O controle das finanças públicas pelos tribunais de contas

30/09/2023

As finanças públicas compreendem a captação, a gestão e a execução de recursos pelo Estado para financiamento de suas atividades. A captação de recursos pelo Estado é feita principalmente por meio da tributação, isto é, a atividade governamental que visa subtrair coercitivamente uma parcela dos recursos da sociedade. A gestão dos recursos públicos é feita por meio dos instrumentos de planejamento e orçamento, que visam estabelecer planos de alocação desses recursos, priorizando áreas e ações desejadas pelos governos. Tais planos são definidos em leis de iniciativa do Poder Executivo e aprovadas pelo Poder Legislativo, onde podem ser alterados, recebendo emendas parlamentares e de participação cidadã. A execução dos recursos é realizada pelas unidades orçamentárias que compõem a estrutura administrativa do Estado. Além dos órgãos da administração, fundos estaduais podem receber e executar recursos para finalidades específicas, estabelecidas nas leis que os instituíram.

Os Tribunais de Contas são importantes órgãos de controle externo, atuando com relevante independência, o que lhes conferem significativa isenção para apreciar as contas dos responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos. Os diversos Tribunais de Contas têm como função fundamental realizar a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos federativos e federados da Administração Pública direta e indireta, estando sujeitas a esta fiscalização as empresas públicas e sociedades de economia mista.

Partindo desta explanação, este trabalho levanta o seguinte problema: Porque os Tribunais de Contas são importantes para o controle das finanças públicas?         

O objetivo geral é o seguinte: Investigar como os TC’s fazem o controle das finanças públicas. Os objetivos específicos são: Identificar a forma e o exercício de controle dos TC’s; Verificar a evolução da legislação brasileira e da jurisprudência com relação às competências dos TC’s.

A pesquisa é qualitativo-quantitativa, exploratória e bibliográfica e se deu através do estudo da legislação, jurisprudência de Tribunais e pela leitura de alguns doutrinadores que discorreram sobre o tema.

Este trabalho justifica-se pela extrema relevância do controle das finanças públicas exercido pelos diversos Tribunais de Contas pelo Brasil afora.

O trabalho foi estruturado em Introdução, Desenvolvimento, Conclusão e Referências. Partindo-se do entendimento de finanças públicas, a importância dos TC’s, a função, a competência constitucional para determinar medidas cautelares inclusive à indisponibilidade de bens necessária à garantia da efetividade de suas decisões e à prevenção contra graves lesões ao erário e o controle prévio e concomitante exercido pelos TC’s.

1 A importância dos Tribunais de Contas

As Finanças Públicas são compostas pelas políticas que instrumentam o gasto público e os impostos, pois o Estado para cumprir as suas funções que é promover o Bem-estar da sociedade precisa realizar gastos públicos e estes gastos devem ser custeados pela receita pública.

É primordial a qualidade do gasto público, que compreende essencialmente a racionalização e priorização da eficiência, da eficácia, da equidade e da sustentabilidade das políticas públicas. Ou seja, fazer mais, com menos recursos e da melhor forma possível.

O Brasil atualmente conta com 33 (trinta e três) Tribunais de Contas, divididos em três níveis: União (TCU), Estados (nas 26 capitais e Distrito Federal), dos Municípios do Estado (Bahia, Goiás e Pará) e Tribunais de Contas do Município (São Paulo e Rio de Janeiro).

São dois os sistemas de controle definidos pela Constituição Federal: a) o controle interno, realizado pelos próprios órgãos do aparelho estatal; b) o controle externo, realizado pelo Poder Legislativo, que conta com o auxílio da corte de contas.

A Constituição Federal tem diversos dispositivos que permitem um controle dos administrados, ou seja, formas de os cidadãos verificarem a regularidade da administração pública, o chamado controle social.

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e de ônus da sucumbência disposto no inciso LXXIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Temos também outro exemplo na Constituição Federal: Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

As principais fontes de Controle Social foram asseguradas pela Lei de Acesso à Informação (LAI), que atrelada a outros dispositivos normativos, determinou que todas as entidades públicas mantivessem atualizadas, em seus sítios eletrônicos (Portais da Transparência), informações sobre os atos de gestão de interesse social.

A finalidade do controle da Administração Pública é assegurar que a mesma atue em conformidade com os princípios que lhes são impostos pelo ordenamento jurídico, como por exemplo, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A ação estatal envolve a Administração do patrimônio e a utilização dos dinheiros públicos, que são atos de poder político praticado pelo governo, cujo exercício está afeto às autoridades governamentais. A autoridade estatal, como expressão é suprema e seu poder tem como fim o bem-estar da sociedade.

A função do controle do poder foi estruturada no Estado Moderno, quando se consolidou como uma das principais características do Estado de Direito. No Estado de Direito a Administração está vinculada ao cumprimento da lei e ao atendimento do interesse público, atendimento ao princípio da legalidade e à supremacia do interesse público por isso, para eficácia dessa exigência, torna-se imperativo o estabelecimento de condições que verifiquem, constatem e imponham o cumprimento da lei para o atendimento do interesse público, com a finalidade de ser evitado o abuso de poder. A isso se chama controle da administração Pública.

Modernamente, houve uma valorização dos sistemas de controle, especialmente no âmbito público, com uma ampliação das formas de exercício do controle. Trata-se de uma atividade que envolve todas as funções do estado, estando direcionada para o estabelecimento e a manutenção da regularidade e da legalidade administrativa, que procede a uma avaliação no sentido de evitar erros e distorções na ação estatal, buscando indicar procedimentos de reorientação para as falhas detectadas ou agindo na responsabilização dos agentes causadores dessas impropriedades legais que ocasionam prejuízos à coletividade.

O controle externo, por sua vez, é por excelência, um controle político de legalidade contábil e financeira (Meirelles, 1989, p. 602). A Constituição Federal prevê o controle externo a cargo do Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas (art. 71) e o controle interno que cada Poder exercerá sobre seus próprios atos (arts. 70 e 74). No artigo 74 é prevista a responsabilidade solidária dos responsáveis pelo controle quando, ao tomarem conhecimento de irregularidade, deixarem de dar ciência ao Tribunal de Contas.

Os Tribunais de Contas são órgãos investidos de autonomia, inexistindo qualquer vínculo de subordinação institucional ao Poder Legislativo. A distinção feita pelo STF das competências estabelecidas nos incisos I e II do artigo 71 da CF, no mais, torna clara a independência deste órgão em relação ao Parlamento, como se verifica na decisão cautelar na ADI-MC 3715: “[...] 5. Na segunda hipótese [do inciso II, do artigo 71 da CF/88], o exercício da competência de julgamento pelo Tribunal de Contas não fica subordinado ao crivo posterior do Poder Legislativo”.

A Constituição Federal de 1988, nos artigos 44, 76 e 92 informam os órgãos que compõem os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O Tribunal de Contas é instituição autônoma, com independência financeira e administrativa, não integrando nenhum dos poderes, uma vez que a todos fiscaliza na função administrativa, sendo indispensável que não esteja à mercê de qualquer pressão advinda daqueles sujeitos à sua fiscalização.

A natureza jurídica dos Tribunais de Contas são Cortes político-administrativas, autônomas, vinculadas ao Poder Legislativo. No mesmo diapasão é a lição de Uadi Lammêgo Bulos:

O controle externo é exercido pelo órgão diverso do controlado, é dizer, pelo Congresso Nacional, Assembleias Legislativas dos Estados e do Distrito Federal, Câmaras Municipais, com auxilio dos respectivos Tribunais de Contas (art. 71). Sua natureza é técnica, realizando-se externa corporis, com a finalidade principal de fiscalizar. Excepcionalmente, perante situações de irregularidade, é acionado, mas com estrita observância aos casos especificados na legislação (BULOS, 2003: 868).

Segundo Micaela Dominguez Dutra:

Apesar de não ter qualquer dispositivo na Constituição ora vigente que ampare a tese de quem podem os Tribunais de Contas declarar a inconstitucionalidade de ato normativo, e obrigar o administrado a não observar tal entendimento como Verbete n. 347 da Sumula de jurisprudência desta egrégia Corte Constitucional, que dispõe: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos de Poder Público (DUTRA, 2008: 198).

Em relação à relevância constitucional dos Tribunais de Contas, é notável a posição do Supremo Tribunal Federal:

STF - A essencialidade dessa Instituição – surgida nos albores da República com o Decreto n. 966-A, de 7-11-1890, editado pelo Governo Provisório sob a inspiração de Rui Barbosa – foi uma vez mais acentuada com a inclusão, no rol dos princípios constitucionais sensíveis, da indeclinabilidade da prestação de contas da administração pública, direta e indireta OCF, art. 34, VII, d). A atuação do Tribunal de Contas, por isso mesmo, assume importância fundamental no campo do controle externo. Como natural decorrência do fortalecimento de sua ação institucional, os Tribunais de Contas tornaram-se instrumentos de inquestionável relevância na Administração Pública e o comportamento de seus agentes, com especial ênfase para os princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade e da legalidade. Nesse contexto, o regime de controle externo, institucionalizado pelo ordenamento constitucional, propícia em função da própria competência fiscalizadora outorgada aos Tribunais de Contas, o exercício, por esses órgãos estatais, de todos os poderes p explícitos e implícitos – que se revelem inerentes e necessários à plena consecução dos fins que lhe foram cometidos (STF – Suspensão de Segurança n. 1.308-9/RJ – Rel. Min. Celso de Mello (Presidente), Diário da Justiça, Seção I, 19 out. 1998, p. 26) (Cf. MORAES, 2007b: 1214).

2 A função dos Tribunais de Contas

A Constituição Federal disciplina, nos artigos 70 a 75, a fiscalização contábil, financeira e orçamentária, determinando que essas normas se apliquem no que couber à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do DF, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Quanto à atividade controlada, a fiscalização abrange a contábil, a financeira, a orçamentária, a operacional e a patrimonial.

Quanto aos aspectos controlados, compreende:

1. controle de legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações;

2. controle de legitimidade, que a Constituição tem como diverso da legalidade, admitindo, assim, exame de mérito (ex; verificar se determinada despesa, embora legal, atendeu a ordem de prioridade estabelecida no plano plurianual);

3. controle de economicidade, que envolve também questão de mérito, para verificar se o órgão procedeu, na aplicação da despesa pública, de modo mais econômico (relação custo-benefício);

4. controle de fidelidade funcional dos agentes da administração responsáveis por bens e valores públicos;

5. controle de resultados de cumprimento de programas de trabalho e de metas, expresso em termos monetários e em termos de realização de obras e prestação de serviços.

O controle externo compreende as funções de:

1. fiscalização financeira propriamente dita, quando faz inquéritos, inspeções e auditorias; quando fiscaliza a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao DF ou a Município;

2. de consulta, quando emite parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República;

3. de informação, quando as presta ao Congresso Nacional, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;

4. de julgamento, quando “julga” as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos e as contas daqueles que derem causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; embora o dispositivo fale em “julgar” (art. 71, II), não se trata de função jurisdicional, porque o Tribunal de Contas apenas examina as contas, tecnicamente, e não aprecia a responsabilidade do agente público, o que é de competência exclusiva do Poder Judiciário;

5. sancionatórias, quando aplica aos responsáveis, nos casos de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

6. corretivas, quando assina prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; e quando susta, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado;

7. de ouvidor, quando recebe denúncias de irregularidades ou ilegalidades, feita pelos responsáveis pelo controle interno ou por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato, nos termos do artigo 74, §§ 1º e 2º.

No âmbito municipal, o artigo 31 da Constituição Federal prevê o controle externo da Câmara Municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município, onde houver. Pelo § 2º, o parecer prévio emitido pelo órgão competente sobre as contas anuais do Prefeito só deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos membros da Câmara Municipal. E o § 3º determina que as contas dos Municípios fiquem, durante 60 dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei. É mais uma hipótese de participação popular no controle da Administração.

Os Tribunais de Contas têm suas competências definidas de forma exaustiva no art. 71 da Constituição Federal como, por exemplo, de julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público, e de aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas multa proporcional ao dano causado ao erário, correspondem a funções de caráter jurisdicional outorgadas às Cortes de Contas, que podem resultar na prolação de acórdãos condenatórios, suficientes para aplicação contra o Responsável de sanções civis, criminais, e daquelas previstas na lei da Ficha Limpa.

3 A competência constitucional dos Tribunais de Contas para determinar medidas cautelares

Os Tribunais de Contas possuem competência constitucional para determinar medidas cautelares inclusive à indisponibilidade de bens necessária à garantia da efetividade de suas decisões e à prevenção grave lesões ao erário. A medida cautelar visa amparar direito ameaçado que, se não resguardado com urgência, pode se perder em decorrência de acometimento de dano grave de difícil reparação. Com base em requisitos consubstanciados no fumus boni juris e periculum in mora, o entendimento não só abarca as demandas de competência judiciária como também tem se estendido à aplicação das medidas cautelares pelos Tribunais de Contas.

O Supremo Tribunal Federal, nos últimos 6 (seis) anos reconheceu a competência dos Tribunais de Contas estaduais para proceder com o bloqueio de bens no curso de seus processos. No total, foram 6 (seis) decisões favoráveis na Suprema Corte, relativas também a outros temas, além da indisponibilidade de bens, que fortalecem a atuação da Corte de Contas, desde 2017.

A então presidenta do STF ministra Cármen Lúcia, no ano de 2017 deferiu medida liminar em favor do TCE/RN no sentido de manter o bloqueio de valores de empresa envolvida no processo que identificou pagamentos irregulares da ordem de R$ 34,9 milhões no Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (IDEMA), conforme decidido no acórdão nº 411/2016:

DECISÃO SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. TOMADA DE CONTAS. TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO NORTE. PODER GERAL DE CAUTELA. BLOQUEIO DE BENS DA INTERESSADA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SEGURANÇA CONCEDIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA PARA ANULAR ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO NORTE. RISCOS DE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS CONFIGURADOS. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS. Relatório 1. Suspensão de segurança, com requerimento de medida liminar, ajuizada pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte para serem suspensos os efeitos do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, nos autos do Mandado de Segurança nº 2016.016466-4, que concedeu a segurança para decretar a nulidade do Acórdão nº 441/2016 proferido pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte e determinar o desbloqueio de bens/valores do impetrante DH CONSTRUÇÃO, SERVIÇOS E LOCAÇÕES LTDA-EPP, por, através de interpretação conforme a Constituição, entender que o Tribunal de Contas Estadual não teria poderes nem competência para impor medida cautelar de indisponibilidade de bens de pessoas físicas e jurídicas de direito privado (sic).

A anulação do Acórdão do Tribunal de Contas n. 441/2016 (Processo n. 012520/2015-TC), além de representar a negativa da atribuição constitucionalmente atribuída aos Tribunais de Contas estaduais, a demonstrar possível lesão à ordem pública, pode causar lesão à economia pública por importar em potencial inutilidade do processo administrativo instaurado contra os beneficiários de recursos públicos indicados na referida tomada de contas, cujo desvio total estimado é de trinta e quatro milhões de reais. Considerando-se que, na mesma tomada de contas estadual, constam aproximadamente cento e seis supostos beneficiários de transferências indevidas de recursos públicos titularizados pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente IDEMA/RN (Relatório de (Auditoria n. 116/2016 DAI, fl. 95, doc. 6), parece certo o efeito multiplicador do acórdão impugnado. 15. Pelo exposto, defiro a medida liminar para suspender o acórdão proferido no Mandado de Segurança n. 2016.016466-4 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, mantendo a determinação de bloqueio de valores discriminados no Acórdão n. 411/2016 do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte. (STF - SS: 5205 RN - RIO GRANDE DO NORTE XXXXX-81.2017.1.00.0000, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 02/04/2018, Data de Publicação: DJe-069 11/04/2018)

O então presidente do STF ministro Dias Toffoli, no ano de 2020 restabeleceu ato em que o Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte (TCE-RN), havia determinado a indisponibilidade dos bens de um advogado por supostas irregularidades em contrato com o Município de Monte Alegre (RN) para recebimento de royalties provenientes da extração de gás natural na cidade.

A decisão, proferida na Suspensão de Segurança (SS) 5335, suspendeu decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJ-RN) que, segundo o ministro Dias Toffoli, inibiu a atuação do TCE-RN e representa grave risco de lesão à ordem pública e econômica do estado.

O então presidente Toffoli destacou que, de acordo com o entendimento do Supremo, as cortes de contas podem decretar a indisponibilidade de bens de pessoas relacionadas a casos sob investigação. Assim, suspendeu a decisão do TJ-RN até o trânsito em julgado do mandado de segurança em trâmite naquele tribunal:

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FINANCEIRO. CONTRATAÇÃO DIRETA DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PELO MUNICÍPIO DE MONTE ALEGRE/RN. PROVIMENTO JURISDICIONAL. CASSAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DECRETADA PELO TRIBUNAL DE CONTAS. LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. DEFERIMENTO DA CONTRACAUTELA. 1. O Tribunal de Contas tem legitimidade ativa para o incidente suspensivo na defesa de suas prerrogativas constitucionais e legais. 2. Importa grave dano à ordem pública, na acepção jurídico-constitucional, a decisão judicial que cassa a medida cautelar deferida pelo Tribunal de Contas do Estado, por vulnerar as prerrogativas constitucionais do Tribunal de Contas e inviabilizar a efetividade da fiscalização dos contratos administrativos e das medidas que asseguram o ressarcimento ao erário. 3. Importa grave dano à ordem administrativa a decisão judicial que, ao cassar a medida cautelar deferida pela Corte de Contas, deixa de assegurar o ressarcimento ao erário por pagamento de honorários advocatícios decorrentes de contratação sem observância de normas administrativas e financeiras. 4. A possibilidade de concretização do efeito multiplicador da decisão de cassação de medida cautelar deferida pela Corte de Contas demonstra risco grave de lesão à economia pública, apto a ensejar o deferimento da contracautela. Parecer pelo deferimento do pedido de suspensão. (STF SS: 5335 - DJE, 07/07/2020)

Por unanimidade, o Pleno do STF negou recurso interposto contra decisão que assegurou o poder geral de cautela do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) e reafirmou a competência constitucional do órgão de controle externo para determinar medidas cautelares. A decisão manteve suspensos os efeitos de decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que limitavam, indevidamente, o escopo do poder geral de cautela exercido pelo Tribunal de Contas:

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DO MATO GROSSO. PODER GERAL DE CAUTELA. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DE CONTRATOS. DECISÃO JUDICIAL QUE SUSPENDE MEDIDA DETERMINADA PELA CORTE DE CONTAS. ALEGAÇÃO DE RISCO DE GRAVE DANO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. OCORRÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDAS QUE VISAM A PRESERVAÇÃO DO ERÁRIO. PEDIDO DE SUSPENSÃO QUE SE JULGA PROCEDENTE. Assim, verifica-se a necessidade de acolhimento do pedido de suspensão formulado, completando-se a presença de todos os requisitos legais que ensejam o deferimento da presente medida de contracautela, até que ocorra o trânsito em julgado na ação principal (art. 15 da Lei nº 12.016/2009; art. 4º da Lei nº 8.437/1992 e art. 297 do Regimento Interno do STF). Ex positis, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO DE SUSPENSÃO, para suspender as decisões proferidas nos autos dos Mandados de Segurança nº XXXXX-52.2020.8.11.0000 e XXXXX-08.2019.811.0000, em trâmite no Tribunal de Justiça do Mato Grosso, até o seu trânsito em julgado. Publique-se. Int. Brasília, 21 de setembro de 2021. Ministro Luiz Fux Presidente Documento assinado digitalmente (STF - SS: 5505 MT XXXXX-51.2021.1.00.0000, Relator: PRESIDENTE, Data de Julgamento: 21/09/2021, Data de Publicação: 23/09/2021).  

A nova Lei nº 14.133/21 (Licitações e Contratos Administrativos), notadamente pela regra do §1º do artigo 171, reconhece aos Tribunais de Contas à prerrogativa de determinarem a suspensão cautelar de procedimentos licitatórios realizados pela administração pública de todos os poderes. O dispositivo guarda alguma afinidade com o artigo 113, caput e §2º, da Lei 8.666/93, porém o legislador agora foi explícito quanto ao poder de suspensão cautelar de procedimentos licitatórios (não dos contratos) pelos TC’s.

O Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado no sentido de que os TC’s em situação de urgência na qual haja fundado receio de grave lesão ao erário, ao interesse público ou de risco de ineficiência da decisão de mérito, podem impor medidas cautelares, entre as quais as de indisponibilidade de bens, com vistas ao adequado funcionamento da Corte e ao alcance de suas finalidades.

1.1.2 Controle prévio e concomitante exercido pelos TC’s

Exercido à medida que os atos ou atividades são executados, objetivando a adoção de medidas saneadoras. Ex: auditoria de obras públicas, o alerta de gasto com pessoal (art. 59, § 1º, da LRF), o acompanhamento dos processos seletivos e dos concursos públicos desde as publicações dos editais e demais fases como é feito pelo Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Controle corretivo: exercido após a conclusão do objeto, visando à responsabilização dos gestores e a reparação dos danos.

Uma nova forma de atuar que caminha alinhado aos princípios de gestão responsável explicitados na Lei de Responsabilidade Fiscal (Conti, 2022, p. 184), especialmente a prevenção de riscos e correção de desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas (art. 1º, § 1º, da LRF).

No que diz respeito à coisa julgada administrativa, assim o STF se posiciona: “É logicamente impossível desconstituir ato administrativo aprovado pelo Tribunal de Contas, sem rescindir a decisão do colegiado que o aprovou; e para rescindi-la é necessário que nela se constatem irregularidades formais ou ilegalidades manifestas” (STJ, REsp 8970 SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, decisão: 18-12-1991, RSTJ, v. 30, p. 378; DJ-1, de 9-3-1992, p. 2533). (Cf. BULOS, 2003: 874).

Os TC’s contribuem para o desenvolvimento sustentável das finanças públicas têm a missão de assegurar e efetivar a fiscalização dos recursos públicos em benefício da coletividade como importantes órgãos efetivadores e participativos da Lei nº 12.527/11, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação). Pode-se afirmar que são os órgãos que mais se aproximam do controle fiscalizador a que o povo faz jus, compreendesse, as funções atribuídas aos Tribunais de Contas não podem ser cerceadas por nenhum dos Poderes, já que os mesmos são fundamentais para garantir a República e a Democracia.

A atuação da Administração Pública, por meio da prática de atos administrativos, é limitada por regras e princípios, sujeitando cada ato ao controle de outros órgãos, do próprio órgão que o expediu, como também da população atingida por esses atos. O controle das atividades do poder público será realizado por meio de instrumentos que nada mais são que recursos administrativos que os particulares podem utilizar para provocar o reexame dos atos praticados pela Administração Pública.

Os Tribunais de Contas são órgãos colegiados, o que significa que suas decisões são tomadas pelo voto da maioria dos seus membros. Eles possuem o Poder-Dever de julgar a regularidade da gestão dos Administradores Públicos, bem como punir em algumas hipóteses.

Os Tribunais de Contas não são órgãos que integram a estrutura do Poder Judiciário; suas competências estão definidas de forma exaustiva no art. 71 da Constituição Federal; têm natureza de órgão político administrativo; não têm competência para exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, o que engloba a impossibilidade, nos casos concretos, afastar normas que reputem inconstitucionais; o exercício do controle de constitucionalidade por parte da Corte de Contas, além de ser absolutamente indevido, gera grande instabilidade jurídica aos administrados, que têm por norte, para seus atos, a presunção de constitucionalidade e legalidade de leis e atos normativos; o modelo estrutural de Tribunal de Contas adotado no Brasil é forma mais moderna de controle de Poder, haja vista que alguns Países adotam o modelo de controlador geral e de auditor-geral; contudo, esses dois modelos submetem todo o controle a figura de uma só pessoa; os Tribunais de Contas têm valiosas vantagens, o rodízio de controle de órgãos, a alternância de direção e a distribuição impessoal de processos entre outras.

 

Notas e referências

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BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm>. Acesso em: 26 de set. de 2023.

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BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5 ed. rev. e atual. Até a Emenda Constitucional n, 39/2002. São Paulo: Saraiva, 2003.

__. Curso de Direito Constitucional. Atualizado até a Emenda Constitucional n. 53, de 19-12- 2006. São Paulo: Saraiva, 2007.

CONTI, José Maurício. A luta pelo direito financeiro. São Paulo. Blucher, 2022. p. 184.

DUTRA, Micaela Dominguez. O Tribunal de Contas e o Verbete n. 347 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Direito Público, Ano V, n. 20 (Mar-Abr. 2008). p. 190-200.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. Atualizada até a EC n. 55-07. São Paulo: Atlas, 2007a.

__. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007b.STF. Suspensão de Segurança 5205, Mandado de Segurança n. 2016.016466-4, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, mantendo a determinação de bloqueio de valores discriminados no Acórdão n. 411/2016 do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte. Disponível em: <http://www.tce.rn.gov.br/as/NoticiasTCE/3538/Decis%C3%A3o_STF_Idema.pdf>. Acesso em: 26 de set. de 2023.

STF. Suspensão de Segurança 5335, Mandado de Segurança nº 0804438-43.2019.8.20.0000, e pelo qual foram suspensos os efeitos de acórdão proferido por aquela Corte de Contas, o qual determinara a indisponibilidade patrimonial do autor da impetração. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343666639&ext=.pdf>. Acesso em: 26 de set. de 2023.

STF. Suspensão de Segurança 5505, Mandados de Segurança nºs XXXXX-52.2020.8.11.0000 e XXXXX-08.2019.811.0000 através das quais foram suspensas medidas cautelares determinadas por aquela Corte de Contas. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/1288030070>. Acesso em: 26 de set. de 2023.

 

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