O COMPLIANCE E O DELITO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA (INSIDER TRADING)  

04/07/2019

 

Nos tempos atuais, convivemos com uma modernização constante no tocante à economia e mercado. Se torna cada vez mais custoso enxergamos mercados isolados, grupos fechados e soberania econômica, em um mundo cada vez mais global e cada vez mais transacional no que se refere a mobilidade econômica.

Nos traz Daniella Vilanni Bonaccorsi em “A Atipicidade do Crime de Lavagem de Dinheiro”:

Grande marco é a mundialização da economia e consequente transformação econômica em diversos países. Com a abertura de mercados, negociações fluxo de taxas cambiárias, ao mesmo tempo, surgem países estáveis, surgem outros com economias abaladas. Mudanças que trouxeram grande influência no âmbito criminal. A globalização financeira facilita a movimentação de valores clandestinos, transações via internet, fraudes nos sistemas fiscais, e esses países estáveis e desenvolvidos passam a ser suporte ao desenvolvimento do capital, muitas vezes funcionando como paraísos fiscais. (BONACCORSI, 2013, p 8).

No que refere a delitos econômicos, podemos destacar um crime como menos usual, todavia, capaz de trazer grandes prejuízos tanto a empresa quanto ao Estado.

O Uso de Informação privilegiada no mercado financeiro, também conhecido como “Inside Trading”, é tipificado como crime no artigo 27-D da Lei 6.385/76[1], atualizada pela Lei nº 13.506 de 2017. A lei 6.385/76 dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e também, cria a Comissão de Valores Mobiliários.

No que se refere ao crime de Uso Indevido de Informação Privilegiada, é instituída pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e multa, que pode alcançar até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do delito.

O texto do dispositivo traz como conduta destacada, a utilização, e como objeto, a informação relevante ainda não divulgada ao mercado. Assim sendo, incorre na referida conduta somente o seleto grupo de profissionais envolvidos em operações relevantes de grandes empresas e grupos econômicos, pois, somente tal nicho de pessoal tem acesso a tais dados.

Caracteriza-se portanto por ser um crime que envolve profissionais de alto escalão, consultores, advogados, sócios de grandes grupos, dentre outros. Estes, são os que podem ser tidos como “insider traders”, todo aquele que tem acesso à informação privilegiada/sigilosa numa corporação, ou seja, que lida diretamente e assume responsabilidade sobre operações de alto vulto e relevantes à empresa.

A ilegalidade tem início quando um "insider” passa a utilizar a informação para negociar ações na bolsa de valores: se a notícia é boa e vai elevar o preço das ações, ele adquire papéis da empresa por um preço baixo para vender depois por um valor bem mais alto. Se se trada de dados negativos, ele vende os papéis e evita perder dinheiro antes que o mercado tome conhecimento.

No tocante a informação em si, podem ser elencadas algumas características, para análise e enquadramento de um dado como privilegiado ou não[2].

Necessariamente deve se tratar de informação não pública, que ainda não fora divulgada pelos meios de comunicação públicos, não podendo ser consideradas como públicas informações compartilhadas apenas a um grupo de indivíduos, mesmo que este grupo se traduza em um número relevante de pessoas.

Deve se tratar de informação específica e estar direta ou indiretamente relacionada a mercado de valores. Também se mostra como característica de uma Informação Privilegiada, a precisão, não podendo meras especulações e rumores serem taxados como informação privilegiada a título de punibilidade.

Por fim, também, deve se revestir de idoneidade ou seja, advir de profissional envolvido em operações sigilosas, qualificados e que, per si, traga credibilidade a tal informação, seja por algum material obtido, pelo carpo que ocupa, respeitabilidade social, influência político-econômica, etc.

No Brasil órgão regulamentador/fiscalizador é a CVM (Comissão de Valores Imobiliários)[3]. Ela é responsável pela comunicação ao Ministério Público de todo indício de delito que encontre durante suas operações e atividades de supervisão. O Ministério Público, através de inquérito administrativo e/ou policial, como titular da ação penal oferece a denúncia a partir de tal conjunto probatório.

Sobre o tema, temos em notícia recentemente veiculada no Jornal O Globo[4]:

Previstos em lei há 17 anos, os crimes contra o mercado de capitais são desvios praticamente sem pena na Justiça brasileira, apesar do aumento de indícios encontrados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e de condenações no âmbito administrativo. Segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, a autarquia comunicou ao Ministério Público Federal (MPF) 72 indícios de insider trading (uso de informação privilegiada) e manipulação de mercado encontrados em 2017, maior volume nos último cinco anos e mais que o dobro do reportado em 2012 (32). Nos seis anos, a CVM encaminhou 273 indícios ao MPF e condenou 34 pessoas apenas por insider trading. Na Justiça, porém, levantamento feito pelo GLOBO junto a especialistas, ao MPF e aos processos encontrou só 13 casos que foram levados aos tribunais desde 2001. Sabe-se de apenas um que terminou em condenação sem possibilidade de recurso, mas a pena de prisão foi convertida em serviços prestados à comunidade.

A primeira denúncia do crime a chegar a jurisdição brasileira se deu 2009, a respeito do caso da Sadia-Perdigão, em que um dos diretores da empresa e um membro do conselho à época, se valendo de informações privilegiadas, teriam negociado ações da rival Perdigão em Nova York, sendo que  as empresas passariam a depois de um tempo a pertencerem ao mesmo Grupo Econômico. O caso se encerrou em 2017 com a condenação confirmada pelos “insiders traders” pelo Supremo Tribunal Federal[5].

Atento a toda esta nova dinâmica mercadológica, o Direito Penal aplicado em seu viés preventivo trouxe o Criminal Compliance.

Sua definição é bem trazida por Mauricio Januzzi Santos em Criminal Compliance: O Direito Penal aplicado em seu viés preventivo[6]:

Atentos a essa nova dinâmica, as organizações concluíram pela necessidade de se adotar um sistema contínuo de verificação da legalidade e idoneidade de suas condutas para diminuir os riscos em suas operações evitando, desta forma, incorrer em fraude, corrupção ou qualquer outra situação capaz de depreciar o nome da empresa.

Esse sistema contínuo de verificação é conhecido como compliance, termo oriundo do “verbo inglês to comply, que significa cumprir, executar, obedecer, observar, satisfazer o que lhe foi imposto.”.

 No Brasil o compliance foi aplicado inicialmente no âmbito das instituições financeiras, expandindo, depois, para outros setores econômicos, normalmente aqueles com um número maior de normas regulamentadoras.

Nos dias atuais a adoção de um sistema de diminuição de riscos é necessário e útil a toda empresa, porquanto propicia benefícios como a valoração imaterial da empresa, consistente na respeitabilidade e confiança que ela passa a gozar no cenário econômico e social; em decorrência desta confiança, a empresa absorve mais clientes, torna-se bem-vista pelos fornecedores de capital, que diminuem taxas ante a diminuição do risco; incentiva investimentos, etc. Mas além de trazer benefícios imateriais, o compliance, em razão do seu caráter preventivo, tem o potencial de evitar despesas com indenizações, multas, sanções administrativas, processos, etc.

O compliance se mostra como uma alternativa eficaz no que diz respeito à prevenção do delito de informação privilegiada, buscando otimizar a eficiência da empresa, resguardar a credibilidade do negócio e manter a estabilidade de sua posição no mercado.

Programas de Compliance atuam de diversas maneiras, dentre elas temos, a imposição de restrições de negociações em determinados períodos, acirramento das restrições de acesso às informações estratégicas, registro detalhado de todos aqueles que tiveram contato com os dados considerados relevantes, dentre várias outras medidas.

É interessante que a área responsável pelo Compliance da empresa seja sempre consultada, quando, algum empregado ou colaborador, tiver acesso a qualquer Informação Privilegiada, para que os riscos sejam sempre ponderados e acautelados.

Cabe ao Compliance, instruir os empregados/colaboradores a respeito de suas responsabilidades sobre as informações estratégicas, alertando-os sobre possíveis discussões destas com colegas, clientes etc.

Não restam dúvidas que, alguns cargos, necessariamente envolvem a discussão de informações tidas como estratégicas, devendo ser observado o lugar de fala do individuo, sua posição e função, para que seja ou não caracterizado como Insider Trading.

Entretanto, mesmo em se tratando destas situações, ainda assim, se mostra necessária a formalização destes contatos/reuniões, e, sendo possível ainda assinatura de termo de confidencialidade sobre o que fora discutido.

Portanto, temos que o Criminal Compliance, se firma como uma área promissora e com forte representatividade no que concerne a Direito Penal Preventivo.

Como exposto no artigo, há direta atuação no profissional de Compliance no crime de Informação Privilegiada, todavia, o leque de atuação deste profissional é muito maior, abrangendo mais do que a pura prevenção de cometimento de delito, mas sim a representatividade de grandes empresas no mercado e a elevação de seus valores.

 

Notas e Referências

BONACCORSI, Daniela; A atipicidade do crime de lavagem de dinheiro. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2013.

http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L6385.htm, acesso em 20/03/2018.

http://www.domoinvest.com.br/politicas/2016_10f/Politica_de_Prevencao_ao_Insider_Trading_e_Praticass_nao_Equitativas_de_Mercado.pdf) , acesso em 15/03/2018.

http://www.cvm.gov.br/, acesso em 23/03/2018.

https://oglobo.globo.com/economia/condenados-na-cvm-crimes-de-informacao-privilegiada-chegam-pouco-justica-22394865#ixzz5Ab0zOPlu acesso em 23/03/2018.

https://www.conjur.com.br/2016-fev-22/stj-profere-primeira-condenacao-insider-trading-brasil acesso em 15/03/2018

http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,criminal-compliance-o-direito-penal-aplicado-em-seu-vies-preventivo,53643.html acesso em 15/03/2018

[1] http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L6385.htm

[2] http://www.domoinvest.com.br/politicas/2016_10f/Politica_de_Prevencao_ao_Insider_Trading_e_Praticass_nao_Equitativas_de_Mercado.pdf)

[3] http://www.cvm.gov.br/

[4] https://oglobo.globo.com/economia/condenados-na-cvm-crimes-de-informacao-privilegiada-chegam-pouco-justica-22394865#ixzz5Ab0zOPlu 

[5] https://www.conjur.com.br/2016-fev-22/stj-profere-primeira-condenacao-insider-trading-brasil

[6] http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,criminal-compliance-o-direito-penal-aplicado-em-seu-vies-preventivo,53643.html

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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