O Consenso como instrumento de defesa do meio ambiente

22/04/2018

Introdução

As normas jurídicas são caracterizadas pelo fundamento de comando e controle, estruturadas para descrever hipóteses do fato e a respectiva consequência. Tella (2015, p. 53)[1] explica que quando dizemos que a norma jurídica é um julgamento hipotético, estamos expressando a relação que existe entre uma hipótese e uma tese, entre um suposto de fato e uma consequência jurídica. Para a Professora espanhola, a primeira perspectiva tem a forma - “se for A” – “deve ser B”. Exemplificando: “se mata” - deve ser condenado a uma pena privativa de liberdade. Nesse caso, o vínculo que une ambos os elementos é a imputação. A imputação, própria da norma jurídica, dá-se no mundo do “dever ser”, que em uma tradução objetiva é uma proposição prescritiva, preceptiva e imperativa.

As leis naturais, diferentemente das normas jurídicas, inexoravelmente, a toda causa segue um efeito previsto. Contudo no mundo jurídico, caracterizado pela gestão do Estado por meio de regras impositivas ou convencionais, a relação causa e efeito pode ser modulada segundo a interpretação e a argumentação jurídica.

Transportando a discursão para o sistema normativo, que tutela o direito ao meio ambiente, abre-se a necessidade de revisar o modelo hermenêutico para incluir o que Habermas denomina de razão comunicativa.

O presente ensaio pretende identificar a necessidade da construção das normas ambientais e a respectiva exegese a partir de pressupostos que considerem a ética discursiva por meio do diálogo, da cooperação, da solidariedade, da reciprocidade e sociabilidade.

A razão comunicativa de Habermas 

Habermas desenvolveu a teoria da ação comunicativa que fornece os elementos para a compreensão da ética discursiva. Cuida-se de uma teoria da moral que percorre a razão que supõe o diálogo e a interação entre indivíduos, mediada pela linguagem e pelo discurso (Aranha & Martins, 1993 p. 289)[2].

O modelo da ética discursiva parte da concepção de que a razão comunicativa compreende seres humanos capazes de emitirem opinião de forma crítica diante dos conteúdos normativos. Na prática, a consciência crítica afasta a subjetividade exacerbada (vaidade pessoal) e não deriva da razão reflexiva e monológica de Kant (Aranha & Martins, 1993 p. 289).

A prognose da ética discursiva corrobora com os princípios da gestão democrática do Meio Ambiente e da participação popular nas decisões, validando as normas ambientais pela sociabilidade e pelo consenso, ambos oriundos da razão comunicativa que perpassa pelo discurso interpessoal.

A gestão democrática do meio ambiente

A gestão democrática se desenrola a partir do princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, contido no art. 1º da Constituição Federal de 1988.  A adoção do principio da democracia é uma tarefa fundamental que consiste em superar as desigualdades sociais e realizar a justiça social (Silva, 2005 p. 120)[3], sendo que o núcleo central é a soberania popular, exigindo a participação efetiva do povo na gestão da res pública.

A participação efetiva requer a estruturação de processos e procedimentos que ofereçam ao povo a efetiva participação, que não se exaure ou se resume às representações institucionais, arrogando-se a pedagogia da autonomia crítica e do direito de divergência de opiniões, em uma perspectiva ambiental que favoreça a compreensão dos cidadãos quanto a importância de colaborar com a preservação e conservação do meio ambiente a partir dos valores de sociabilidade, solidariedade e consenso.

O ápice da democracia na gestão ambiental é deduzido pela construção do Estado Constitucional Ecológico (Canotilho, 2001)[4], apontando que o Estado deve ser regido por princípios ecológicos, caracterizado pela participação sugestivamente condensadas na expressão ‘democracia sustentada’, implicando na revisitação da democracia de participação e da vivência da virtude ambiental.

Em última análise, a gestão democrática do meio ambiente acarreta o desenvolvimento de um Estado ecologicamente adequado às exigências de um desenvolvimento ambiental justo, duradouro e que promova medidas de participação dos cidadãos pela estrita compreensão de que o poder emana do povo e em ultima razão deve ser exercício pelo povo.

A participação popular na gestão do meio ambiente

A participação popular, como princípio, encontra-se insculpida internamente no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal de 1988[5], porém, antes de chegar até a Constituição, o princípio foi gestado em nível internacional, desde a Declaração de Estocolmo de 1972 até a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992.

Na Declaração de Estocolmo[6], o homem foi chamado a participar solenemente da proteção e do melhoramento do meio ambiente. Na Rio 92, a sociedade passou a compreender a plenitude e a dimensão da participação popular na gestão do meio ambiente. Segundo a Rio 92[7], a melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados e, ainda, que os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos.

A participação popular, em razão do dever de preservar o meio ambiente adequado para a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações, se desdobra em instrumentos jurídicos que garantem o direito de informação, garantindo acesso a documentos e dados essenciais à defesa do meio ambiente; ao direito de petição aos órgãos públicos; ao direito de acessar o Poder Judiciário por meio dos remédios constitucionais, com destaque para a ação popular que visa anular ato lesivo ao meio ambiente e a ação civil pública, instrumento manuseado pelo Ministério Público para proteção de direitos difusos e coletivos.

Assim, embora a preservação do meio ambiente seja um dever do cidadão, cabe ao Estado a responsabilidade de facilitar e estimular a conscientização pública, o debate e a cooperação entre os indivíduos, a sociedade e o Estado, com a finalidade de encontrar o consenso mínimo para o desenvolvimento sustentável. 

Conclusão

A ideia de um consenso mínimo para a defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável só é possível através do exercício da ética discursiva. Para Habermas[8], a interação entre os sujeitos precisa se fazer sem os recursos de pressões típicas do sistema econômico ou do sistema político. Diz-se que a ação comunicativa supõe o entendimento entre os indivíduos que procuram, pelo uso de argumentos racionais, convencer o outro a respeito da validade da norma e, consequentemente, alcançar a sociabilidade, a espontaneidade, a solidariedade e a cooperação.

O consenso entorno da defesa do meio ambiente, por seu turno, pressupõe a coexistência de um Estado que seja Democrático, Ecológico e Participativo.

Notas e Referências:

[1] TELLA, Maria José Falcon y. Lições de teoria geral do direito. São Paulo: RT, 2015.

[2] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2º ed. São Paulo: Ed. Moderna, 1993.

[3] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 120.

[4] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado constitucional ecológico e democracia sustentável. Revista CEDOUA, 2001. Disponível em URI:http://hdl.handle.net/10316.2/5732. Acesso em 18 de abr. 2018.

[5] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

[6] Disponível em ww.infoescola.com/meio-ambiente/conferencia-de-estocolmo/. Acesso em 19 de abr. 2018

[7] Disponível em http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf. Acesso em 19 de abr. 2018.

[8] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2º ed. São Paulo: Ed. Moderna, 1993.

 

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