O CRIME DE PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO  

02/08/2018

 

 

Suicídio é a deliberada destruição da própria vida.

O ordenamento penal brasileiro não pune o suicídio, por impossibilidade de aplicação de sanção, e nem tampouco a tentativa dele, por razões de política criminal. Nesse sentido, merece ser lembrado o princípio da alteridade (“altero”), segundo o qual não deve ser considerada crime a conduta que não viole bem jurídico alheio (de outrem), de modo que pratica fato atípico aquele que ofende bem jurídico próprio.

A participação em suicídio, entretanto, é punida nos termos do art. 122 do Código Penal, que diz:

“Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.”

A objetividade jurídica do delito é a proteção do direito à vida, tendo como sujeito ativo qualquer pessoa, excluindo-se, evidentemente, aquele que se suicida ou tenta se matar.

Sujeito passivo é a pessoa capaz de ser induzida, instigada ou auxiliada a se suicidar. O sujeito passivo deve ter capacidade de discernimento. Caso contrário, estará caracterizado o crime de homicídio (ex.: agente convence um doente mental a se suicidar – responderá por homicídio, pois o doente mental não tem capacidade de discernimento).

A conduta típica vem expressa pelos verbos induzir, instigar ou prestar auxílio ao suicídio. Assim, a participação em suicídio pode ser moral ou material.

A participação moral é praticada por meio do induzimento ou da instigação.

Induzimento é a criação de um propósito inexistente. O agente cria na mente da vítima o desejo de suicídio quando esta ainda não pensava nele.

Instigação é o reforço de um propósito já existente. O agente reforça, estimula a ideia preexistente de suicídio.

A participação material é praticada por meio do auxílio ao suicídio.

O auxílio ao suicídio pressupõe a participação material no ato, o fornecimento de meios para o suicida alcançar o objetivo desejado, tais como o empréstimo do punhal, do revólver, o fornecimento de veneno etc.

A participação em suicídio é crime doloso, caracterizado pela vontade livre e consciente de induzir, instigar ou auxiliar a vítima na prática do suicídio.

É importante ressaltar que não há forma culposa do crime de participação em suicídio.

A consumação ocorre com o resultado morte ou lesão corporal de natureza grave. É crime material.

Com relação à punição, se a vítima tenta se suicidar e vem efetivamente a falecer, pune-se o participante (sujeito ativo) com a pena de reclusão, de 2 a 6 anos. Entretanto, se da tentativa de suicídio resulta na vítima lesão corporal de natureza grave, pune-se o participante (sujeito ativo) com a pena de reclusão, de 1 a 3 anos.

Curiosamente, de acordo com o que se desume do preceito secundário da norma penal, se o suicida, em razão do induzimento, da instigação ou do auxílio, sofre lesão corporal de natureza leve em consequência da tentativa de suicídio, o fato não é punível!

Igualmente, se a vítima tenta o suicídio e não sofre nenhuma lesão corporal, o fato também não é punível.

Portanto, não se admite a tentativa do crime de participação em suicídio. Isto porque o legislador condiciona a imposição de pena à ocorrência do resultado morte ou lesão corporal de natureza grave. Se não ocorrer nenhum desses dois resultados, ainda que a conduta seja interrompida por circunstâncias alheias à vontade do agente, não há crime.

A ação penal, por sua vez, no crime de participação em suicídio, é pública incondicionada, com iniciativa privativa do Ministério Público. O processo segue o rito estabelecido para os crimes de competência do júri, previsto nos arts. 406 e seguintes do Código de Processo Penal.

A participação em suicídio admite a modalidade qualificada, nos termos do disposto no art. 122, parágrafo único, do Código Penal, que ocorre nas hipóteses em que:

  1. a) o crime é praticado por motivo egoístico, que seria, por exemplo, o caso de o agente induzir a vítima a se suicidar para ficar com a sua herança;
  2. b) a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. No caso de menoridade da vítima, a doutrina não é unânime em estabelecer qual idade deveria ser considerada, havendo orientação majoritária no sentido de se tratar de maior de 14 e menor de 18 anos, por interpretação sistemática de outros dispositivos penais análogos. No caso de vítima menor de 14 anos, estará caracterizado o crime de homicídio. Casos de capacidade de resistência diminuída seriam aqueles em que o agente é portador de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou de grave doença, ou, ainda, quando se encontra em estado de embriaguez incompleta. Se a capacidade de resistência da vítima estiver suprimida, o agente responderá por crime de homicídio.

Finalmente, merecem ser ressaltadas algumas questões interessantes que podem envolver a participação em suicídio e que, não raras vezes, povoam os arquivos criminais.

A primeira delas é sobre a participação em suicídio por omissão. Embora havendo controvérsias na doutrina e na jurisprudência, é perfeitamente possível a participação em suicídio por omissão, desde que o agente tenha o dever jurídico de impedir o resultado (art. 13, § 2º, do CP). Exemplo clássico é o da enfermeira que, sabendo da intenção suicida do paciente, nada faz para impedir o ato, respondendo pela figura do auxílio, por omissão, ao suicídio.

Uma segunda hipótese interessante é a da chamada “roleta russa”, que pode ser definida como a prática consistente em deixar uma só bala no tambor de um revólver, fazê-lo girar, apontar o cano da arma para si próprio ou para outrem, sem conhecer a posição exata da bala, e apertar o gatilho, isso juntamente com outros participantes do ato, para demonstrar coragem ou desejo de experimentar emoções violentas. Nesse caso, vindo alguém a morrer, o(s) sobrevivente(s) responde(m) por participação em suicídio, pois a prática consiste em instigação ao suicídio.

Temos também a hipótese do “pacto de morte”, que é a combinação para o suicídio em comum. Morrendo um ou mais envolvidos, o(s) sobrevivente(s) responde(m) pela participação em suicídio, por instigação.

Já na eutanásia, o agente elimina a vida de sua vítima com o intuito de poupá-la de intenso sofrimento e acentuada agonia, abreviando-lhe assim a existência. Não constitui crime de participação em suicídio (art. 122 do CP), mas sim, em tese, homicídio por relevante valor moral (art. 121, §1º, do CP).

Outra questão interessante é a do “suicídio assistido”, em que o próprio doente provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da ajuda de terceiros. No caso, o terceiro que auxilia o suicida responde por crime de participação em suicídio.

Por fim, se a vítima é forçada a se suicidar, haverá crime de homicídio e não de participação em suicídio.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Puente // Foto de:Pablo BD // Sem alterações

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