A partir do ano de 2014, a região sudeste do Brasil perpassou e perpassa por grave colapso hídrico, afetando diretamente o abastecimento de água à população, à indústria e à agricultura. Embora a falta de água e o racionamento quanto ao seu uso seja uma realidade palpável e secular da região nordeste e, particularmente, do sertão nordestino, inúmeros brasileiros nunca haviam convivido com a falta ou o uso racional da água.
A crise hídrica repercute no Brasil de forma diferente em razão de suas dimensões geográficas. Assim, o uso racional e adequado da água irá variar conforme dois elementos básicos: a) o acesso à cultural e a educação e, b) a maior ou menor disponibilidade do recurso hídrico. Desta forma, na região norte do Brasil, o Estado do Amapá chega a desperdiçar 76,5% da água tratada; enquanto na região sul, o Estado do Paraná desperdiça 33,4% da água tratada[1].
O fato é que a falta de água deixou de ser uma realidade/problema apenas da região nordeste, alcançando o complexo centro sul do País; atingindo diretamente a economia por meio do setor industrial e do agronegócio.
Neste contexto, passados quase três anos da maior crise hídrica do Brasil, capaz de “secar” as maiores reservas de água da região sudeste, a impressão é que com o retorno (irregular) do regime de chuvas, o colapso hídrico acabou e o Brasil não precisa de gestão pública para adequar e integrar ações normativas, estruturais e ambientais que possam reduzir o desperdício de água; desenvolver práticas de reuso da água; incrementar de forma interdisciplinar a educação ambiental e, ainda, desenvolver ações para produção de água.
O Poder Público parece não ter tento com as questões hídricas, realizando uma gestão pautada unicamente na tradição de São Pedro – para resolver os problemas hídricos é necessário, apenas, que São Pedro colabore e envie a chuva. O Poder Público, agindo desta maneira, realiza uma gestão voltada para solucionar problemas oriundos da crise, sem, entretanto, planejar ações que mitiguem ou reduzam o risco do colapso hídrico.
A debilidade hídrica não é uma realidade exclusiva do Brasil e muito menos possui uma única raiz. É possível identificar as seguintes perspectivas para a origem do problema hídrico vivido no Brasil:
1 A dicotomia entre a localização das maiores bacias hidrográficas e a densidade demográfica. Os principais recursos hídricos do Brasil estão situadas na região norte e centro oeste e, de forma diametralmente oposta, a maior parte da população brasileira encontra-se situada na região sudeste e ao longo do litoral.
2 O desmatamento e o regime de chuvas. O recurso florestal brasileiro, em especial a floresta amazônica, sofre com a pressão do agronegócio, com o desmatamento para formação de pasto e venda ilegal de madeira. As florestas são essências para regular o regime de chuvas, pois, é pela evapotranspiração realizada pelas matas que ocorre a condensação e a precipitação. Quando a floresta é dizimada, o homem interfere no ciclo natural da chuva e o resultado é a falta de água.
3 A retirada da mata ciliar e o assoreamento dos rios. A mata ciliar, traduzida em uma borda natural expeça ao redor de rios e lagos, é essencial à qualidade dos mananciais. Segundo o Código Florestal, trata-se de uma área de proteção permanente – APP, assim descrita quanto a sua função ambiental: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3º, inciso II da Lei Federal n.º 12.651/2012).
4 O consumo de água e a falta de gestão pública e inovação tecnológica. Segundo a UNIAGUA[2], 8% da água é utilizada para dessedentarão humana; 22% água é utilizada pela indústria e 70% da água é utilizada pela agricultura. A questão, entretanto, não rotular qual setor utiliza mais água e, sim, indicar que é necessário estudar, gerir e inovar em meios e tecnologias que auxiliem na redução do consumo de água em cada setor/área de consumo.
Segundo reportagem da revista Exame[3], cada brasileiro consome, em média, 5.559 mil litros de água por dia, de forma direta e de forma indireta, neste último caso, o consumo ocorre pela aquisição de bens manufaturados, produtos de origem animal e vegetal, vestuários, dentre outros. O consumo indireto é medido pela pegada hídrica ou água virtual. Para ilustrar, a revista explica que um (1) kg de carne bovina custa, em pegada hídrica, 15.5 mil litros de água.
5 O uso clandestino da água e a falta de fiscalização pública. Com a crise hídrica foi possível apurar de forma clara as irregularidades praticadas quanto ao uso clandestino de água, seja a água tratada, a água superficial e até mesmo a água subterrânea. Também foi possível verificar o quanto o Poder Público é inoperante na fiscalização do uso desconforme dos recursos hídricos.
6 O ciclo da água e a antropização do ambiente. Trata-se de alteração do meio ambiente pela interferência do homem. Situações de verticalização da cidade; canalização de cursos de água; formação de aterros e aterro de manguezais; ocupação encostas e impermeabilização do solo acabam por influir no regime das águas.
Quando há desmatamento e impermeabilização do solo, o ciclo da água é alterado, pois, a água da chuva terá maior dificuldade para penetrar no solo e, com isso, haverá prejuízo para manutenção de nascentes, para formação de rios e lagos de água doce e para recomposição do lençol freático.
7 As Mudanças climáticas ou aquecimento global e o uso de energia sustentável. A WWF - Brasil[4] explica que o aquecimento global é o aumento da temperatura média dos oceanos e da camada de ar próxima à superfície da Terra que pode ser consequência de causas naturais e atividades humanas. Atribui o problema, principalmente, ao aumento das emissões de gases na atmosfera que causam o efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2).
Informam que uma das consequências do aquecimento global é o aumento da temperatura média do planeta e o elevamento do nível do mar devido ao derretimento das calotas polares, podendo ocasionar o desaparecimento de ilhas e cidades litorâneas densamente povoadas, além de espécies da fauna e da flora.
Entre as principais atividades humanas que causam o aquecimento global e consequentemente as mudanças climáticas, estão: a) a queima de combustíveis fósseis (derivados do petróleo, carvão mineral e gás natural) para geração de energia, b) as atividades industriais e de transportes; c) a agropecuária; d) o descarte de resíduos sólidos (lixo) e o e) desmatamento.
As mudanças climáticas, para serem enfrentadas, exigem, dentre outras questões, a presença do Estado por meio de investimentos no desenvolvimento de tecnologias para produção de energia limpa, capaz de manter o crescimento econômico sem gerar o dióxido de carbono.
Identificados os principais problemas que colaboram para a crise hídrica do Brasil, resta descortinar se a gestão pública desenvolve políticas de contenção do risco ou de alivio da crise.
Embora o Brasil possua potencial para ser um líder nas áreas econômica, social e ambiental da América Latina e, até mesmo entre os países em desenvolvimento, a verdade é que o país não aproveita adequadamente os recursos internos e não desenvolve políticas adequadas à solução de entraves elementares para romper o crescimento sustentável.
Não se observa no Brasil o desenvolvimento de politicas públicas voltadas à contenção dos principais problemas do colapso hídrico. A população e o setor industrial e o agronegócio continuam utilizando a água com práticas inadequadas e insustentáveis. O Estado, por outro lado, não possui um direcionamento claro quanto aos investimentos em tecnologia para produção de água; que acelerem a redução dos desmatamentos; que promovam uma agricultura mais eficiente; que utilize em maior escala o biocombustível e as energias limpas; que utilize menos área e menos recursos naturais. O Estado parece, também, não estar determinado a realizar amplo e irrestrito programa de conscientização ambiental.
Deste modo, considerando que o Brasil não ataca de forma direta e planejada os problemas da crise hídrica, é possível concluir que o colapso é uma realidade inexorável e que sua gestão, por muito tempo, estará pautada na solução da crise e não na contenção do colapso hídrico.
Notas e Referências:
[1] www.snis.gov.br. Sistema Nacional de informações sobre saneamento. Base de 2013. Acesso 15/junho/2017.
[2] www.uniagua.org.br – acesso em 15/junho/2017.
[3] http://exame.abril.com.br/tecnologia/8-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-a-agua/ - acesso em 15/junho/2017.
[4] http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/reducao_de_impactos2/clima/mudancas_climaticas2/ - acesso em 15/junho/2017
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