O CRIME DE MANTER PRESOS DE AMBOS OS SEXOS NA MESMA CELA

19/09/2019

Recentemente sancionada e prevista para entrar em vigor no início de janeiro de 2020, a Lei nº 13.869/19, denominada Nova Lei de Abuso de Autoridade, previu como crime a conduta de manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento.

Efetivamente, o art. 21 da nova lei prevê pena de detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa para o agente público que descumprir o disposto no art. 82, §1º, da Lei de Execução Penal e no art. 37 do Código Penal.

O novo tipo penal vem assim redigido:

“Art. 21. Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem mantém, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).”

Ora, a preocupação com a separação de sexos no sistema prisional brasileiro vem de longa data, sendo observada na maioria dos estabelecimentos penitenciários, ainda que, de vez em quando, aqui e acolá, haja notícias de descumprimento dessa regra básica de convivência carcerária.

Inclusive, a Lei de Execução Penal traz, em seu art. 89, determinação no sentido de que a penitenciária de mulheres, além dos requisitos mínimos de metragem e salubridade, seja dotada de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, e mesmo amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade, e também de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. Ademais, de acordo com regramento trazido pela Lei nº 12.121/09, os estabelecimentos prisionais femininos devem possuir, exclusivamente, agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas.

No que se refere às mulheres mães privadas de liberdade, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução nº 252, de 4-9-2018, que estabelece princípios e diretrizes para o acompanhamento das mulheres mães e gestantes privadas de liberdade e dá outras providências. Dispõe o art. 7º da referida resolução que todos os direitos das mulheres privadas de liberdade com filhos serão garantidos, conforme disposto na Lei de Execução Penal, por meio da efetivação dos direitos fundamentais constitucionais nos estabelecimentos prisionais, respeitadas as especificidades de gênero, cor ou etnia, orientação sexual, idade, maternidade, nacionalidade, religiosidade e de deficiências física e mental. O art. 8º estabelece que a convivência entre mães e filhos em unidades prisionais ou de detenção deverá ser garantida, visando apoiar o desenvolvimento da criança e preservar os vínculos entre mãe e filhos, resguardando-se sempre o interesse superior destes, conforme disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Outrossim, a proteção penal, refletida no novo tipo penal, também recai sobre a criança ou adolescente, que não pode ser mantido na mesma cela na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado. O descumprimento dessa regra, portanto, configura crime de abuso de autoridade.

Com relação ao idoso, maior de 60 (sessenta) anos, a nova proteção penal instituída pelo legislador a ele não se estendeu, de modo que não pode ser acusado de abuso de autoridade o agente público que inobservar a regra estampada no art. 82, §1º, da Lei de Execução Penal, deixando de recolhê-lo a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal, remanescendo, nesse caso, exclusivamente a responsabilização administrativa.

Analiticamente falando, o novo tipo penal do art. 21 da Lei nº 13.869/19 prevê crime próprio, pois somente pode ter como sujeito ativo o agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, ainda que exerça, transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função. Sujeito passivo é a Administração, eis que se trata de abuso de autoridade. Secundariamente, pode ser sujeito passivo também a pessoa privada de liberdade que seja misturada com outras do sexo oposto ou com maiores de idade, no caso de criança ou adolescente.

A conduta típica vem expressa pelo verbo “manter”, que significa reter, conservar, perpetuar, indicando tratar-se de crime permanente, cuja consumação se protrai no tempo. Embora a característica da conduta possa indicar o contrário, entendemos que não há necessidade de habitualidade para a configuração do delito. A prática de apenas um ato já é apta à caracterização do crime. A tentativa, em tese, é admissível, embora de difícil configuração prática.

Por fim, trata-se de crime de ação penal púbica incondicionada, que ocasiona ao agente público a tríplice responsabilização, nas esferas penal, administrativa e civil, nos termos do art. 6º da lei. Como efeitos da condenação, podem ocorrer a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos e a perda do cargo, do mandato ou da função pública, valendo destacar que esses efeitos são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença condenatória.

 

Imagem Ilustrativa do Post: courthouse hammer // Foto de: pixabay.com // Sem alterações

Disponível em: https://www.pexels.com/photo/close-up-court-courthouse-hammer-534204/

Licença de uso: https://www.pexels.com/creative-commons-images/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura