O CRIME DE IMPEDIMENTO DE ENTREVISTA PESSOAL E RESERVADA DO PRESO COM SEU ADVOGADO

07/11/2019

O crime de impedimento de entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado vem previsto no art. 20 da Lei nº 13.869/19 (nova Lei de Abuso de Autoridade), tendo como objetividade jurídica o direito a ampla defesa assegurado aos acusados em geral, estampado no art. 5º, LV, da Constituição Federal.

Estando a nova Lei de Abuso de Autoridade em período de “vacatio legis”, o referido tipo penal apenas poderá ser aplicado após a entrada em vigor da norma penal, o que ocorrerá no início de 2020.

No “caput” do art. 20 vem punida a conduta de “impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado”, tendo como sujeito ativo o agente público que se enquadre nos moldes do art. 2º da referida lei. Evidentemente que legislador visou as autoridades judiciárias e policiais, responsáveis pela condução de interrogatórios, audiências de custódia (juízes) e prisões em flagrante (delegados). Sujeito passivo é o preso, que tem violado o seu direito à ampla defesa e também o advogado ou defensor, que tem sua prerrogativa violada. Quanto a este último, entretanto, resta tipificado o art. 7º-B, da Lei nº 8.906/94 (EAOAB), acrescentado pela nova Lei nº 13.869/19, uma vez violada a prerrogativa estampada no art. 7º, III, daquele diploma.

Dispõe, ainda, o parágrafo único do citado art. 20, que Incorre na mesma pena, de detenção de 6 meses a 2 anos e multa, quem impede o preso, o réu solto ou o investigado de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e com ele comunicar-se durante a audiência, salvo no curso de interrogatório ou no caso de audiência realizada por videoconferência.

Nesse último caso, o sujeito ativo somente pode ser o magistrado, já que há referência expressa a “audiência judicial”. Nada impede, entretanto, que, em caso de audiência por videoconferência, sem a presença física do juiz no estabelecimento prisional em que esteja o preso custodiado, este seja impedido por outro agente público de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor.

O direito a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado ou defensor já vem estampado em diversos diplomas legais vigentes no País, tendo o legislador, agora, criminalizado a conduta daquele que impede o exercício desse direito.

A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) traz, em seu art. 8º, item 2, alínea “d”, o “direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor”.

O Código de Processo Penal, no art. 185, §5º, dispõe: “Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.”

Também na Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), no art. 41, IX, vem garantido o direito do preso a “entrevista pessoal e reservada com o advogado”.

Questão interessante a ser enfrentada, entretanto, diz respeito ao alcance do crime em comento a adolescentes privados de liberdade. Estaria configurado o crime do art. 20 em caso de violação ao art. 124, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente?

Dispõe o art. 124, III, do ECA, que são direitos do adolescente privado de liberdade, dentre outros, o de “avistar-se reservadamente com seu defensor”.

Para alguns, não se poderia dizer, a rigor, que o adolescente privado de liberdade estaria “preso”, já que a apreensão em flagrante de ato infracional e a internação provisória têm características próprias e particulares, à vista da Doutrina da Proteção Integral que permeia o tratamento de crianças e adolescentes no Estatuto. Daí porque, estender o alcance da norma do art. 20 também nesses casos configuraria indevida analogia “in mallam partem”, vedada no Direito Penal brasileiro.

Há que se considerar, entretanto, que o legislador, ao criminalizar a conduta de impedir o preso de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado, pretendeu justamente conferir eficácia a todas as normas do ordenamento jurídico brasileiro que garantem a qualquer pessoa presa ou detida o direito não apenas à ampla defesa mas também ao devido processo legal como um todo, abrangidas aí todas as formas de privação de liberdade, inclusive as apreensões de adolescentes em conflito com a lei e as internações, cautelares ou definitivas.

Portanto, a nosso ver, a norma do art. 20 da nova Lei de Abuso de Autoridade se aplica também aos adolescentes privados de liberdade.

Por fim, vale ressaltar que o novo tipo penal faz menção a entrevista “pessoal” (com a presença física do preso) e “reservada” (em local adequado, distante de outras pessoas ou agentes públicos, garantindo-se a privacidade da conversa), por prazo “razoável” (suficiente para que o preso apresente sua versão do fato, manifestando suas pretensões, percepções e observações ao advogado ou defensor e para que este lhe passe as instruções e orientações pertinentes à ampla defesa), mencionando, ainda, o parágrafo único, a garantia de sentar-se o preso, durante a audiência, ao lado de seu advogado ou defensor, podendo com ele se comunicar, salvo no curso de interrogatório ou audiência realizada por videoconferência.

 

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