O Direito necessita de um chão sólido para que possa ser pisado. Não há como andar com uma postura escorreita num terreno lodoso. O local em que se pisa deve ser firme, aguentando as passadas que recebe. Sendo o Direito um tipo peculiar de fenômeno que segue caminhando independentemente do chão onde pisa, o esmero para com essa base deve se fazer presente, sob o risco de o piso ceder.
Há bases estruturais possíveis para o Direito. A ciência jurídica por si só não dá conta de construir esse aparato necessário, vez que sequer consegue lidar com a necessária compreensão prévia daquilo que possibilita seus fundamentos. Conforme explanou nesse sentido, Claudio Melim[1]:
A busca por condições para responder o que ou como é o Direito é um problema de fundamento. As ciências pressupõem seus fundamentos, mas não sabem lidar com eles diretamente. A Ciência Jurídica precisa dessa resposta sobre o que ou como é o Direito, mas, ao tentar resolver a questão, sem ter recursos para tanto, acaba criando ficções ingênuas de uma racionalidade justificadora que só potencializam ainda mais os efeitos nocivos dessa crise de compreensão. Não se trata de um problema com os textos legislativos ou com os métodos lógico semânticos que presidem a interpretação. Há algo anterior que precisa ser compreendido.
Daí a necessidade da filosofia para se refletir e estabelecer bases possíveis que fundam e firmam o Direito. Por mais que, ainda com Claudio Melim, “não se sabe dizer o que ou como é o Direito”, tem-se que é um fenômeno observável e que produz efeitos. A coisa é sempre mais embaixo, claro, de modo que os estudos profundos da questão são extremamente necessários. Mas também é imperioso estabelecer um chão mínimo, para que ao menos se tenha de onde partir e por onde se andar.
Dito de uma maneira direta, esse chão é estabelecido pela Constituição Federal. É pela Constituição que se fundam os caminhos possíveis a serem trilhados. Qualquer desvio desses chãos erigidos, resultará no caminhar em terrenos tortuosos, pedregosos e movediços. Daí a necessidade de se saber onde pisa e cuidar com a direção para a qual se segue.
O problema é quando se tem esse chão feito, mas os viajantes insistem em tentar pegar atalhos. Os resultados são sempre desastrosos. Uns seguem firmes numa direção escolhida que não sobre o chão firme, sem se dar conta do precipício que os aguarda ao final da trilha tortuosa. Outros ousam de maneira pedante ao pavimentar o próprio caminho, acreditando que aquele chão construído à sua maneira os levará para um destino melhor que aquele que já existe firmado – é a bondade dos bons que acaba por vendar os inovadores, impossibilitando que o perigo residente nesse tipo de proposta seja visto.
Há tempos Lenio Streck vem lutando contra esse lastimável atual cenário jurídico que é amplamente observado. A Constituição Federal é diariamente dilapidada. Cada um segue o caminho que melhor entende ser o correto. Fatores endógenos e exógenos contribuem para que os juristas julguem ser melhor construir e seguir o próprio caminho que não aquele determinado pela Constituição. A moral e a política estão entre os maiores vilões (lobos em pele de cordeiro) do Direito. E assim vão sendo criados atalhos, bifurcações, desvios e trilhas diferentes, ignorando-se que já existe um caminho concreto, firme e forte, que foi erigido pela Constituição.
A observância desse chão firme é salutar e medida necessária para que o Direito funcione. Respeitar estritamente aquilo que é dito pela Constituição é seguir por um terreno sólido que suportará as pisadas dos viajantes. O alerta sobre os perigos do desvio é constantemente feito por Lenio Streck, o qual assim evidencia:
Constituição é norma. Não por capricho. É norma porque, no direito “Auschwitz nunca mais”, a democracia só se faz no direito e pelo direito. Política e moral (principalmente estes dois predadores) devem ser controlados. Caso contrário, o direito se transforma em política ou moral. Simples: se não há controle sobre a política, então não há mais direito. Quem acha que vale, excepcionalmente, dar um drible no direito, está dizendo que política e moral valem mais do que o direito.[2]
Nunca é demais dizer que a Constituição Federal é a norma base que deve servir como a estrutura que direciona as demais legislações. Mesmo com as dificuldades de se compreender os seus fatores fundantes, o piso do Direito deve ser sólido, evitando-se os desvios que acarretam nas rupturas que são vistas por aí.
Somente pela Constituição é possível estabelecer um chão firme em que se possa pisar sem receio de ser tragado pela areia movediça.
Notas e Referências:
[1] MELIM, Claudio. Por que a ciência jurídica precisa da filosofia? Disponível em: http://emporiododireito.com.br/por-que-a-ciencia-juridica-precisa-da-filosofia/ ISSN 2446-7405. Acesso em 02/03/2017
[2] STRECK, Lenio Luiz. Cuidado: o canibalismo jurídico ainda vai gerar uma constituinte. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-jun-09/senso-incomum-cuidado-canibalismo-juridico-ainda-gerar-constituinte/ ISSN 1809-2829. Acesso em 02/03/2017
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