Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry
Cuidado: frágil
Tantos gritos ao nosso redor,
Luzes,
descompassos,
desatinos.
Como obstar os conflitos?
Como resguardar a amorosidade,
o encanto
a comensalidade?
A vida parece se perder em meio a tantos antagonismos,
contradições
impertinências.
Como resguardar o que é puro
para que não seja violado?
Maltratado?
Ignorado?
É algo simples,
É algo complexo.
É preciso um giro
É preciso cuidar do ser
Como se fosse necessário diante do ser criança
Muitos outdoors,
Placas de alertas:
“Cuidado: frágil!”
(Josiane Rose Petry Veronese)[1]
O ano novo se inicia e, se faz criança. Criança a anunciar a beleza da vida e sinaliza algo que é fundamental, a qual estamos perdendo em meio a tanta brutalidade e descompassos: a necessidade do cuidado.
O cuidado com a criança, com o adolescente, o idoso, com os mais vulneráveis, o cuidado com a nossa casa comum, a mãe natureza.
O ano novo anuncia que é imprescindível uma alegria acompanhada de esperança. Precisamos ser esperançosos, pois nos perdemos no poço da tristeza que alimenta em muitos, infelizmente, a depressão. Mas tal não basta. Há uma tomada de atitude que demanda desses novos tempos que o ano novo costuma trazer.
O novo ano anuncia a necessária coragem de enfrentarmos os nossos medos, de acreditarmos no outro e com ele nos comprometermos: a responsabilidade do cuidado.
Heidegger em Carta sobre o Humanismo revela que “a linguagem é a casa do ser” ((2013, p. 47), qual seja, a “morada do ser humano” (2013, p. 47), concluindo que “ao habita-la o homem ex-siste, desde o momento em que, guardando a verdade do ser, pertence a ela” (2013, p. 47)[2].
Pois bem, se a linguagem norteia e noz faz seres compromissados, muito mais, aliado ao exemplo poderá ver e retirar a criança do “mundo adulto” e de seus cuidadores.
É que a criança nos dá uma contínua e grande lição: ela se abandona, se lança nos braços de quem ama. A criança que vive em um ambiente seguro, que corresponde ao descrito no art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem esta saudável característica: confia.
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
Não à toa que devemos como adultos imitar a criança, no sentido que ela acredita que todos a protegem. Jamais possa passar no seu coração que seus pais, mães, responsáveis, amigos, possam lhe ferir. A criança em sua essência traz o mais puro dos conceitos: o adulto é protetor.
No entanto, nem sempre o cuidado, a proteção, o zelo, o carinho, o amor são reais. Crianças são violadas por quem deveria ser seus guardiães. Crianças são negadas na sua condição de sujeitos e, assim, atores de direitos, direito à proteção, ao cuidado[3].
Não existe insanidade maior que a violência, em especial, quando realizada pelos pais, responsáveis, escolas, instituições.
As crianças, todas, arteiras, quietas, rebeldes ou não. Nas palavras de Saramago: “anjos de cara suja”[4]. A poeira da bagunça, do estar nas ruas, calçadas, lambuzar-se na lama, os banhos de chuva.
“Anjos de cara suja”, não de fuligem, a denunciar o árduo trabalho nas fábricas, lavouras, carvoarias. Não foi para isso que nossas crianças nascem. Elas nascem para a vida. Tudo que é inverso ao seu pleno desenvolvimento é thanatus – morte. Criança é eros – vida.
Que 2021 traga a todos nós uma certeza renovada: é preciso acreditar no ser humano. As intolerâncias, as guerras e os egoísmos precisam ser banidos. Precisamos tão somente sermos humanos e nos fazermos criança. A necessária pequenez que nos ver o quanto somos insignificantes e nos perdemos em humanidade, quando esgotamos a nossa essência pelas vielas da violência.
Vencidas as vicissitudes de 2020, que possamos colher de 2021 um ano pleno de saúde, prosperidade e motivação a favor dos direitos da criança e do adolescente. Que a criança encontre seu respiradouro: é preciso proteção, é preciso cuidado, é preciso atitude na defesa de seus direitos.
Quando se é criança
Quando se é criança tudo é mais leve,
ou pelo menos,
deveria ser mais leve.
O olhar é puro,
as bagunças são terríveis,
as gargalhadas incontroláveis.
Por isso me dói na alma
A criança negada
A criança violada
A criança infeliz.
Violência e infância são palavras
que jamais poderiam estar juntas.
Uma é a negação da outra.
A violência aniquila a infância,
A infância é negada pela violência.
Criança e amor
Criança e brincadeiras
Criança e alegrias
Criança e estudos
Esses são os verdadeiros binômios
para a realização do ser criança
Criança feliz
Tão só e plenamente: criança.
(Josiane Rose Petry Veronese)[5]
Notas e Referências
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 1 jan. 2021.
Heidegger, Martin. Carta sobre el Humanismo. Versión de Helena Cortés y Arturo Leyte. Madrid: Alianza editorial, 2013.
SARAMAGO. José. O homem duplicado. São Paulo: Companhia das Letras,2002.
VERONESE, Josiane Rose Petry. Convenção sobre os Direitos da Criança - 30 anos: sua incidência no Estatuto da Criança e do Adolescente. Salvador: Editora JusPodivm, 2019.
VERONESE, Josiane Rose Petry (autora e organizadora). Direito da Criança e do Adolescente: novo curso, novos temas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
VERONESE, Josiane Rose Petry (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente: 30 anos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.
VERONESE, Josiane Rose Petry. Partitura em poemas. Florianópolis: Emais Editora, 2018.
[1] VERONESE, Josiane Rose Petry. Partitura em poemas. Florianópolis: Emais Editora, 2018, p. 22.
[2] Tradução da obra em espanhol.
[3] VERONESE, Josiane Rose Petry (autora e organizadora). Direito da Criança e do Adolescente: novo curso, novos temas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. E, ainda:
VERONESE, Josiane Rose Petry (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente: 30 anos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.
[4] SARAMAGO. José. O homem duplicado. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
[5] VERONESE, Josiane Rose Petry. Partitura em poemas. Florianópolis: Emais Editora, 2018, p. 52.
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