O deputado federal Eduardo Bolsonaro pode ter o mandato cassado por apologia ao AI-5?  

27/11/2019

Não se pode ter dúvidas: o mandato representativo é sagrado, e a determinação de sua perda antecipada é medida que apenas pode ser tomada como última ratio. Tanto os processos de impeachment (crime de responsabilidade) quanto os de cassação de mandato parlamentar por quebra de decoro se submetem a um regime de excepcionalidade, cujo objetivo é proteger o status democrático constitucional e a vontade popular.

É dessa premissa que se impõe partir quando se questiona a possibilidade de o deputado federal Eduardo Bolsonaro perder o seu mandato em razão do abuso de prerrogativa parlamentar. Afirmado isso, assinale-se que a imunidade parlamentar quanto a opiniões, palavras e votos alcança apenas a esfera civil e penal como regra. Com efeito, a utilização da liberdade de expressão em contexto de enfrentamento democrático pode acarretar a instauração de processo de cassação de mandato por quebra de decoro nos termos do art. 55, II, da Constituição, bem como a aplicação da sanção de perda do mandato. A imunidade material não protege o parlamentar no que diz respeito à responsabilidade política.

No entanto, não é qualquer tipo de abuso de prerrogativas que legitima a cassação de um mandato parlamentar. A medida extrema somente é constitucionalmente cabível em face de condutas graves, comportamentos que ofendam a honra objetiva do Parlamento e a ameacem a fé nas instituições democráticas. Sublinhe-se, portanto, que a liberdade de expressão parlamentar é fundamento da luta política democrática, não podendo, em regra, dar causa a sanções ou ameaças. Não significa, por óbvio, que essa liberdade não encontre limites e que, frente a determinada conjuntura, demande responsabilização.

De fato, se considerássemos ilimitada a liberdade de expressão parlamentar, poderíamos estar diante de um verdadeiro paradoxo, em que, por meio de instrumentos e garantias democráticas, um deputado ou senador estaria apto a apresentar opiniões e propostas com vistas a eliminar o próprio regime democrático. Não comporta a liberdade de expressão parlamentar o discurso de ódio nem a apologia à ditadura ou à tortura. Tais narrativas contrariam frontalmente os princípios que alicerçam a nossa Constituição de 1988, demandando a afirmação de sua supremacia mediante a imposição de responsabilidade.

Se a solução do paradoxo democrático apresentado anteriormente se dá em sentido contrário, isto é, permitindo que toda e qualquer expressão política de um legislador seja imune a responsabilidades, não seria improvável, no futuro, vivenciarmos uma situação similar à narrada por Loewenstein quanto ao período pré-nazista na Alemanha: “as medidas destinadas a conter excessos políticos eram inúteis quando todo deputado radical podia, sob proteção de imunidades parlamentares sacrossantas, empregar a plataforma para minar a República”.[1] 

O deputado federal Eduardo Bolsonaro, ao fazer apologia ao AI-5 (Ato Institucional n. 5), editado em 1968 pela ditadura civil-militar brasileira, explicitamente põe sob ameaça a nossa ordem constitucional, as instituições democráticas e os direitos fundamentais. A sua conduta deve ser averiguada, evidentemente, dentro de um contexto, que pode tanto agravar como atenuar o seu comportamento, mas, em todo caso, os seus respectivos pares estão habilitados a impor punições.

De uma perspectiva política, não tomar qualquer atitude mais incisiva diante do ocorrido não parece razoável. Nesse passo, cumpre questionar se a cassação seria a sanção proporcional a ser aplicada. Aqui também a pergunta resvala na dimensão política, pois o Código de Ética, em seu art. 10, III, permite a suspensão do mandato por até 6 (seis) meses, o que, de pronto, representa uma sanção de natureza média e ainda preserva o mandato representativo. De qualquer forma, o cenário decisório permanece aberto.

 

Notas e Referências

[1] LOEWENSTEIN, Karl. Militant democracy and fundamental rights, I. The American Political Science Review, v. 31, n. 3, p. 427,  June 1937. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1948164>. Acesso em: 05 nov. 2019.

 

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