O desmonte de políticas públicas não é um tema recorrente na academia, tendo sido melhor observado a partir da crise econômica europeia de 2008, com a implementação de medidas de austeridade que impactaram diretamente as políticas de bem-estar social. Na américa latina, a discussão acerca do termino ou extinção de políticas públicas foi detectada a partir do desmantelamento de políticas sociais em razão dos ajustes fiscais implementados pela exigência dos fundos monetários internacionais, atingindo políticas públicas voltadas para os direitos sociais, dentre os quais as políticas de meio ambiente, do trabalho e da previdência.
O presente ensaio tratará dos aspectos gerais sobre a ideia cientifica de desmonte das políticas públicas com ênfase na situação das políticas públicas ambientais aplicadas na gestão pública iniciada a partir do ano de 2019.
Conceito e fatores do desmonte de políticas públicas.
A policy dismontling, definida sinteticamente como sendo uma mudança de natureza direta, indireta, oculta ou simbólica que diminui o número de políticas numa determinada área e reduz o número de instrumentos de política utilizados e/ou diminui a sua intensidade; ascende às estruturas do estado através da perspectiva do neoinstitucionalismo histórico, identificado pelas mudanças institucionais que ocorrem pelo aproveitamento dos momentos críticos exógenos, como é o caso de crises econômicas que resultam no discurso da austeridade.
A desregulamentação ou extinção das políticas públicas ocorre, geralmente, em razão (a) de preferências políticas, podendo haver associação com elementos de ordem moral e ideológica; (b) de oportunidades estruturais, compreendendo, por exemplo, ambientes econômicos favoráveis em âmbito nacional ou internacional; (c) de estratégias, incluindo perspectivas de formação de coalizões políticas para manutenção das estruturas de poder e (d) de efeitos e resultados, avaliando os custos que dimensionam se os benefícios do desmonte das políticas são maiores que os prejuízos, inclusive o eventual custo político e, ainda, avaliando e verificando o grau de densidade e de intensidade das políticas públicas.
Para tanto, é possível afirmar que os fatores que podem influenciar no desmonte das políticas públicas incluem elementos externos, relacionados, por exemplo, com a alteração do cenário de estabilidades econômica do sistema financeiro ou mudança de modelos tecnológicos; oportunidades e constrangimentos institucionais, com aplicação a partir de situações relacionadas com as mudanças no sistema eleitoral, que oportunizam a formação de arenas políticas e a formação ou consolidação de partidos políticos ou, ainda, a atuação do sistema de freios e contra pesos, com a atuação do Poder Judiciário criando normas ou suspendendo/paralisando a ação do Poder Executivo na formulação ou aplicação de políticas públicas e, circunstâncias situacionais, relacionadas com as estruturas de poder político, com a formação de consensos parlamentar, com sustação ou aprovação de instrumentos normativos sobre determinada política, podendo ou não inviabilizar a ação governamental ou, ainda, a apresentação de modelos ou discursos envolvendo políticas públicas em face da proximidade de campanhas eleitorais e, até mesmo, através da transferência de responsabilidades pelo desmantelamento, aviada, em regra, pela reformulação administrativa, com a acumulação de poder em superministérios e o esvaziamento do poder de decisão de outros ministérios.
À luz das externalidades políticas que podem advir do desmonte das políticas públicas (relação de contas do custo, ou seja, verificação dos benefícios versus os prejuízos), o gestor pode demandar a escolha de diferentes estratégias (ou tipos) de modelos de desmontes de políticas públicas.
Desta forma, o desmantelamento pode ocorrer através do argumento de que a política pública é defectiva, podendo o defeito ser, na verdade, oriundo da ausência na tomada de decisões formais (inação intencional ou não do gestor), para execução das medidas necessárias ao fiel cumprimento da política pública. Em regra, na hipótese, há pouca visibilidade quanto aos efeitos deletérios da extinção da política, passando despercebida pela maior parte da população.
O desmonte da política pública pode ser justificado, também, pela mudança de arena política, quando o gestor eleito, por meio de uma decisão formal, opta pela desregulamentação da política pública, como ocorre com as hipóteses de redução de investimento em certas ou determinadas políticas públicas, a exemplo dos cortes orçamentários para financiamento das universidades federais e centros tecnológicos, geralmente associadas ao discurso de que é preciso fazer ajustes na política pública para evitar fraudes ou excessos, em nome da austeridade fiscal.
De outra forma, o desmantelamento também pode ser simbólico, estratégia consistente na transmissão de informações, por meio de discursos inseridos nas redes sociais e/ou outros meios de comunicação social, porém, com ausência de uma decisão formal. Por fim, o desmantelamento pode ser ativo, hipótese em que há uma decisão clara e formal do gestor no sentido de acabar com a política pública, alterando e revisando as normas jurídicas envolvidas na criação ou regulamentação da política pública.
A austeridade como justificativa para limitar o extinguir as políticas públicas.
Os Estados modernos limitam ou extinguem as políticas públicas através do discurso de austeridade. Por austeridade compreende-se a forma de deflação econômica através do corte do orçamento do Estado, gerando confiança para o mercado. Na prática, a austeridade pressupõe uma pressão do mercado econômico para redução dos gastos públicos por meio da revisão orçamentária do Poder Executivo, efetivando-se por meio de cortes substanciais nas políticas públicas.
Os ajustes fiscais, oriundos dos regimes econômicos, atingem diretamente as políticas públicas básicas e essenciais de atendimento à população socialmente vulnerável e com pouco ou quase nenhuma condição de compreender, discutir e enfrentar os problemas do horror econômico.
O Brasil passou e perpassa por momentos críticos na trajetória de políticas públicas. Em 1985, com o processo de redemocratização e, em 1995, com a reforma do Estado, o País viveu o liberalismo econômico. Entre os anos de 2003 e 2015 o Pais passou por um vultuoso processo de reorganização do Estado, o que incluiu o fortalecimento dos direitos sociais prescritos na Constituição Federal de 1988, através um amplo pacto social e da organização e implantação de programas sociais. Entre os anos de 2016/2018, o País passou por um ajuste fiscal que culminou com a edição da Emenda Constitucional n.º 95/2016 que limitou os gastos públicos, atingindo diretamente os programas sociais. Já em 2019, há um novo vade mecum para as políticas públicas, caracterizado pela asfixia os programas sociais.
A questão, entretanto, é que em todo esse período o discurso e a prática da austeridade serviram apenas para o mercado, atingindo diretamente a qualidade de vida dos pobres. Igualmente, a austeridade não resolveu os problemas relacionados com a geração de emprego e renda. Portanto, olhando a austeridade na prática, os ajustes fiscais existem apenas para cortar os recursos destinados às políticas públicas voltadas ao atendimento social, favorecendo por outro lado, as políticas econômicas do mercado.
O desmonte das políticas públicas ambientais em 2019[3].
Um raio X do vade mecum das políticas públicas ambientais, implementadas a partir do ano de 2019, revelam que o Brasil está regredindo nas políticas socioambientais. As políticas ambientais, além de perderem força política (vide a tentativa de acabar com o ministério do Meio Ambiente), estão sob risco pela completa submissão das políticas ambientais aos interesses econômicos e mercadológicos.
Os holofotes internacionais estão voltados para Brasil e a comunidade internacional acompanha com preocupação do desmantelamento das políticas ambientais, promovidas pelo atual governo, destacando a posição do Brasil acerca da agenda climática. Segundo Carlos Ritti, secretário-executivo do Observatório do Clima, se o Brasil retroceder nesses aspectos, isso vai ameaçar a reputação não apenas do país, como de suas commoditties e empresas exportadoras. Já o presidente francês Emmanuel Macron e a chanceler alemã Ângela Merkel sugeriram que as posições sobre meio ambiente do novo governo brasileiro ameaçam o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. E não menos aguda é a sugestão do editorial do Washington Post ao defender, abertamente, a realização de boicote aos produtos brasileiros em razão das estratégias ativas do Governo brasileiro para desmontar as políticas ambientais.
É possível deduzir, de forma objetiva, que o Governo do Brasil, atualmente, atenta contra as políticas socioambientais a partir das seguintes constatações prescritas nas Medidas Provisórias e Decretos editados (arcabouço legal):
- Supressão no ministério do Meio Ambiente da política volta para o combate aos desmatamento, queimadas e desertificação;
- Supressão no ministério do Meio Ambiente da política de gestão territorial e produção de comunidades indígenas;
- Supressão no ministério do Meio Ambiente da política de responsabilidade socioambiental, produção e consumo sustentável;
- Supressão no ministério do Meio Ambiente da política de interlocução com a sociedade na pauta ambiental.
Para além da supressão das políticas públicas ambientais, a nova agenda ambiental do Brasil reduziu os investimentos do ministério do Meio Ambiente na área de educação ambiental. Na mesma trilha, o ministério perdeu poder sobre as negociações internacionais e, ainda, perdeu capacidade de fixar e editar normas ambientais.
Embora o governo não tenha concretizado a estratégia, simbolicamente apregoada, de acabar com o ministério do Meio Ambiente, houve a transferência de importantes políticas públicas ambientais para outros ministérios, realizando um verdadeiro esvaziamento da pasta ambiental, constatada pelas seguintes alterações legislativas:
- Deslocamento das políticas públicas envolvendo o serviço florestal Brasileiro, o Cadastro Ambiental Rural e a Economia da floresta para o Ministério da Agricultura;
- Deslocamento das políticas públicas envolvendo as mudanças climáticas para os Ministérios da Agricultura, da Ciência e Tecnologia e da Economia e Comunicação.
- Deslocamento das políticas públicas envolvendo recursos hídricos e a Agência Nacional de Agua para o Ministério do Desenvolvimento Regional.
Conclusão.
Embora seja possível compreender que o desmantelamento das políticas públicas ambientais seja uma “política pública”, resta evidenciado que o Brasil inicia, em 2019, um processo de inversão da lógica e do conceito de políticas públicas ambientais sustentáveis.
Usando diferentes estratégias, o governo brasileiro, aparentemente, não pretende recuar nas ações necessárias para “reformular” as políticas ambientais, introduzindo valores econômicos e ideológicos próprios da nova arena política.
Resta à sociedade, com cautela na interpretação das “intenções” do governo e, apartando as paixões democráticas, acompanhar a gestão pública e exigir o cumprimento do art. 225 da Constituição Federal, mesmo que para tanto seja necessário constranger o governo através de ações políticas no Poder Legislativo ou de ações através do Poder Judiciário por meio da tutela jurídica do meio ambiente.
Notas e Referências
[1] Artigo escrito a partir das provocações e destaques oriundos da disciplina política pública e sistema agroalimentar, ministrada pelo Professor Sergio Pereira Leite, no programa de pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
[2] Texto de base e de fundamentos: Journal of European Public Policy, 2013 Vol. 20, No. 5, 795 –805, http://dx.doi.org/10.1080/13501763.2013.771092. Research agenda section Edited by Robert Thomson POLICY DISMANTLING Andrew Jordan, Michael W. Bauer and Christoffer Green-Pedersen
[3] Texto de base e fundamento. Disponível em https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/o-que-muda-ou-resta-no-meio-ambiente-com-a-reforma-de-bolsonaro. Acesso em 31 de maio de 2019.
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