O Caibalion e o princípio da neutralidade hermética: a chama que ilumina o Direito

05/08/2017

Por Alexandre Hardt Bortolotto – 05/08/2017

O Caibalion é uma obra baseada nos preceitos herméticos do mundo antigo. Embora não se tenha conhecimento acerca da autoria do escrito, sua contribuição filosófica é imensurável. Versa acerca dos sete princípios herméticos atribuídos a Hermes Trismegisto. Não há, igualmente, muitas informações precisas sobre Hermes Trismegisto, havendo quem defenda sua existência entre os anos de 1.500 a.c. a 2.500 a.c., e, inclusive, havendo quem advogue tratar-se de uma lenda.

O quinto dos sete preceitos abordados no livro é o princípio do ritmo. Vejamo-lo:

“Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem suas marés; tudo sobe e desce, tudo se manifesta por oscilações compensadas; a medida do movimento à direita é a medida do movimento à esquerda, o ritmo é a compensação.

Como subprincípio ao preceito do ritmo a obra aborda a lei da neutralização.

Vejamos trechos do livro a respeito dessa lei:

“A importância disto pode ser apreciada por qualquer pensador que compreende que a maioria das pessoas são criaturas de condições, emoções e sensações, e que só manifestam um domínio próprio muito insignificante. (...) E assim sempre aconteceu com a maioria das pessoas: tempos de sensação sempre apareceram e desapareceram com elas, mas elas não suspeitaram a causa ou razão do fenômeno mental. A compreensão das operações deste Princípio dará à pessoa a chave para o Domínio destes movimentos rítmicos de emoções, e habilitá-la-á a conhecer melhor a si mesma e a evitar de ser levada por estes fluxos e refluxos.

“(...) os hermetistas pregam que o Mestre ou o estudante adiantado está habilitado em grau elevado, a escapar o movimento para o Sofrimento, pelo processo de Neutralização antes mencionado. Elevando-se ao plano superior do Ego, muitas das experiências que acontecem aos que vivem no plano inferior são evitadas e escapadas.

Eles não podem anular o Princípio ou impedir as suas operações, mas aprenderam como se escapa dos seus efeitos na própria pessoa, até um certo grau que depende do Domínio deste Princípio. Aprenderam como empregá-lo, em vez de serem empregados por ele."

Para melhor compreensão dos princípios herméticos há em especial uma aula singular e magistralmente proferida pela professora Lúcia Helena Galvão, da Escola de Filosofia Internacional Nova Acrópole[1] em que podemos extrair um exemplo bem ilustrativo sobre a lei da neutralização.

Referida professora, na aula mencionada, assim exemplifica o princípio da neutralidade:

“(...) duas crianças brigando por um ursinho e você quer resolver a briga. Qual a condição fundamental para você resolver essa briga? Que você não deseje o ursinho! Porque se você deseja o ursinho, você vai ser uma terceira criança brigando pelo ursinho. Você vai aumentar o conflito, não vai resolvê-lo.”

Esse exemplo ilustra uma das nuances possíveis do princípio hermético da neutralidade.

Evidencia-se, pois, que àquele imbuído do dever de solucionar um embate não recaia a aspiração ou o desejo sobre o mesmo objeto do conflito.

Caso assim não o seja, o conflito poderá ser agravado ou então injustamente solucionado.

Transpondo a ideia ao campo do Direito, podemos também visualizar sua incidência e verificarmos suas consequências.

Quando as emoções e sensações dos julgadores (solucionadores de conflitos) estão envolvidas diretamente e no mesmo nível, possivelmente o resultado não será próximo do ideal de justiça.

No campo do Direito Penal, por exemplo, podemos fazer menção ao que o professor Alexandre Morais da Rosa esmiúça em suas obras de direito processual penal segundo a teoria dos jogos.

Ao tratar dos envolvidos no processo penal como “jogadores”, o professor Alexandre diz que “os jogadores são sujeitos humanos com racionalidade limitada e com forte variável emocional. (...) os jogadores são humanos, com o melhor e o pior que têm de si. Não fujamos de nós mesmos[2]

Sendo humanos, portanto, os solucionadores de conflitos (juízes) têm suas cargas sensitivas e emocionais.

A questão, então, pode ser trabalhada no sentido de se evitar que os julgadores tenham apego demasiado. Evitar que resolvam a disputa pelo ursinho, também querendo o ursinho.

Um magistrado, na solução da causa, só exerce sua função democraticamente quando visa um resultado que siga as regras do jogo. Esse tema não é novo, mas sempre atual e necessário.

Urge sempre e ao máximo insistirmos nisso!

O princípio hermético da neutralidade dá arrimo à conclusão de que não é visando à punição e à vingança que se julga. A tarefa não é fácil, mas fundamental!

Hermes Trismegisto, na acepção que o queiram compreender, sendo lenda ou não, advertiu de há muito que um julgamento tende a ser justo na mesma medida em que é neutro. São fatores diretamente proporcionais.

Resta-nos acreditar que não necessitaremos de milênios para que isso seja compreendido, mas se assim o for, sigamos perseverando sempre.

Mesmo tão remotos e por mais adversidades que tenham encontrado na história da humanidade, os princípios herméticos não se perderam. A chama do conhecimento foi passada de tempos em tempos. Não se apagou! Ainda ilumina, mesmo que arrefecida.

Nos dizeres constantes da introdução do Caibalion: "Oh! não deixeis apagar a chama! Mantida de século em século nesta escura caverna, neste templo sagrado! Sustentada por puros ministros do amor! Não deixeis apagar esta divina chama!"


Notas e Referências:

[1] https://www.youtube.com/watch?v=5mxO9nqT5Js&t=7s (em especial o trecho entre 36min42seg a 40min).

[2] ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos Jogos e Processo Penal: A Short Introduction. 1ª edição. Editora Letras e Conceitos Lda; Empório do Direito e Empório Modara. 2017, páginas 12 e 26.


Alexandre Hardt Bortolotto. Alexandre Hardt Bortolotto é advogado criminalista. Bacharel e pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel – Univel. É membro suplente do Conselho Comunitário de Segurança de Toledo/PR – CONSEG e membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM..


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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