano fundamental, além de constituir um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).

Pela Resolução da ONU n. 65/309, todos devem alimentar o desejo de uma vida satisfatória, significativa e feliz. Além disso, reconhece-se que PIB não foi formulado para promover, nem reflete, a felicidade e o bem-estar de todos os povos, motivo pelo qual os Estados membros foram convidados a elaborarem indicadores adicionais que capturem a importância da busca da felicidade.

Um ano antes do avanço promovido pela ONU, no Brasil foi apresentada a Proposta de Emenda Constitucional n. 19, conhecida como PEC da Felicidade, e por meio da qual pretendia-se que fosse acrescentado no art. 6° da Carta Magna o direito à busca da felicidade, no sentido de direcionar os direitos sociais à realização plena individual e coletiva.

O projeto não obteve sucesso, e alguns defenderam que a inclusão do direito à busca da felicidade na Constituição Federal teria um efeito meramente simbólico, já que este anseio seria indissociável da dignidade humana. Se os governantes atuassem de modo efetivo para implementar políticas públicas capazes de alcançar resultados práticos na defesa dos direitos sociais, a felicidade seria mera consequência para os cidadãos brasileiros, e apenas perfectibilizaria o ideal do Estado Democrático de Direito.

De fato, não há como se negar o liame entre felicidade e o princípio da dignidade humana, bem colocado no primeiro artigo da Constituição Federal, e que serve de referência para a atuação estatal.

Porém, numa sociedade impulsionada pelas conquistas materiais, por indicativos numéricos de sucesso em suas diversas áreas, também é evidente que o sentido individual de felicidade seja variável de acordo com as condições oferecidas para desenvolvimento pessoal. Já no senso coletivo, atenderia bem a PEC n. 19/2010, visto que a concepção objetiva de felicidade se mostra relacionada com os direitos sociais, e promove o desenvolvimento almejado pelo Estado não apenas no aspecto de crescimento econômico, mas no grau de satisfação das necessidades humanas.

Sobre o tema, destaca-se o documentário “Happy”, produzido por Roko Belic, que demonstra de modo impactante como, em diferentes locais e culturas do mundo, é possível alcançar a felicidade, mesmo em condição de miséria, e como é fácil perde-la mesmo diante de sucesso material, o que nem sempre é sinônimo de felicidade genuína. Em todos os exemplos da película, um fator comum: o bom desenvolvimento de relações sociais e a verdadeira satisfação com o local onde se vive como propulsores de bem-estar e plenitude de vida.

O referido documentário não se revela como uma resposta para todos os anseios daqueles que ainda não compreendem quais os caminhos para se atingir a felicidade que tantos pregam, porém demonstra que esta não é um conceito intangível, e que se debruçar para refletir sobre o que de fato é felicidade em meio social é uma tarefa instigante e recompensadora.

Seja no aspecto individual, como no coletivo, a busca da felicidade é um direito, mesmo que não reconhecido no sistema legal brasileiro, e também é um dever de todos aqueles que desejam fazer parte de um ideal plural de desenvolvimento social. Esta preocupação deve estar além da efetivação dos direitos elencados no art. 6° da Constituição Federal, e deve ser um compromisso dos ocupantes de cargos políticos estratégicos, para que assim possamos impulsionar de modo constante o desenvolvimento como disciplina da economia do bem-estar.

Por fim, o Poder Legislativo deve considerar este objetivo na criação de normas, assim como os governos devem eleger a felicidade como prioridade no alcance dos resultados das políticas públicas. Que seja tendência buscar a felicidade individual, mas com fins para o bem comum. Pessoas felizes e satisfeitas são propensas a colaborar com o desenvolvimento. Só assim poderemos ser de verdade a sociedade fraternal que nossos Constituintes imaginaram!


naiara-czarnobai-augusto. Naiara Czarnobai Augusto é Graduada em Direito e Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Atualmente trabalha no Núcleo Técnico Especializado e no Núcleo de Inteligência do Centro de Apoio Operacional Técnico do Ministério Público de Santa Catarina, ao qual está vinculado o Laboratório de Tecnologia no Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) do MPSC. 


Imagem Ilustrativa do Post: Happiness // Foto de: mahmud.rassel // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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