O BONAPARTISMO, POR NICOS POULANTZAS: PARA ALÉM DO SENSO COMUM      

09/07/2019

1 Introdução

            Na doutrina marxista, principalmente a de viés político, o termo bonapartismo apresenta-se, ainda que com determinada regularidade, como um termo devidamente definido e compreensível, mesmo que ainda não possa ser considerado como um termo esgotado semanticamente, haja vista padecer, referido termo, dos vícios de linguagem, ou seja, “todas as palavras são vagas e muitas são ambíguas (todas ao menos potencialmente ambíguas)”[1].

            Numa das possíveis compreensões do termo, tem-se como bonapartismo todo e qualquer regime que se utiliza de certo grau de coercitividade, exteriorizando-se como um regime ditatorial e de teor repressivo, ocasião em que se deixa de lado a democracia burguesa para se instaurar, ainda que de forma mediana, a violência. Esse é um viés dado pelos Partidos Comunistas estalinizados a partir do fim da década de 20 do século passado. Há, ainda, outras diversas significações possíveis acerca do termo bonapartismo os quais, na grande maioria das vezes, evidenciam um certo “senso comum”.

Não obstante, o que interessa no presente texto é ir um pouco além, ainda que de maneira singela, apresentando um possível “senso incomum” acerca da significação de aludido termo, ainda que se tenha em mente que, evidentemente, os regimes bonapartistas possuem acentuada violência e com teores coativos médios, ou seja, maior do que em regimes regidos pela democracia e menor do que em regimes totalitários.

Mas, há que se conspirar que não é por meio de um “violenciómetro” que se irá permitir diferençar um regime de outro, mas, sim, atentando-se para as formas qualitativas e quantitativas de referida atividade repressiva, ou seja, de que modo e a que classes, frações de classes ou grupos políticos a máquina policial militar e seus eventuais colaboradores paraestatais direcionam seus armamentos.

            Ademais, este regime apresenta-se por meio de um líder influente, onde o Poder Executivo é forte e totalmente inflado burocraticamente, além de, as Forças Armadas, possuírem um papel político demasiadamente destacado. Por derradeiro, tem-se que o bonapartismo é predicado de regimes e de governos, porém, não de Estados.

            É neste sentido que Nicos Poulantzas, grego, filósofo e sociólogo, marxista, membro do Partido Comunista da Grécia e radicado na França, ocasião em que foi aluno de Louis Althusser, um também influente filósofo marxista, fornece elementos que nos permitem ingressar melhor na definição do conceito do termo bonapartismo.

 

2 Problema da palavra “bonapartismo”

            Antes de se questionar o que é bonapartismo, deve-se ter em mente que bonapartismo é uma palavra. E o que isso importa? Isso importa em decidir qual o significado será atribuído a este termo.

            Pois bem. Parte-se da premissa de que se percebe o mundo a partir da linguagem[2] e que a língua é utilizada não somente para a realização do processo comunicacional[3], mas, também, para propagar as perspectivas do mundo.

Adotando-se o posicionamento de que a linguagem é constituidora da realidade, percebe-se que a realidade é construída por arquétipos linguísticos de determinado grupo humano a que pertence, ao passo que a linguagem, a partir do denominado giro-linguístico[4], deixou de ser um terceiro elemento, aquele existente entre o sujeito e o objeto, e passou a ser constituidora tanto do sujeito quanto do próprio objeto, conforme denunciado por Dardo Scavino[5]:

Para dizê-lo rapidamente – porque logo teremos a oportunidade de aprofundar este tema -, falar de um “giro linguístico” em filosofia significa aqui que a linguagem deixa de ser um meio, algo que estaria entre o eu e a realidade, e se converteria em um léxico capaz de criar tanto o eu como a realidade. Uma das premissas a partir das quais se pode pensar o “giro linguístico” foi proposta por Ludwig Wittgenstein em se Tractatus: a linguagem e o mundo são coextensivos, os limites de um são exatamente os limites do outro. Ou, dito de outro modo, meu mundo é minha linguagem.

Neste sentido, tanto o conhecimento, quanto a realidade e a verdade, todos são dimensões linguísticas. É a linguagem quem constitui a realidade. É ela quem corta e recorta a tessitura da vida social, sendo inconcebível fugirmos dela. A linguagem sempre nos alcançará. E de maneira inapelável. É o que se denomina cerco inapelável da linguagem[6].

É por isso que pontifica Vilém Flusser que “universo, conhecimento, verdade e realidade são aspectos linguísticos, de tal modo que a língua é, forma, cria e propaga a realidade.”[7]

Com efeito, tudo o que o homem conhece pela intuição sensível e que se avalia como realidade, em verdade, é dado bruto. Este dado bruto torna-se real apenas no contexto da língua, a qual é hábil a transformar o caos dos dados percebidos, no cosmos das palavras preenchidas de sentido. A propósito[8]:

O caos irreal do poder-ser, do vir-a-ser, do potencial que tende a realizar-se, o qual estamos acostumados a chamar de realidade, surge à tona, aparece ao intelecto, organiza-se em cosmos, em breve: realiza-se nas formas das diversas línguas.

            Logo, no mundo há apenas uma aparência de caoticidade, e que, por meio da linguagem, passa a ser ordenado, constituindo-se a realidade na sua plenitude cósmica.

Nesta esteira, o “nômeno” ou o “mundo em si” apresentado por Immanuel Kant é incognoscível. Isso porque a realidade, na sua totalitária tessitura social, qualificada por sua ininterrupta continuidade heterogênea, escapa ao conhecimento humano. O que se tem de conhecimento dessa realidade é o acesso tão somente à parte dela. E para se ter acesso a essa parte da realidade, ao denominado “fenômeno” ou o “mundo para si” de Kant, necessita-se de cortes e recortes, o qual se dá por meio da linguagem para que se possa eleger o objeto cognoscível a ser apreendido pelo sujeito cognoscente, fazendo-se com que, daquela realidade, por meio de um ato gnosiológico, abstraia-se um objeto e repousa-se a atenção nele, num verdadeiro descontínuo homogêneo, afinal de contas, o “cindir é desde o início”[9], como já alertava Pontes de Miranda.

Desse “cindir”, elege-se um objeto e surgem as teorias acerca dele, teorias estas que dependem deste objeto cognoscível e de uma descrição sobre ele, sendo que este objeto, portanto, será constituído por meio da linguagem.

Disto, pode-se inferir que não se conceitua dados da experiência, conceitua-se termos. Como os termos são símbolos convencionalmente arbitrados e que se associam a outros símbolos, não há uma relação ontológica entre o dado bruto e o que eles representam. Assim, tem-se que o conceito é a ideia de um determinado termo, ou seja, a significação deste termo, sendo isso que dá ensejo a identificar a forma de uso da palavra sob determinado contexto comunicacional. Logo, o conceito é critério não somente de classificação como também de diferenciação de objetos, o que permite fazer uma segunda inferência, que o conceito possui função seletiva (seletor de propriedades).

Ora, como dito acima, a partir do giro-linguístico a linguagem passou a ser constituidora da realidade, ocasião em que os termos não possuem mais um único conceito, uma essência, um significado ontológico. O conceito depende da forma de uso do termo.

Mas, há que se dizer: conceito e definição são coisas distintas. O ser humano pode possuir o conceito (ideia) de um termo, saber utilizar esse termo em inúmeras ocasiões, porém, não conseguir definir esse termo, já que definir é colocar o conceito em palavras, a fim de que a ideia do termo seja constituída linguisticamente.

Essa demarcação linguística de um termo é realizada por meio da definição, seja ela conotativa, seja ela denotativa. Assim, definir é colocar o conceito em palavras, identificando a forma de uso do termo.

Nesta conjuntura, definir bonapartismo não é das atividades mais fáceis, já que suas possibilidades de uso são das mais variadas possíveis. A amplitude de seu conceito, aliado às várias possibilidades de definições que identificam inúmeras possibilidades de uso, constituem diferentes realidades do bonapartismo, ou seja, é um termo impreciso linguisticamente, que padece dos vícios da ambiguidade e vaguidade.

Esses vícios de linguagem, no entanto, não estão sujeitos à cessação, mas, tão somente de mitigação, e isso pode ser efetuado justamente por meio da própria construção de uma definição, como será feito a seguir.

 

3 O “senso-incomum” do termo bonapartismo

            A fim de definir o conceito de bonapartismo, parte-se do “senso incomum” acerca deste termo, trazendo à baila algumas refinadas referências doutrinárias: Marx e Engels, de modo que seja verificada a existência de elementos em comum acerca da definição do conceito de bonapartismo.

De maneira sucinta, determina-se que o bonapartismo se exprime, fundamentalmente, pele presença de uma característica muito bem sedimentada, afinal, como dito acima, o conceito é seletor de propriedades: a chamada autonomização relativa do Estado diante das classes e demais segmentos sociais em presença.

Assim, em determinadas exasperações das lutas de classes, em que a classe proletária se mostra como intimidadora, ainda que somente de forma potencial, ao controle do capital, ocasião em que nenhuma das frações da classe dominante possui possibilidades de fixar projetos políticos à sua sociedade, ou de guiá-la segundo seus interesses particulares, instaura-se a famigerada crise de hegemonia.

Nesta conjuntura de acentuada segmentação social com repercussão política, ou seja, de equilíbrio de forças e incapacidade hegemônica, o Estado reage e se elava acima dos grupos conflitantes a fim de apregoar uma unicidade nacional que visa a imposição da paz social, porém, utilizando-se da força, tudo em nome da proteção de um capitalismo até então ameaçado.

Essa elevação do Estado a um ser divino superior em relação às partes contenciosas manifesta exatamente a autonomia relativa angariada pelo Estado, frente às dissemelhantes frações do capital e suas performances políticas.

Assim, o Estado, enquanto determinante da vida social, precisa obtemperá-la sob a sua direção e sob seus princípios políticos de calibre fundamentalmente burocrático. Neste passo, sob o bonapartismo, o Estado, diante da relativa autonomia face às frações burguesas, posiciona-se como preposto dos interesses de parte da burguesia, e o faz mesmo a despeito desta última. Isso não significa, porém, que não haja frações de capital privilegiadas pelas políticas estatais sob o bonapartismo. Tem-se, assim, um regime político determinado pela dominação política mediata da burguesia em relação às demais classes sociais.

Com efeito, o bonapartismo manifesta-se, à vista disso, não somente como um regime político, mas, como uma categoria de governo, em que a própria classe dominante não tem acesso direto aos freios do Estado.

Nesta conjuntura, o bonapartismo reporta-se a um processo pelo qual a burguesia se abstém de suas atribuições relacionadas à soberania política para poder preservar a sua predominância econômica em relação à classe proletária.

 

4 O bonapartismo de Nicos Poulantzas

Depois de apresentadas essas considerações acerca do termo bonapartismo, merece ser trazido à baila as contribuições atinentes à espécie ofertadas oferecidas por um específico autor: Nicos Poulantzas.

Nicos Poulantzas seleciona algumas propriedades acerca do termo que permite seja construída uma definição para, assim, ter-se uma melhor compreensão e designação do termo bonapartismo.

No entanto, como restará demonstrado, o conceito que Poulantzas apresenta a respeito do termo bonapartismo foge, ainda que a passos curtos, de algumas propriedades do bonapartismo trazidas até o presente momento.

Poulantzas traz consigo um cerrado conteúdo a respeito de poder político em sociedades impregnadas pelo modo de produção capitalista, ocasião em que, diante de suas interpretações acerca das refinadas teorias de Marx e Engels sobre a manifestação bonapartista, pontificou que referida manifestação, a bonapartista, não obstante seja uma forma concreta do Estado capitalista, também se apresentava como uma linha teórica peculiar do Estado capitalista.

Pelas ideias de Poulantzas, os teóricos Marx e Engels, ao analisarem o sistema político do bonapartismo francês e alemão acabaram identificando que havia uma propriedade que, altivamente do grau do capitalismo existente, sempre, frise-se, sempre estaria vigente num Estado Capitalista a denominada autonomia relativa do Estado diante das classes sociais.

Neste sentido, a reprodução ideal do movimento real do bonapartismo de Marx e Engels teria, de acordo com Poulantzas, confidenciado a chave do Estado capitalista: a autonomia relativa do Estado face às classes sociais nele existente.

Em vista disso, cumpre vislumbrar que, para Poulantzas, a autonomia relativa do Estado frente às demais classes sociais nele existente, categoria elementar para a definição do conceito de bonapartismo em Marx e Engels, estaria umbilicalmente ligada em toda e qualquer situação da luta de classes existentes nos Estados capitalistas.

Deste modo, não tão somente nas famigeradas crises de hegemonia, mas, durante toda a existência histórica do modo de produção capitalista, ter-se-ia um aparelhamento estatal abastecido de autonomia relativa diante das classes sociais, que teria atributo especificamente político, do Estado em relação aos ideais políticos diretos das classes sociais.

Para Nicos Poulantzas, destarte, a autonomia relativa do Estado não se refere ao produto de um referido contexto político de luta de classes, nem ao produto de um mister do aparelho estatal em um estipulado grau, ainda que extemporâneo, do monopólio capitalista para assegurar próprio modo de produção capitalista, tal como pretendem os defensores da teoria derivacionista do Estado.

Nicos Poulantzas, trazendo à lume os ideais de Marx, entende que a maneira dos assenhoreamentos excessivos do capitalismo seriam os verdadeiros motores do surgimento desta autonomia específica da superestrutura jurídico-política frente às relações de produção, ocasião em que seria concebida, internamente à referida superestrutura, uma isonomia formal entre os indivíduos.

E mais, mascarando a verdadeira existência das classes sociais com a utilização do termo jurídico “cidadão”, sujeito que pertence às relações políticas, às quais, por suas vezes, são representadas pelo Estado, tais estruturas jurídicas fabricariam uma ideologia que trariam efeitos de isolamento nos reais indivíduos. Assim, deixariam de ser percebidos como partes de uma classe social, e os componentes das classes sociais inclinar-se-iam a procederem nos âmbitos econômicos e políticos de forma singular e isolada.

Como o modo de produção capitalista traz isso como um elemento estrutural, esse efeito de isolamento obstaculiza a possibilidade de se ter uma política organizada e uníssona entre as classes sociais, mesmo em relação à classe dominante.

Acresce-se a isso o fracionamento da classe dominante e a possibilidade de o Estado exteriorizar-se como um elemento neutro diante das classes dominadas, o que resultaria que a edificação hegemônica da classe burguesa ou de fração da classe burguesa ocorresse sempre mediante um aparelho do Estado possuidor dessa autonomia relativa face às classes sociais, inclusive sobre a classe burguesa ou fração da classe hegemônica.

Como essa autonomia relativa presente no Estado capitalista, este passaria a ter duas funções: a uma, a de realizar a organização política da classe dominante para determinar sua hegemonia frente aos proletários; a duas, desarranjar a classe trabalhadora politicamente.

Ademais, de acordo com a teoria de Nicos Poulantzas, distintamente do que havia sido comentado no capítulo anterior, o Estado seria concebido com uma autonomia relativa face às classes sociais, ainda que em situações de clara hegemonia.

Isso quer dizer que a constituição de uma soberania política hegemônica resultaria rigorosamente na existência dessa denominada autonomia relativa do Estado, haja vista ser inalterável a incapacidade da classe dominante definir essa hegemonia frente à classe dominada por meio de seus próprios passos.

Isso permite inferir que, para Nicos Poulantzas, a autonomia relativa do aparelho estatal é contínua, ocasião em que o bonapartismo restou compreendido como uma espécie capitalista do aparelho estatal, onde essa referida autonomização relativa do Estado resultaria numa intensidade agressiva, ocasião em que este Estado ocuparia uma considerada presença e, talvez isoladamente, na edificação de uma dominação política. Neste sentido, convém trazer a seguinte citação:

Nos limites fixados pela relação entre as estruturas e o campo da luta de classes, essa autonomia relativa do Estado pode variar consoante as modalidades que revestem a função que ele detém relativamente às classes dominantes, e consoante a relação concreta das forças em presença. O Estado pode, por exemplo, funcionar como fator de organização política dessas classes, o que se manifesta através da relação complexa entre o Estado e os partidos dessas classes. Nesse caso, essa autonomia relativa será decifrada na relação Estado-partidos, continuando esses partidos a revestir uma função organizacional própria. O Estado pode também substituir-se a esses partidos, continuando a funcionar como fator de organização hegemônica dessas classes. Pode também, em certos casos, tomar inteiramente a seu cargo o interesse político dessas classes: trata-se do fenômeno histórico do bonapartismo francês. Neste último caso, a autonomia relativa do Estado é tal que as frações dominantes parecerão renunciar ao seu poder político, tal como Marx no-lo descreve nas suas análises relativas ao Segundo Império.[10]

Nicos Poulantzas é um pouco obscuro acerca do entendimento de se é possível ou não existir fração de classes hegemônicas durante o bonapartismo. Porém, em sua teoria, resta claro que a famigerada autonomia relativa do Estado frente às classes sociais em luta existiria inclusive durante a hegemonia de classe dominante.

Com efeito, o bonapartismo, segundo Nicos Poulantzas, ao ter essa propriedade indispensável ampliada aos demais modelos de autoridade política, deixa de lado sua propriedade peculiar enquanto um regime em que a classe dominante perde o acesso direto ao comando do Estado, justamente por conta dessa autonomia relativa do Estado em relação à classe burguesa.

E, diante dessas ideias apresentadas por Nicos Poulantzas, pode-se inferir que o bonapartismo se apresenta de maneira desigual em relação a outros modelos de autoridade política dominante apenas quantitativamente e não qualitativamente.

Com isso, o bonapartismo seria apenas um dos modelos políticos do Estado capitalista, o qual possui, diuturnamente, a autonomia relativa frente às classes sociais nele existentes.

Ademais, a teoria de Nicos Poulantzas acerca do bonapartismo e sua propriedade de autonomização política do Estado é capaz de fundamentar possíveis causas de conflitos entre a classe dominante e o próprio Estado, uma vez que este, a fim de garantir certos objetivos políticos da classe burguesa, pode implementar determinadas políticas prejudique as predileções econômicas da classe própria classe dominante e de fração de referida classe. Vejamos:

Essa autonomia relativa permite-lhe [ao Estado] precisamente intervir não somente com vista a realizar compromissos em relação às classes dominadas, que, a longo prazo, se mostram úteis para os próprios interesses econômicos das classes e frações dominantes, mas também intervir, de acordo com a conjuntura concreta, contra os interesses a longo prazo de tal ou qual fração da classes dominante: compromissos e sacrifícios por vezes necessários para a realização do seu interesse político de classe. Basta mencionar o exemplo das chamadas “funções sociais” do Estado, que atualmente [1968] revestem uma importância crescente. Se é bem verdade que, atualmente, elas são conformes à política de investimentos estatais, visando a absorção de subprodutos da produção monopolista, não é menos verdade que elas foram impostas às classes dominantes pelo Estado, sob a pressão da luta das classes dominadas; isto traduziu-se, frequentemente, por uma hostilidade entre o Estado e as classes dominantes.[11]

Neste sentido, resta claro que, para Nicos Poulantzas, a conceito de bonapartismo deve partir de uma autonomia relativa do Estado, a qual se encontra manifestada em qualquer espécie de regime empregada pelo Estado capitalista.

Selecionadas essas propriedades acerca do termo bonapartismo, a partir de Nicos Poulantzas, permite-se inferir que uma definição do conceito de bonapartismo seria qualquer forma de regime do Estado capitalista, dotado de autonomia relativa, seja durante a hegemonia da classe dominante ou mesmo durante a crise hegemônica, que permite que referido Estado possa intervir não somente com a intenção de concretizar compromissos em relação às classes dominadas, mas, outrossim, intervir, de acordo com a conjuntura concreta, contra os interesses também das classes/frações de classes dominantes, compromissos e sacrifícios por vezes necessários para a realização do seu interesse político de classe.

 

5 Conclusão

            Considerando que o termo bonapartismo padece dos vícios de linguagem – ambiguidade e vaguidade – houve por bem trazer à baila alguns conceitos seletores de propriedade que permitissem a classificação deste termo, identificando suas características, onde, a partir daí, pudesse ser construída a sua definição.

Assim, apresentou-se uma definição do conceito de bonapartismo partindo das ideias de Nicos Poulantzas acerca do termo, o que difere da ideia de bonapartismo existente no senso comum como aquele regime do Estado capitalista que se utiliza de certo grau de coercitividade, exteriorizando-se como um regime ditatorial e de teor repressivo que deixa de lado a democracia burguesa para se instaurar, ainda que de forma mediana, a violência.

Deste modo, conforme já dito, Nicos Poulantzas apresenta um cenário diferente para o bonapartismo, ao passo que este poderia ser definido como qualquer forma de regime do Estado capitalista, dotado de autonomia relativa, seja durante a hegemonia da classe dominante ou mesmo durante a crise hegemônica, que permite que referido Estado possa intervir não somente com a intenção de concretizar compromissos em relação às classes dominadas, mas, outrossim, intervir, de acordo com a conjuntura concreta, contra os interesses também das classes/frações de classes dominantes, compromissos e sacrifícios por vezes necessários para a realização do seu interesse político de classe.

 

Notas e Referências

CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2010.

CARVALHO, Paulo de Barros. Prefácio. In: MENDES, Sônia Maria Broglia. A validade jurídica – pré e pós giro linguístico. São Paulo: Noeses, p. XI.

FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 2ª. Ed. São Paulo: Annablume, 2004.

GUIBOURG, Ricardo; GIGLIANI, Alejandro; GUARINONI, Ricardo.  Introdución al conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba, 1985.

MARX, Karl. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011.

MIRANDA, Pontes de. O problema fundamental do conhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972.

MORENO, Arley. Wittgenstein: os labirintos da linguagem. São Paulo: Moderna, 2000.

POULANTZAS. Nicos. A estratégia revolucionária na atualidade. Porto: Portucalense, 1971. 2 v.

__________. Fascismo e ditadura. São Paulo: Martins Fontes, 1978.

 

[1] GUIBOURG, Ricardo; GIGLIANI, Alejandro; GUARINONI, Ricardo.  Introdución al conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba, 1985, p. 51.

[2] “O termo linguagem designa um conjunto de elementos – nomes, proposições – que, combinados entre si de uma determinada maneira, têm uma significação, possuem vida; como se saem de si próprios para evocar outros objetos, ou as mais variadas situações que compõem o mundo em geral. Os elementos linguísticos possuem algumas propriedades que são comuns a todos eles. Essas propriedades são a garantia de pertencerem todos à linguagem; ou, em outras palavras, essas propriedades comuns garantem e dão sentido à aplicação do termo “linguagem” aos fatos, ao uso que dele fazemos em nossa vida cotidiana. Uma dessas propriedades comuns consiste em que todos os elementos da linguagem representam algo. Ora, isso supõe duas condições: por um lado, que haja diferenças entre aquilo que representa e aquilo que é representado – sem o que não seria possível distinguir o linguístico do não-linguístico; por outro lado, que haja uma semelhança entre o representante e o representado – sem o que não seria possível a relação de representação entre realidades inteiramente heterogêneas.” (MORENO, Arley. Wittgenstein: os labirintos da linguagem. São Paulo: Moderna, 2000, p. 14).

[3] “(…) a ‘comunicação’ é a ‘transmissão, por um agente emissor, de uma mensagem, veiculada por um canal, para um agente receptor, segundo um código comum e dentro de um contexto.” (CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2010, p.167/168).

[4] “Até Kant, a filosofia do ser; de Kant a Wittgenstein, a filosofia da consciência; e, de Wittgenstein aos nossos dias, a filosofia da linguagem, com o advento do ‘giro linguístico’ e de todas as implicações que se abriram para a teoria da comunicação.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Prefácio. In: MENDES, Sônia Maria Broglia. A validade jurídica – pré e pós giro linguístico. São Paulo: Noeses, p. XI).

[5] SCAVINO, Dardo. A filosofia atual: pensar sem certezas. Tradução: Lucas de Brito Galvão. São Paulo: Noeses, 2014, p. XII.

[6] “Na concepção do giro-linguístico não há relação entre palavras e objetos, pois é a linguagem que os constitui. Toda linguagem fundamenta-se noutra linguagem e nada mais existe além dela. Sempre que procuramos o significado de uma palavra ou a justificativa para uma sentença não encontramos a coisa-em-si, nos deparamos com outras palavras ou outras sentenças. É neste sentido que dizemos ser o discurso auto-referente. Por mais que diga, uma linguagem não se reporta a outra coisa senão a outra linguagem. (…) Explicando: uma pessoa, por exemplo, diante do enunciado: “as nuvens são brancas”, pergunta: “que é nuvem?” e depara-se com a sentença: “nuvem é o conjunto visível de partículas de água ou gelo em suspensão na atmosfera”. Em seguida questiona-se: “e que é branco?”, obtendo a resposta mediante outra sentença: “branco é a presença de todas as cores”. Ao indagar, ainda, “por que as nuvens são brancas?”, depara-se com outro enunciado: “as nuvens são brancas porque refletem todas as cores”. E, intrigada por saber “que são cores?”, também se vê diante de mais palavras: “cores são sensações que a onda de luz provoca no órgão de visão humana e que depende, primordialmente, do cumprimento das radiações”. Nota-se que, em momento algum a pessoa deixa o mundo dos vocábulos, é o que denominamos de “o cerco inapelável da linguagem”. (CARVALHO. Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito – o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2010, p. 31, 32.)

[7] FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 2ª. Ed. São Paulo: Annablume, 2004, p.12

[8] Ibdem, 2004, p. 163.

[9] MIRANDA, Pontes de. O problema fundamental do conhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972, p. 54.

[10] POULANTZAS. Nicos. A estratégia revolucionária na atualidade. Porto: Portucalense, 1971, p. 126.

[11] POULANTZAS. Nicos. A estratégia revolucionária na atualidade. Porto: Portucalense, 1971, p. 124.

 

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