O estudo sobre o desenvolvimento da democracia na humanidade é um tema penoso para os filósofos, que não escaparam às críticas, e para os estudiosos das ciências políticas pela incansável tentativa de conciliar os direitos naturais à liberdade e à igualdade.
Dentre os filósofos expostos ao debate científico, Tocquevile[1] foi um dos que aceitaram o desafio dos contratualistas para debater as questões envolvendo os dilemas da democracia, cuja questão central pode ser resumida em o que fazer para que o desenvolvimento da igualdade irrefreável não seja inibidor da liberdade podendo por isso vir a destruí-la.
A democracia, em definição livre, pode ser definida como sendo um regime político em que todos os cidadãos participam em condições de igualdade, seja de forma direta, ou indireta por meio de representantes eleitos através do sufrágio universal. A democracia alcança aspectos e condições sociais, econômicas, políticas e culturais que permitem ou facilitam o exercício do direito à liberdade e à igualdade em uma nação.
A participação popular, corolário da democracia, é fonte de criação do Estado e de fixação do poder político e, a contrário sensu, cria riscos para o desenvolvimento da própria democracia. Segundo Tocqueville[2], o desenvolvimento da democracia em diversos povos enfrenta dois riscos: a) o aparecimento de uma sociedade de massa, possibilitando a realização da Tirania da Maioria e, b) o surgimento de um Estado autoritário despótico.
Célia Galvão Quirino[3], a partir de Tocqueville explica que a Tirania da Maioria pressupõe o desenvolvimento de uma sociedade onde hábitos e valores são definidos por uma maioria, destruindo as possibilidades de manifestação de minorias ou mesmo de indivíduos diferenciados.
Para tanto, a Tirania da Maioria é criada pela sociedade capitalista e fundada nos fatores reais de poder, responsável por determinar os comportamentos morais e legais aceitáveis à convivência social. A questão, entretanto, é que a maioria de Tocquevile é a massa da atualidade, com uma importante ponderação; a Tirania da Maioria não pode ser compreendida, atualmente, como uma manifestação consciente e evoluída de um certo e determinado “agrupamento” social, pois, na verdade, o que pensa e o que consome a maioria é geralmente a expressão da vontade de uma minoria que ocupa os espaços de poder e de decisão dentro da política e da economia, seja no cenário local, nacional ou internacional.
Neste contexto, há uma sensação de que a decisão da maioria é a legitimação do sistema, porém, essa sensação pode não ser verdadeira na medida em que a maioria pode não deter “consciência” plena dos fatores reais de poder que envolvem a cena política e social ou quando a maioria possui condições de compreensão das condições políticas e o sistema legal não permite a vazão e a concretização prática da sua vontade – como é o caso da denúncia da Procuradoria Geral da República em desfavor do Presidente Michel Temer e a decisão da Câmara dos Deputados que não representou o pensamento da maioria da população brasileira.
O outro fator de risco à democracia é o Estado autoritário despótico. Trata-se do acometimento do individualismo exacerbado que desloca a pessoa e, consequentemente, a sociedade do interesse pela coisa pública, voltando toda a atenção apenas para os afazeres pessoais que objetivem o enriquecimento pessoal e a manutenção do poder político e econômico de famílias ou grupos. Nesta hipótese, o afastamento do cidadão do Estado permite que o Estado se torne autoritário e, paulatinamente, sem a vigilância social e com uma liberdade indesejada, estabeleça um estado de direito violador do direito natural à igualdade e à liberdade.
A imbricação entre os riscos do desenvolvimento da democracia e o descuido com o meio ambiente se entrelaçam nos dois eixos; considerando que tanto na Tirania da Maioria quanto no Estado autoritário despótico não é possível observar a criação de políticas de sustentabilidade.
Na sociedade da Tirania da Maioria, como explicado, as decisões e as vontades manifestadas representam muito mais a cultura das elites detentoras dos meios de produção e da economia do que a vontade livre e consciente de seus integrantes. Assim, dentro da lógica do desenvolvimento capitalista, a maioria acaba “decidindo” e expressando um consentimento viciado e autodestrutivo em relação ao uso dos bens ambientais.
Em relação ao eixo do Estado despótico, a situação não se difere, pois, na medida em que o indivíduo deixa de participar ativamente da política pública, seja como fiscal, seja como parte do governo; os detentores de mandatos (prefeitos, vereadores, deputados, governadores, senadores e presidente), passam a atuar com ampla e perigosa liberdade. Um Estado autoritário não reconhece os próprios limites, inclusive quanto a importância de sopesar e incluir as questões de ordem ambiental dentro da tomada de decisão em relação às políticas de desenvolvimento social e econômico. De outro lado, os indivíduos, preocupados com o enriquecimento pessoal, com o lucro momentâneo e, ainda, afastados do Estado, acabam desprezando ou relativizando os danos ao meio ambiente provocados pelo crescimento irresponsável da economia de consumo.
A democracia e o meio ambiente, embora pareçam estar em contextos políticos e ideológicos diferentes e, para muitos, seriam inconciliáveis; possuem dois núcleos comuns: a) a essencialidade à sociedade e, b) a fragilidade na manutenção.
A essencialidade decorre, em relação à democracia, pelo fato de envolve os direitos naturais caros à sociedade – a liberdade e a igualdade. Em relação ao meio ambiente, trata-se de proteção da própria existência da vida no planeta terra. Quanto a fragilidade, tanto a democracia quanto o meio ambiente exigem a atenção e a participação do cidadão. Na democracia, a ausência do cidadão no processo político pode ocasionar, conforme demonstrado, a instituição de um Estado tirano. Já em relação ao meio ambiente, a falta da cidadania pode prejudicar a qualidade de vida no meio urbano, a destruição da vida na fauna e na flora e, também, prejuízos incalculáveis para o meio ambiente cultural.
Para concluir, parafraseando Thomas Jefferson o preço da democracia e do meio ambiente sustentável é a eterna vigilância da sociedade. Desta forma, é necessário que a sociedade assuma o seu papel na democracia e, por meio dos processos e procedimentos legais ou revolucionários, deixe a condição de massa de manobra política, assuma a condição de sujeitos políticos ativos por meio do exercício da cidadania e fortaleçam os movimentos sociais que lutam por liberdade, igualdade e garantia da sustentabilidade no desenvolvimento econômico e social.
Notas e Referências:
[1] WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política. Vol. 2, 11ª ed. São Paulo: Ática, 2014, pg. 153.
[2] Op. cit. pg. 155.
[3] Op. cit. pag. 155, Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade.
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