O DESAJUSTE HERMENÊUTICO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES NO TRATO DO PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA NO BRASIL

07/04/2018

No dia 18/02/2018, o Conjur publicou matéria intitulada “Não aplico o princípio da insignificância porque não está previsto em lei". A frase é da juíza Patrícia Alvarez Cruz, chefe do Departamento de Inquéritos Policiais de São Paulo (Dipo-SP), que nega o trato do Direito Penal a partir do prisma da fragmetariedade porque não há, no plano legislativo, mandamento que vincule a sua decisão nestes termos. [1]

Apesar de preocupante, a postura não surpreende. Lesões a Princípios Fundamentais do Direito Penal não se mostram isoladas ou pontuais. Refletem, hoje, uma ideologia repressiva e conservadora que culmina por afetar todo o processo de incriminação e suas respectivas penas. Para confirmar essa tese, basta voltar os olhos para aquilo que vem decidindo os Tribunais Superiores acerca da matéria. Não raro, verifica-se uma tremenda confusão discursiva para delimitação, no caso concreto, daquilo que poderia ocupar a noção de ofensividade e, por consequência, a (in)devida intervenção penal.

A partir disso, o breve estudo busca sanar a seguinte dúvida: os vetores interpretativos sedimentados pelos Tribunais Superiores do Brasil para o reconhecimento da atipicidade material da conduta em razão da mínima lesão ao bem jurídico encontram amparo dogmático no Princípio da Intervenção Mínima?

Para enfrentar o problema, inicialmente, tratar-se-á dos requisitos para a aferição das hipóteses de incidência do Princípio da Intervenção Mínima a partir das concepções funcionalistas em Direito Penal, construção que é fundada na lesividade, subsidiariedade e fragmentariedade. Mais adiante, apresentar-se-ão as carências de referências dogmáticas dos vetores elencados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal no trato da intervenção mínima em Direito Penal, chegando-se a levar em conta características pessoais do agente para se manifestar sobre a existência ou não do fato criminoso, majorando a discriminação que já é intrínseca ao processo de criminalização. 

OS SIGNIFICANTES NORMATIVOS DO BEM JURÍDICO PENAL

A Teoria do Bem Jurídico desempenha um papel central no Direito Penal do mundo ocidental, tanto europeu quanto brasileiro, pois o Brasil é tributário, especialmente, da dogmática penal alemã. E essa centralidade pode ser diagnosticada a partir do clássico preceito formulado por Winfried Hassemer e Francisco Muñoz Conde: “o bem jurídico é o critério central para determinar corretamente o merecimento de pena que, para salvaguardar, de algum modo, os direitos das diferentes partes que intervém no conflito penal, deve ser complementado com outros critérios, como a danosidade social, a subsidiariedade, a tolerância, etc.”[2].

Mas, afinal, o que pode ser considerado “Bem Jurídico”? Estudo realizado por José L. González Cussac, Paulo Cesar Busato e Rodrigo L. F. Cabral[3] traça as principais noções de Bem Jurídico tratadas pela doutrina penal ao longo do tempo.

Em primeiro lugar, fala-se de uma concepção formal, a qual entendia que o Bem Jurídico era desprovido de qualquer significação material. Conforme essa orientação, a lesão ocorreria com a pura desobediência às prescrições legais e, assim, identificava-se com a finalidade contida na própria norma.

Mais tarde, passa-se a cuidar de uma concepção material do Bem Jurídico Penal. Essa orientação se encontra alinhada as ideias de direito subjetivo, interesse, valor, etc.[4], os quais, em grande medida, relacionam-se com a ideia de repercussão social e, a partir dela, de dano ou aquilo que se compreende por lesividade social.

Atualmente, os parâmetros dessas duas orientações são distinguidos a partir de novas formulações. Com relação à primeira, pode-se falar em concepções teleológico-formais que, originárias no interior da corrente funcionalista (estratégica), contemplam a norma e as categorias da teoria do delito (o bem jurídico, inclusive) a partir de suas consequências, ou seja, da pena[5]: o objetivo aqui seria, assim, assegurar as expectativas normativas pelo que, o conceito é desprovido de qualquer função de tutela.

Em sentido contrário, as novas formulações materiais são elaboradas a partir da perspectiva do Estado Social de Direito. Busca-se, neste contexto, recuperar a função limitadora do Bem Jurídico conectando-o às finalidades do ordenamento jurídico e à política criminal (teleológico-material) e com as finalidades consagradas na Constituição (teses constitucionalistas).[6] Desse Modo, conforme os mencionados autores[7], um conceito pedagógico de Bem Jurídico pode ser definido como “todo valor da vida humana (bem) protegido pelo Direito (jurídico) ”[8].

São, portanto, circunstâncias reais a partir das quais se busca promover uma vida segura e livre, que garanta os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos. [9] Por isso, Claus Roxin[10] defende um conceito de bem jurídico limitador à legislação penal, na medida em que pretende mostrar ao legislador as fronteiras de uma punição legítima. Por isso, promove severas críticas ao conceito metódico de bem jurídico (fundado na concepção formal anteriormente explanada), segundo o qual como bem jurídico unicamente se deve entender o fim das normas, a ratio legis.

Neste passo, os critérios para a legitimação de normas a partir das Teorias que tratam do Bem Jurídico Penal como núcleo fundante para o Direito Penal constituem um filtro no processo de incriminação, tanto no campo abstrato de tipificação das condutas (seletividade na indicação dos bens que receberão a tutela penal) quanto no campo concreto de aplicação da norma (com a limitação à cominação e a aplicação da penas). Nesta perspectiva dogmática, “além de reduzir a intervenção punitiva do Estado, faz-se necessário qualificar tal intervenção de forma socialmente adequada”[11], levando-se em conta bens jurídicos considerados realmente dignos de tutela penal.

O Direito Penal, assim, pode ser utilizado, também, como instrumento de crítica, seja política ou constitucional, tanto nas práticas legislativas quanto nos diversos exercícios que promovem a criminalização secundária[12] na forma daquilo que tratou Luigi Ferrajoli[13]: “o grau de civilização de um Estado é medido, sobretudo, pela economia das proibições e penalidades, e pelo grau de tolerância social expressada no comportamento desviante, especialmente quando não se ofende os Direitos Fundamentais das pessoas”.

A proposta deve se ajustar, portanto, à proteção dos Direitos Fundamentais no controle social daquilo que Paulo Cesar Busato[14] chama de “controle do intolerável”. E o intolerável, segundo o autor, passa pela existência de um ataque grave a um bem jurídico essencial ao desenvolvimento do indivíduo na sociedade. Essa, e nenhuma outra, deve ser a justificação da imposição de uma norma jurídico-penal, a qual somente pode ser considerada válida diante da pretensão de justiça.

Por esta razão, frente ao nosso modelo constitucional, o Bem Jurídico deve operar como um limite ao Estado (função negativa), e jamais em sentido contrário. Esse limite, importa anotar, não obriga o Estado a criar tipos penais ou mesmo, a punir nem mesmo nos casos em que se verificam socialmente danosos. É que o Estado possui outros instrumentos de tutela de bens jurídicos, bastante distintos daqueles produzidos a partir do Direito Penal, de forma que não se pode inverter o sentido do âmbito de proteção[15] (ultima ratio). 

O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA NO BRASIL

No Brasil, o Princípio da Intervenção Mínima é tratado sob a denominação de princípio da bagatela ou princípio da insignificância, nomenclatura que foi mencionada por Claus Roxin na obra Política Criminal y Sistema del Derecho Penal[16] editada pela primeira vez em 1972. [17]

Na perspectiva da insignificância, a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Assim, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal (adequação da conduta ao tipo) podem não apresentar nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal (por ausência de tipicidade material) porque, nesses casos, o bem jurídico penalmente tutelado não chegou a ser afetado.[18]

Embora no contexto brasileiro a esmagadora maioria dos autores trate da insignificância como princípio orientador da intervenção penal, há autores que fornecem severas críticas a essa questão terminológica por entenderem que essas expressões (bagatela ou insignificância) minimizam a importância do tema porque, foneticamente, associa o princípio a uma questão de pouca importância quando, realmente, ocupa o núcleo da filtragem político-criminal.

Paulo Cesar Busato[19], por exemplo, entende que as expressões induzem conclusão de que o objeto material sobre o qual se debruça o intérprete é o determinante único da necessidade de intervenção penal. Por vezes, isso acaba por contaminar a práxis forense brasileira, pois resta associada a uma necessidade positivista atávica, manifestando-se em decisões que referem expressamente à necessidade de fixação objetiva, por exemplo, de valores de referência para crimes patrimoniais.

De outra parte, ainda conforme o autor referido, a adoção da expressão intervenção mínima dá a exata medida e os precisos contornos do princípio, pois deixa claro que a intervenção do Estado pela via do Direito Penal é reservada, seletiva, mínima, em face das circunstâncias, jamais vinculada a critérios objetivos e, menos ainda, a valores determinados.

No final da década de 1980, alguns casos tangenciaram o Princípio da Intervenção Mínima no Supremo Tribunal Federal. No entanto, o RHC 66.869 julgado em dezembro de 1988, de Relatoria do Min. Aldir Passarinho, é o precedente apontado como o primeiro em que a Suprema Corte reconheceu a atipicidade material do fato com fundamento no princípio da insignificância.[20] Dezesseis anos mais tarde, vem a julgamento aquele que é considerado o verdadeiro marco da jurisprudência do STF na matéria. No precedente, pela primeira vez, são expostos, de forma analítica, os fundamentos e os quatro vetores que mais tarde seria matéria sedimentada para a aplicação do princípio da insignificância em matéria penal no Brasil.[21]

Apoiando-se neste precedente, foram assentadas algumas premissas alinhadas diretamente ao Princípio da Intervenção Mínima: a) a insignificância é fundada nos postulados da fragmentariedade e subsidiariedade; b) a insignificância exclui a tipicidade material do fato[22]; e, c) para o reconhecimento da insignificância, devem ser observados os quatro vetores que orientaram o HC 84.412[23], quais sejam: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;  e, d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. [24]

Ao que parece, então, o Tribunal não conceberia, doravante, a existência de uma conduta típica que não afetasse o bem jurídico tutelado pela norma. Seria, essa lesão, indispensável, portanto, para configurar a tipicidade penal, adequando a jurisprudência àquilo que a doutrina já vinha sustentando a tempos: “o bem jurídico desempenha um papel central na teoria do tipo, dando o verdadeiro sentido teleológico (de telas, “fim”) à lei penal. Sem o bem jurídico, não há um "para quê?" do tipo e, portanto, não há possibilidade alguma de interpretação teleológica da lei penal (...)"[25].

Ao se consultar os precedentes dos Tribunais Superiores, é possível diagnosticar o quanto é aceita a orientação formulada a partir dos quatro vetores interpretativos (oriundos, conforme tratado, do HC 84.412, do STF) no trato do Princípio da Intervenção Mínima no Brasil. 

A INCONSISTÊNCIA HERMENÊUTICA DOS VETORES PARA O CONTROLE DO INTOLERÁVEL NO BRASIL 

Em análise aos vetores (mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica provocada) sedimentados pelos Tribunais Superiores para o reconhecimento (ou não) de fato insignificante, percebe-se, desde logo, que eles não se alinham as ideias fundantes do Princípio da Intervenção Mínima, o que possibilita que esses Tribunais se utilizem de distorções interpretativas bastantes graves em seus precedentes, orientando os Tribunais das Unidades Federativas a replicar essas deformidades.

Exemplo disso pode ser constatado ao se voltar os olhos para as inúmeras decisões que negam o caráter de mínima intervenção do Direito Penal em razão da suposta reincidência penal do agente (por vezes, utilizando-se da expressão “reiteração delitiva”)[26], isto é, por circunstâncias atinentes ao sujeito do crime, e não do fato praticado por ele.

A linha argumentativa, na maior parte desses casos, é no sentido de que aplicação do princípio da insignificância deve ser precedida de “criteriosa análise de cada caso”, mas, sobretudo, a fim de evitar que a sua adoção indiscriminada constitua “verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais”. [27] Neste passo, a lesão ao bem jurídico penalmente tutelado não seria o único parâmetro a ser avaliado. Pelo contrário, os Tribunais Superiores do Brasil ostentam inúmeros precedentes que reconhecem a tipicidade penal do fato em hipóteses em que o agente ostenta condenações anteriores ou, até mesmo, inquéritos policiais ou ações penais em curso[28], haja vista que, nesta última condição, embora possa se falar em agente tecnicamente primário, “referida situação pessoal evidencia uma habitualidade delitiva, o que não pode ser tolerado pelo Direito Penal”[29].

Observa-se, assim, uma flagrante transmudação do Princípio da Intervenção Mínima e dos critérios da fragmentariedade e subsidiariedade, pois aquilo que tem a função de limitar o ius puniendi, é manipulado como verdadeiro instrumento para interpretações extensivas da norma penal. Em outras palavras, “determinadas construções dogmáticas convertem um limite do ius puniendi em uma demanda e justificação do mesmo, de modo que subvertem sua função de freio para transmudá-lo em um acelerador de incriminação”[30]

DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DOS BENS JURÍDICOS A TOTAL PROTEÇÃO DOS BENS JURÍDICOS: UMA APROXIMAÇÃO DO DIREITO PENAL DE AUTOR

A desorientação hermenêutica no trato do Princípio da Intervenção Mínima no Brasil é tão brutal que se chega a aportar para um verdadeiro Direito Penal de Autor[31], levando-se em conta, antes de qualquer outro qualificativo, as condições pessoais do réu (inquéritos policiais em curso, antecedentes e reincidência) para se verificar se o fato é, ou não, penalmente típico: esquece-se o fato praticado e concentra-se na pessoa do agente.[32] Por certo, esse tratamento dirigido à pessoa do réu propõe um modelo de exegese bastante esquizofrênico, conforme se pode constatar do exemplo trazido por Paulo Cesar Busato[33], onde seria bastante curioso submeter a Corte à consideração da seguinte hipótese: “A”, reincidente, em concurso de pessoas com “B”, agente completamente primário e de bons antecedentes, cometem determinada subtração de valor irrisório, verdadeiramente sem qualquer importância. Perceba-se que, seguindo o seu plano hermenêutico, estar-se-ia forçado a reconhecer o injusto penal apenas para um dos agentes (?).

Sustenta-se no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que as teorias afetas a um Estado Democrático de Direito, tais como o Princípio da Intervenção Mínima, e que tendem a afastar ao máximo a incidência do Direito Penal “não podem servir como passaporte, carta branca ou green card para a prática de condutas típicas”. Desse modo, o reconhecimento da insignificância para agentes com registros criminais pretéritos, representaria, portanto, estímulo para a prática reiterada de pequenos crimes sem punição.[34]

Ocorre, no entanto, que tipicidade penal (tanto a formal quanto a material) não comporta qualquer relação com a pessoa do agente (se processado, condenado ou reincidente). As questões relacionadas ao autor da conduta só poderiam ser levadas em conta após a prova de que estão presentes todos os componentes do injusto e numa eventual dosimetria de pena em caso de condenação (CP, art. 59 do Código Penal[35]), ou seja, após comprovada a presença de tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Afastados qualquer dos dois primeiros substratos, não se pode falar em injusto e, por consequência, não há, legitimamente, qualquer possibilidade de responsabilização penal.

A jurisprudência que prevalece no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, porém, estabelece exatamente o contrário: afasta-se o princípio da insignificância a agente em situação de reiteração delitiva (tecnicamente reincidentes ou não). Nesta perturbada (des)orientação, a subtração de um tablete de chocolate de uma loja que compõe uma grande rede de supermercados pode ou não ser crime, e essa determinação da existência do fato criminoso dependerá de aspectos relativos à pessoa do réu. Nega-se, assim, a tradição dogmática de um Direito Penal de Culpabilidade para se instalar um verdadeiro Direito Penal de Autor no Brasil[36], semelhantemente à proposta e limites materiais trazidos por Günther Jakobs na década de 1980: criminalização no estágio prévio à lesão a bem jurídico”[37]. Neste passo, “o Direito Penal poderia ser caracterizado pela imagem do agente de que ele parte”[38].

Além disso, converte-se o Princípio da Exclusiva Proteção dos Bens Jurídicos (Claus Roxin) num princípio de total proteção dos bens jurídicos, renunciando-se à proteção de sua segurança jurídica de liberdades públicas frente ao poder do Estado em troca de uma suposta e falsa segurança material: a proteção de todo e qualquer interesse pela via do Direito Penal. Não é esta a missão do Direito Penal em qualquer sociedade que se pretende democrática.

Se a função do Bem jurídico consiste em ser o primeiro tópico da argumentação sobre a validade de uma norma, ou seja, o primeiro momento em todo processo de justificação da intervenção estatal[39], há de se respeitar requisitos para aferição da hipótese de incidência do Princípio da Intervenção Mínima, quais sejam:

  1. O reconhecimento de que o caso sob análise reflete um ataque a um bem jurídico fundamental para o desenvolvimento da vítima em sociedade;
  2. Que esse ataque seja grave o suficiente para justificar que a última instância de controle social (Direito Penal)[40]. A gravidade da lesão ao Bem Jurídico, por sua vez, deve ser medida tendo em conta: a) a classe de violação realizada, em face de sua tolerabilidade social; b) a intensidade do prejuízo ao bem jurídico da vítima em face de suas condições pessoais; e, c) se o emprego do Direito penal, na hipótese concreta, não é meramente simbólico, diante da melhor e mais eficaz possibilidade de solução do problema social por outra via[41] (institucionalizada ou não).

É claro que referido princípio da intervenção mínima não se prende, exclusivamente, ao valor intrínseco com Bem Jurídico. Porém, não há amparo dogmático ou exegese possível para se sustentar a tipicidade penal nas características pessoais do agente, salvo a possibilidade de que, assumidamente, tem-se um Direito Penal de Periculosidade e fundado, portanto, na pessoa do autor.

Assim, é patente a desorientação dogmática nos Tribunais Superiores sobre os contornos da tipicidade material no trato de um dos princípios mais importantes do Direito Penal para qualquer Estado que se diz Democrático, pois é o Princípio da Intervenção Mínima que funciona como elemento fundante de todo o processo de criminalização, tanto primário quanto secundário.

Por fim, apesar do discurso que recheia os votos dos precedentes no trato da matéria ser anotado como se refletisse verdadeira declaração de boas intenções, as razões em que os Tribunais se ancoram para aferir a tipicidade material da conduta rebaixam o Princípio da Intervenção Mínima ao cumprimento de meras funções cosméticas e que, assim, não ultrapassam o mero discurso, pois são “cunhados com o deliberado propósito de agravar ainda mais a discriminação que já é intrínseca ao processo de criminalização e conformação de suas regras” [42].

 

[1] Ver: GRILLO, Breno. Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2018, 9h10. Acesso em 18/02/2018. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2018-fev-18/entrevista-juiza-patricia-alvarez-cruz-chefe-dipo-sp>.

[2] HASSEMER, Winfried; Muñoz Conde, Francisco. Introducción a la Criminología y al Derecho Penal. Sevilha/ES: Tirant lo Blanch, 1989, p. 113-114. Conforme os autores, até mesmo os teóricos de orientação doutrinária que sustentam que a missão do Direito Penal não consiste na proteção de bens jurídicos, mas no fortalecimento dos valores ético-sociais e do sistema normativo precisam admitir, também, o critério do bem jurídico, pois o Direito Penal só pode perseguir aquelas metas dentro dos limites traçados pela Constituição e pela ideia do Estado de Direito. Nem a proteção dos valores ético-sociais da ação, nem o fortalecimento do reconhecimento normativo, nem, também, a proteção dos direitos legais, podem ser aceitos além do direito penal e do princípio da proporcionalidade. Assim, seja qual for a missão ou propósito do direito penal, sempre será limitado pela ideia do Estado de Direito (Obra citada, p. 114).

[3] CUSSAC, José L. González; BUSATO, Paulo Cesar; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Compêndio de Direito Penal Brasileiro: parte geral. Valência/ES: Tirant lo Blanc; Florianópolis/BR: Empório do Direito, 2017, p. 221-222.

[4] A compreensão da categoria “bem jurídico penal” é melhor realizada a partir da teoria do tipo. Assim, poder-se-ia definir a expressão como “a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegida pelo Estado, que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam”. Porém, sabe-se que toda definição, peca por tautologia se prescindir-se de sua explicação. Costuma-se, por exemplo, dizer que os bens jurídicos são, a vida, a honra, a propriedade, a administração pública. etc. Na verdade, “embora não seja incorreto afirmar que a honra seja um bem jurídico, isto não passa de uma abreviatura, porque o bem jurídico não é propriamente a honra, e sim o direito a dispor da própria honra, como o bem jurídico não é a propriedade, e sim o direito de dispor dos próprios direitos patrimoniais”. Ver: ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1 (Parte Geral). 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 403.

[5] Juarez Tavares explica que essa primeira perspectiva toma, simplesmente, a norma como instrumento de proteção imediata do interesse. Assim, ao se adotar essa orientação, a norma seria concebida como a forma estatal de manutenção e proteção de interesses sociais relevantes ou dominantes (ninguém nega que o direito não está alheio aos interesses da estrutura social, nem pode sobrevier por muito tempo sem eles). Uma vez promulgada, só caberia interpretá-la e fazê-la incidir no caso concreto (Conforme: TAVARES, Juarez. Teoria do Crime Culposo. 4. Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016, p. 254).

[6] Neste passo, quando se sustenta que toda incriminação visa a defender um bem jurídico, o conceito de bem jurídico pode ser entendido tanto de uma perspectiva dogmática quanto de uma perspectiva político-criminal, ou, para usar a famosa terminologia de Hassemer, tanto de uma perspectiva imanente ao sistema quanto transcendente ao sistema. De uma perspectiva dogmática, toda norma terá seu bem jurídico. Quanto a esse conceito, não há qualquer dúvida ou problema. Ele nada mais é que o interesse protegido por determinada norma, e onde houver uma norma, haverá um tal interesse.  O conceito político-criminal de bem jurídico seria, portanto, dados fundamentais para a realização pessoal dos indivíduos ou para a subsistência do sistema social, nos limites de uma ordem constitucional. Ver: GRECO, Luís. Modernização do Direito Penal, Bens Jurídicos Coletivos e Crimes de Perigo Abstrato. Com um adendo: Princípio da ofensividade e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 89.

[7] CUSSAC, José L. González; BUSATO, Paulo Cesar; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Compêndio de Direito Penal Brasileiro: parte geral. Valência/ES: Tirant lo Blanc; Florianópolis/BR: Empório do Direito, 2017, p. 212. Na mesma obra, os autores conceituam “Bem Jurídico” como “o primeiro momento em todo processo de sua justificação da intervenção estatal. É um requisito necessário, mas não suficiente para a legitimação constitucional da intervenção penal sobre a liberdade geral dos cidadãos (...). É todo valor, interesse ou direito digno, necessário e suscetível de proteção e cuja existência ou tutela não esteja proscrita constitucionalmente. (...) Em termos de justificação: a necessidade de tutela de um bem jurídico legitima a punição e transforma-se em um critério essencial na aplicação dos tipos penais.” (Obra citada, p. 217). Importa registrar, porém, que eles renunciam as concepções dogmáticas tradicionais (e dominantes) segundo a qual o bem jurídico desempenha uma função nuclear ao constituir o conceito que outorgaria especificamente cada delito com a combinação com a categoria “injusto penal”. Para eles, o que fundamenta a especificidade de cada delito não é o bem jurídico, mas a ação típica que o lesiona. Nesta perspectiva de análise, “ação típica” e “bem jurídico” são noções inseparáveis (Obra já mencionada, p. 218).

[8] Em Direito Penal, o Bem Jurídico pode ter natureza individual/pessoal (vida humana, patrimônio, incolumidade física, honra, etc.) ou coletivo/supraindividual (patrimônio histórico, meio ambiente, etc.).

[9] Essa segunda orientação subordina a norma a um processo de avaliação. A partir dessa perspectiva, a norma jurídica, em todas as suas fases, estaria submetida a um processo de verificação de legitimidade e validade, de modo que o interesse só pudesse nela se inserir na forma de valor jurídico, cuja lesão ou perigo de lesão condicionaria a intervenção estatal (Ver: TAVARES, Juarez. Teoria do Crime Culposo. 4. Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016, p. 254-255).

[10] ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. 2. ed. Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli.  Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 20.

[11] GALVÃO, Fernando. Direito Penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 117.

[12] Tem-se por criminalização secundária a seleção efetiva e definitiva operada pelas agências de repressão. Essas agências são os segmentos do Sistema Penal que atuam no plano concreto. Os segmentos básicos do sistema penal que funcionam neste momento do processo de criminalização são o policial, o judicial, e o executivo. Trata-se, portanto, de três grupos humanos que convergem na atividade institucionalizada do sistema. Conforme: CHAVES JR., Airto. OLDONI, Fabiano. Para que(m) serve o direito penal? uma análise criminológica da seletividade dos segmentos de controle social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 141.

[13] FERRAJOLI, Luigi. Derecho Penal Mínimo y Bienes Jurídicos Fundamentales. In: Revista de la Asociación de Ciencias Penales de Costa Rica. Marzo-Junio 1992. Año 4, nº 5.

[14] BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo/SP: Atlas, 2013, p. 17.

[15] CUSSAC, José L. González; BUSATO, Paulo Cesar; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Compêndio de Direito Penal Brasileiro: parte geral. Valência/ES: Tirant lo Blanc; Florianópolis/BR: Empório do Direito, 2017, p. 214.

[16] Ver: ROXIN, Claus. Política Criminal y Sistema del Derecho Penal. Traducción de Francisco Muñoz Conde. 2. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2002, p. 73. Conforme Roxin, para ser significativa no âmbito penal, “não é qualquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somente uma lesão relevante; uma forma delitiva de injúria é só a lesão grave a pretensão social de respeito. Como força deve ser considerada unicamente um obstáculo de certa importância, igualmente também a ameaça deve ser sensível para ultrapassar o umbral da criminalidade” (Obra citada, p. 74).

[17] Há autores, a exemplo de Cezar Roberto Bitencourt, que sustentam que a terminologia foi utilizada por Roxin pela primeira vez no ano de 1964, mas foi com a obra Política Criminal y Sistema del Derecho Penal que o princípio foi incorporado ao âmbito da doutrina.

[18] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 68-69.

[19] BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo/SP: Atlas, 2013, p. 64.

[20] Veja-se, porém, é possível encontrar antecedentes ainda mais remotos, em que a irrelevância penal dos fatos em questão foi utilizada como argumento para a concessão de ordens de habeas corpus. No único acórdão do Plenário sobre o tema (HC 39.289, Rel. Min. Gonçalves de Oliveira, j. 08.08.1962), discutiu-se o furto de “sete metros de pano cru”, tendo sido a ordem concedida por ausência de dolo. Em casos julgados em 09.03.1970 (RHC 47.694, Rel. Min. Thompson Flores) e 15.12.1970 (HC 48.370, Rel. Min. Djaci Falcão), os pacientes foram beneficiados por decisões que reconheceram a atipicidade do porte de pequenas quantidades de maconha para consumo pessoal, uma vez que as condutas ocorreram antes do advento do Decreto-Lei nº 385/1968. Ver: STF, 1ª Turma: Habeas Corpus 123.108 (MG). Relatoria do Min. Roberto Barroso. Julgado em 03/08/2015, p. 13.

[21] STF, HC 84.412, de Relatoria do Min. Celso de Mello, julgado em 19.10.2004. O acusado, no caso em questão, fora processado por furtar uma fita de videogame, avaliada em R$ 25,00 (vinte e cinco reais). Segue a ementa: “PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – ‘RES FURTIVA’ NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’. - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social”. Destacou-se.

[22] Isso porque, é bastante prevalente no âmbito doutrinário de que a ausência de grave lesão ao bem jurídico penalmente protegido pela norma penal afasta a tipicidade material. Dessa forma, a tipicidade penal deve ser avaliada em duas fases distintas: a) formal (adequação da conduta ao tipo legal); b) material (relevante ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado. Há autores, ainda que trabalham a tipicidade penal num modelo conglobante, incluindo a normatividade ao conceito de tipicidade penal: “Não obstante, não se deve pensar que, quando uma conduta se adequa formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente típica. Que uma conduta seja típica não significa necessariamente que é antinormativa, isto é, que esteja proibida pela norma (pelo "não matarás", "não furtarás" etc.). O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adeguem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem lesivas do bem jurídico tutelado. A antinormatividade não é comprovada somente coma adequação da conduta ao tipo legal, posto que requer uma investigação do alcance da norma que está anteposta, e que deu origem ao tipo legal, e uma investigação sobre a afetação do bem jurídico. Esta investigação é uma etapa posterior do juízo de tipicidade que, uma vez comprovada a tipicidade legal, obriga a indagar sobre a antinormatividade, e apenas quando esta se comprova é que se pode concluir pela tipicidade penal da conduta”. Ver: ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1 (Parte Geral). 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 398.

[23] Ementa citada na nota de rodapé nº 46.

[24] Importa lembrar que, embora em menor grau, há precedentes que trabalham com outros vetores, a exemplo do que se encontra no teor do julgamento do HC 107.082, de Relatoria do Min. Ayres Britto, de 24/04/2012. Neste julgamento, dentre os parâmetros para a aplicação do princípio da insignificância, fez-se referência, por exemplo, a vulnerabilidade social do agente. Sobre o tema, vale registrar que a vulnerabilidade do agente já foi objeto de estudo de Eugênio Raúl Zaffaroni e, para o autor, trata-se de critério para medição da culpabilidade, jamais da tipicidade. Conforme esse autor, quando o Processo Penal demonstra que o Acusado possui negatividades sociais que determinam a sua criminalização, essa condição deve servir para que se reduza a censura que o Estado possa fazer em relação ao seu comportamento. Ver: ZAFFARONI, Eugenio Raúl; SLOKUR, Alejandro; ALAGIU, Alejandro. Derecho Penal: parte general. 2 ed. Buenos Aires: Sociedad Anónima Editora, 2002, p. 650-657.

[25] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1 (Parte Geral). 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 402-403; Ver, ainda: BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 11. Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 84-90.

[26] Embora extremamente minoritário, vale anotar que é possível encontrar precedentes que desprezam as condições do agente no trato do princípio da insignificância (Exemplos: HC 112.400, de Relatoria do Min. Gilmar Mendes; HC 106.068, de Relatoria da Min. Carmen Lúcia; e HC 93.393, que tem como Relator o Min Cezar Peluso, etc.).

[27] Ver: STF, HC 120043/DF, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, Data de Julgamento: 19/11/2013. Data de Publicação: 03/12/2013; no HC 107.733 AgR, o mesmo Ministro fez considerações semelhantes ao denegar a ordem a paciente reincidente, condenado a um ano e três meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, por furtar seis barras de chocolate, avaliadas conjuntamente em R$ 31,80 (trinta e um reais e oitenta centavos).

[28] STJ, HC 250.126/AL, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 10/03/2016, DJe 21/03/2016.

[29] STF – HC 135317/MG. Relatoria da Ministra Carmen Lúcia. Segunda Turma. Data de Julgamento: 06/09/2016. Data de Publicação: 01/08/2017: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. TENTATIVA DE FURTO DE CELULAR E CARREGADOR DE CELULAR AVALIADOS EM R$ 274,00 (DUZENTOS E SETENTA E QUATRO REAIS). PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PACIENTE REINCIDENTE. ORDEM DENEGADA. 1. A verificação da tipicidade penal não pode ser percebida como o exercício abstrato de adequação do fato concreto à norma jurídica. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias da espécie em exame, no sentido de se decidir sobre a ocorrência de lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. Paciente reincidente na prática de furto tentado. Não incidência do princípio da insignificância. 2. Ordem denegada. 

[30] CUSSAC, José L. González; BUSATO, Paulo Cesar; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Compêndio de Direito Penal Brasileiro: parte geral. Valência/ES: Tirant lo Blanc; Florianópolis/BR: Empório do Direito, 2017, p. 215.

[31] Sobre o Direito Penal de Autor, ver: JAKOBS, Günther. MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do inimigo: noções e críticas. Org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

[32] Os precedentes que subvertem os critérios da Intervenção Mínima do Direito Penal são fartos: no RHC 117.751, de Relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, o paciente era processado por ter subtraído de um supermercado um desodorante, avaliado em R$ 15,12 (quinze reais e doze centavos); no julgamento do HC 101.998, o Relator, Min. Dias Toffoli, manteve a condenação a um ano de reclusão sem substituição por pena restritiva, pelo furto de nove barras de chocolate, avaliadas em R$ 45,00 (quarenta e cinco reais), ao considerar que o réu, por ser reincidente, teria “personalidade voltada à prática delituosa”; semelhantemente, no HC 118.089, a Relatora Min. Cármen Lúcia, manteve a condenação do paciente de dois anos de reclusão sem substituição por pena restritiva de direitos por ter subtraído do caixa de uma padaria uma cédula de R$ 50,00 (cinquenta reais) e um maço de cigarros. Curiosa é a fundamentação do acórdão: “comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal”; o então Ministro Teori Zavascki também acompanhava a posição majoritária. No julgamento do HC 114.877, manteve a condenação do réu a dois anos de reclusão por subtração de objeto avaliado em R$ 100,00 (cem reais). Conforme ele, “não se pode considerar atípica, por irrelevante, a conduta formalmente típica, de delito contra o patrimônio, praticada por paciente que possui condenações anteriores”; o Ministro Celso de Melo também tende a afastar a aplicação do princípio da insignificância quando o réu ostenta condenação definitiva (ver HC 111.016); Joaquim Barbosa, quando Ministro do Supremo, também adotava a mesma orientação (conforme HC 107.500).

[33] BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo/SP: Atlas, 2013, p. 64.

[34] É o que emerge dos precedentes: HC 110.951, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 27/02/2012; HC 108.696 Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20/10/2011; e HC 107.674, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14/9/2011.

[35] Art. 59 do Código Penal – “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível”. Destacou-se.

[36] Semelhante interpretação fez o Ministro Roberto Barroso, em voto (vencido) do julgamento do HC 123.108, de sua Relatoria, julgado em 05/08/2014 pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal: “(...) caso se entenda que o furto de coisa de valor ínfimo pode ser punido na hipótese de reincidência do agente, é preciso admitir que a questão da insignificância se move do domínio da tipicidade para o da culpabilidade. Isto porque, como visto, não é possível afirmar, à luz da Constituição, que uma mesma conduta é típica para uns e não para outros (os reincidentes), sob pena de configuração de um inaceitável direito penal do autor, e não do fato, como já decidiu este Tribunal”. Conforme nota 77 do Acórdão, p. 40.

[37] Ver: JAKOBS, Günther. MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do inimigo: noções e críticas. Org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

[38] GRECO, Luís. Modernização do Direito Penal, Bens Jurídicos Coletivos e Crimes de Perigo Abstrato. Com um adendo: Princípio da ofensividade e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 25.

[39] CUSSAC, José L. González; BUSATO, Paulo Cesar; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Compêndio de Direito Penal Brasileiro: parte geral. Valência/ES: Tirant lo Blanc; Florianópolis/BR: Empório do Direito, 2017, p. 217.

[40] Veja-se que a gravidade da lesão ao bem jurídico não comporta relação alguma com a fase do crime em que se atingiu a conduta. Não se deve levar em conta, assim, no juízo de tipicidade penal, se o crime é consumado ou tentado. Porém, essa característica, lamentavelmente, também tem sido critério para o reconhecimento da insignificância do fato em matéria penal no Brasil. Ver, por exemplo, o seguinte precedente: STJ, REsp 828094/RS, 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator Min. Arnaldo Esteves Lima. Julgado em 05/02/2009. Publicado em 16/03/2009.

[41] BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo/SP: Atlas, 2013, p. 67.

[42] BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo/SP: Atlas, 2013, p. 65.

 

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