Por Charles M. Machado - 08/09/2015
A edificação dos valores de uma nação é o somatório dos seus valores culturais, cada um de nós traz de sua casa, seja no seu processo educacional ou no nosso DNA uma carga ideológica valorativa.
Para o Direito essa carga ideológica valorativa é reproduzida na Nossa Magna Carta, afinal é na Constituição que um povo estabelece a sua norma fundante, o seu ponto de partida.
Lembro que a reunião dos homens é quase sempre a eleição das nossas diferenças, assim a construção da sociedade se dá pela edificação de nossas igualdades e diferenças, sendo o cimento harmonizador desse conjunto heterogêneo, o Direito.
Logo o Direito só existe porque somos diferentes, afinal se fossemos tacitamente iguais ele perderia sua razão de ser, ele existe para reafirmar as nossas diferenças valorativas e ideológicas, e assim o intérprete da norma exerce sua prática sopesando os Princípios Constitucionais e por não ser uma ciência exata carrega nas significações do signo normativo uma série de valores que lhe permite chegar a significados dos mais distintos.
Começa ai o primeiro dos problemas, onde manda quem pode e obedece que tem juízo, afinal o texto normativo sempre será a expressão primeira do grupo ideológico dominante.
As ideologias exercem sua dominação pela expressão legal, independentemente de estarmos ou não em uma democracia.
A eleição e o exercício do poder pelas mãos do povo é e sempre será peça de ficção, um exercício demasiado de vontade do querer e não do ser, afinal existe sempre algo nos próximos parágrafos. Se é pelo Direito que se erguem as bases princípio-lógicas do País, e o primeiro pacto legal que seus membros celebram é a Constituição Federal; nela depositamos nossos ideários de vida e de visão de mundo.
Após 26 anos da Promulgação de nossa Magna Carta, nos deparamos com um texto, muito diferente daquele assinado por nossos legisladores primários. Também, pudera, foram feitas 88 Emendas ao texto original, o que dá uma média de uma Emenda para cada três artigos do texto original.
Toda Emenda Constitucional, move a máquina legislativa na produção de uma centena de dispositivos, com a finalidade de regulamentar os novos direitos, criando um cipoal jurídico que vai de leis até instruções normativas, o que em nada contribui para a consolidação do Estado de Direito e a estabilidade dos negócios, pedra fundamental para o desenvolvimento nacional.
O mandatário nos termos do Artigo1°, Parágrafo único, apenas exerce o poder emanado do povo, mas pode fazê-lo diretamente como previsto na Magna Carta, o curioso é que em seu Preâmbulo os representantes do povo da Assembleia Constituinte que deu origem a Magna carta evocam a proteção de Deus, justamente ali na sua certidão de nascimento, afinal é isso que um Preâmbulo Constitucional, à sua Certidão de Nascimento.
Logo o Estado Brasileiro fez uma opção pela crença, diferente de muitas outras magnas Cartas, imaginem a Constituição da China pedindo a proteção de Buda?
Com isso temos um Estado que não é laico nem agnóstico, mas uma Nação de Fé.
A importância disso novamente é reproduzida no Título do Direitos e Garantias Fundamentais, onde se lê: “ Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:.....
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
O Legislador Constituinte foi além quando ainda garantiu esses Direitos ao estender a imunidade tributária aos Templos.
Por tudo isso é natural que na vida do brasileiro sejamos carregados de figuras de linguagem religiosa, ao ponto de ser comum ouvir “ sou ateu graças a Deus “.
Curiosamente mais do que figuras de linguagem a nossa prática democrática acaba sendo carregada desses valores sendo comum dividirmos tudo entre certo e errado, céu e inferno.
Logo a satanização de uma figura ou de um grupo, é quase sempre uma reprodução estoica da nossa formação cristã, onde de longe todos são santos ou ardem no inferno. A polarização em um mundo dual elimina os diferentes, tornando-nos muitas vezes indulgentes para com as diferenças.
Logo, a crítica aos mais próximos desaparece, independente dos escândalos vizinhos, afinal de tão próximo, ele pode me parecer igual, com isso privilégios de categorias transformam-se em conquistas, e desvios éticos tornam-se apenas um atavismo da vida pública.
A escolha plebiscitária pelo presidencialismo representa muito bem isso, pois sempre acreditamos em um salvador da pátria, uma figura sobrenatural, num complexo psicológico que sai da esfera da Ciência Política e vira caso para Psicologia.
Logo os valores éticos viram partidários e não pessoais, afinal quem segue o Diabo deve ser adulador de Satanás e que queime na fogueira das redes sociais.
É preciso refundar o Estado de Direito Democrático, sobre os pilares da ética e não apenas da conveniência, seja ela partidária, funcional ou ideológica, a conveniência quase sempre esconde os nossos pecados menores, para eles sempre existirá o perdão pago com a penitência de novas eleições.
Nesse processo muita gente parece esquecer que o processo eletivo para Presidente é feito conjuntamente com Governadores, Senadores, Deputados Federais, Estaduais e Distritais, e por meio das coligações são eleitos estando ou não na base de governo.
Logo, para cada um deles existe uma parcela de culpa nesse latifúndio, tá certo que nesse momento da fogueira uns viram santos e outros bruxas e seguidores do belzebu.
Muitas vezes, promover a satanização de um ou de poucos é uma maneira de nos eximirmos de uma discussão mais profunda, pagando nossos pecados com a penitência da perda de privilégios.
Privilégios e vantagens pessoais são muitas vezes um pecado menor, mais o inferno se faz com a soma de todos nossos pecados. Sejam eles uma nomeação em cargo comissionado, um olhar menos atento do fiscal, ou uma gratificação que torna a minha função privilegiada frente aos demais, imaginando que os filhos de Deus fossem distintos aos olhos dele, e logo pudessem ser agraciados como se dádiva fosse.
Por certo é que o inferno é aqui mesmo na terra, construído com a soma de nossos privilégios, é obvio que é muita mais fácil eleger um culpado.
Enquanto não mergulhamos nas soluções legais e institucionais, que aprofundam os valores da ética, estaremos sempre tendo a certeza indubitável de eleger um culpado.
E com essas cores não haverá dúvida, afinal o Diabo veste Dilma.
Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.
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