O CRIME DE DIVULGAÇÃO DE CENA DE SEXO E O DIREITO À AUTODEFESA

06/06/2019

Já tivemos oportunidade de tratar, em artigos anteriores publicados nesta coluna, das modificações introduzidas nos crimes contra a dignidade sexual pela Lei nº 13.718/18, publicada no DOU em 25 de setembro de 2018, que alterou o Código Penal para, além de outras providências, tipificar o crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia.

O tema volta à tona por conta de calorosa celeuma que tomou conta dos meios de comunicação e das redes sociais, além de alguns fóruns de discussões jurídicas, envolvendo episódio protagonizado por conhecido jogador de futebol que teria divulgado no Instagram fotos íntimas de mulher que o acusara de estupro.

Sem ingressar no mérito da causa, que terá seu adequado foro de análise no Poder Judiciário, mas tão somente por apego ao Direito Penal e ao Processo Penal, tomamos a liberdade de tecer algumas considerações sobre a tipificação do crime mencionado em determinada situação de alegada autodefesa.

O crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, vem previsto no art. 218-C do Código Penal e foi introduzido, como já mencionado, pela Lei nº 13.718/18, tendo como objetividade jurídica a tutela da dignidade sexual, no aspecto da honra e da intimidade sexual da vítima.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não tendo a lei exigido nenhuma qualidade especial do agente. Trata-se, portanto, de crime comum. De acordo com o disposto no §1º, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima.

Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, independentemente do gênero ou da orientação sexual.

No novo delito ora tratado, a conduta vem expressa pelos verbos oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender, expor à venda, distribuir, publicar e divulgar. Cuida-se, portanto, de tipo misto alternativo em que a prática de qualquer das condutas tipifica o crime e a prática de mais de uma conduta (por exemplo: oferecer, divulgar e vender), contra a mesma vítima, constitui um único crime e não pluralidade de delitos.

O objeto material do crime do art. 218-C é fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia (grifo nosso).

A prática criminosa deve se dar por qualquer meio, inclusive por meio de comunicação de massa (jornais, revistas, publicações em geral, programas de televisão etc) ou sistema de informática ou telemática (tais como e-mail, whatsapp, internet em geral, instagram, twitter, messenger, linkedin, blog, site etc).

A consumação ocorre com a prática de uma ou mais das condutas incriminadas, independentemente de qualquer resultado naturalístico, que é dispensável, inclusive o intuito de lucro ou obtenção de qualquer vantagem.

Nesse aspecto, a questão, em tese, que se coloca é a seguinte: poderia o agente, à vista da lavratura de um simples boletim de ocorrência, divulgar fotos íntimas da mulher que o acusa de estupro, alegando direito à autodefesa? Nesse caso, estaria, em tese, configurado o crime de divulgação de cena de sexo ou pornografia, previsto no mencionado art. 218-C do Código Penal?

A nosso ver, o crime estaria configurado, sendo descabida a alegação de autodefesa na divulgação criminosa.

A uma, porque as investigações estariam ainda no início, tão somente no âmbito da polícia judiciária, sem qualquer acusação formal, desenvolvendo-se a apuração dos fatos em procedimento inquisitivo sigiloso.

A duas, porque não existe um “tribunal da internet”, onde o acusado pode lançar mão do direito de autodefesa, ilimitadamente, divulgando fotos da mulher nua ou de cenas de sexo, no intuito de desmerecer e desacreditar a suposta vítima, açodadamente se antecipando a qualquer providência policial ou judicial.

Ora, o direito de autodefesa, para ter o condão de descaracterizar a prática delitiva ora estudada, somente poderia ser exercido em juízo, à vista de uma acusação formal, no âmbito do contraditório e da ampla defesa. Ou, quando muito, em sede de inquérito policial, no curso das investigações, e, ainda assim, sob o manto do sigilo que deve envolver as apurações dessa natureza (art. 234-B do CP).

Nunca, em hipótese alguma, o argumento de autodefesa poderia legitimar a exposição indevida de fotos íntimas de uma pessoa em redes sociais, violando o disposto no art. 218-C do Código Penal, ainda mais considerando a publicidade garantida pela vasta legião de fãs e seguidores do divulgador.

Não há que se falar, inclusive, em inexigibilidade de conduta diversa, já que o caso não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas em lei para a ocorrência desta excludente de culpabilidade.

Tudo isso, enfim, são conjecturas, fruto de uma perfunctória análise jurídica do caso, que, certamente, será melhor esclarecido e adequadamente tratado pelas instâncias judiciais competentes.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Architectural Photography // Foto de: Pixabay // Sem alterações

Disponível em: https://www.pexels.com/photo/architecture-building-facade-futuristic-373479/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura