Por Roberto Bona Junior - 27/03/2016
A recente postura do STF e do MPF no combate à corrupção em muito se assemelha à Teoria do Direito Penal do Inimigo, criada em 1985 pelo alemão Günther Jakobs.
Motivada por políticas de combate à criminalidade, a teoria se baseou em três pilares: antecipação da punição; desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de garantias processuais; e criação de leis severas direcionadas às sociedades criminosas organizadas, criminosos econômicos, terroristas, dentre outros.
Jakobs baseou-se em Rosseau, Fichte, Kant e Hobbes, criando dois sistemas de direito penal: direito penal do cidadão e direito penal do inimigo.
O primeiro era dirigido ao cidadão que, ao violar uma norma, recebia a oportunidade de reestabelecer o valor desta através de uma pena. Era punido como um cidadão, mantendo, pelo Estado, o seu status de pessoa e o papel de cidadão reconhecido pelo Direito.
O segundo era reservado àqueles indivíduos que, pelo seu comportamento, tinha se afastado de maneira duradoura ou ao menos de modo decidido, do Direito. Não proporcionava a garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como pessoa, devendo ser tratado como inimigo. Esse não merecia quaisquer garantias fundamentais.
A Teoria do Direito Penal do Inimigo foi oriunda do “Direito Penal do Terror”, ocorrido na Idade Média, onde tribunais julgavam aqueles que eram considerados uma ameaça à sociedade. Os condenados eram presos e submetidos a um processo inquisitivo, sem direito de saber quem os denunciava.
Recebeu inúmeras críticas por ser incompatível com o modelo de estado democrático de direito, adotado pelo mundo moderno. Afinal, era dotada de autoritarismo, onde o inimigo era punido de acordo com a sua periculosidade e não de acordo com sua culpabilidade.
Coincidência ou não, as recentes decisões do STF tem sido similares, como é o caso da recente admissão da execução provisória da pena e do acesso pela Receita Federal aos dados do contribuinte sem prévia autorização judicial. Há também as 10 medidas de combate à corrupção, idealizadas pelo MPF. São medidas que transpõem garantias individuais e princípios constitucionais, afrontando o Estado democrático de direito.
A legitimação de atitudes por parte do Estado através de um discurso punitivo desvinculado de diretrizes democráticas demonstra um modelo hegemônico do poder punitivo. A eventual desconsideração de direitos fundamentais, sob o escudo de um discurso punitivo, demonstra a fragilidade do sistema jurídico ante as decisões proferidas pelos órgãos judiciais. Caminha-se para uma importante transformação legislativa, ao passar do democrático direito penal do fato para um discriminatório direito penal do autor.
Essas decisões recentes preocupam. Ignora-se a Constituição, restringe-se seu alcance normativo e cria-se um “Tribunal Parlamentar” que legisla como bem entender, de acordo com seus interesses. É o que fez recentemente o STF ao definir o rito sobre o impeachment da presidente Dilma.
Sabemos que essas medidas são frutos da pressão popular de uma sociedade cansada de tantos escândalos de corrupção, que protesta por mudanças. Mudanças que todos nós queremos. Mas não podemos permitir que isso aconteça à qualquer custo, com violação de direitos e garantias individuais.
A teoria de Jakobs é rechaçada por países que vivem em uma democracia plena, como é o caso da Suécia, Holanda, Noruega e Dinamarca, dentre outros. São países que fecham presídios por falta de população carcerária, resultado de uma política criminal efetiva de aplicação de penas alternativas, como é o caso da Holanda. Ou de países que, ao condenar criminosos da pior estirpe, disponibilizam celas individuais, similares a um apartamento pequeno, com mesa de trabalho, laptop e esteiras de corrida, como aconteceu com Anders Breivik, um dos maiores criminosos dos últimos tempos na Noruega. Importante destacar que a Noruega é o país que se tem a menor taxa de reincidência do mundo, 20%, antes aos nossos 70%.
Até os Estados Unidos - maior população carcerária do mundo – tem mudado suas politicas criminais para tentar conter essa alta demanda de penitenciárias. Anunciou recentemente a concessão de liberdade a 6 mil presos federais, por porte de drogas, por entender que essa guerra ao consumo - que trata do usuário como um inimigo da saúde - é ineficiente e ineficaz.
Atentos a esses moldes, a sociedade jurídica tem criticado veementemente o STF e o MPF por essas medidas, visto o nítido retrocesso para o qual estamos caminhando. É necessário que seja retomada a consciência e o bom senso de nossos operadores do direito, que devem voltar a proteger o nosso patrimônio jurídico mais precioso. A Constituição!
. Roberto Bona Junior é formado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade Positivo. Ex vice-presidente da OAB Jovem Seccional Paraná. . .
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