O ativismo judicial como princípio norteador da tutela jurisdicional em processo coletivo – Por Denarcy Souza e Silva Júnior e Nathália Ribeiro Leite Silva

16/05/2016

1. O ATIVISMO JUDICIAL COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DA TUTELA JURISDICIONAL EM PROCESSO COLETIVO

1.1. PRINCÍPIOS QUE REGEM A TUTELA JURISDICIONAL EM PROCESSO COLETIVO

Continuando a perspectiva enfrentada na coluna anterior, acerca da Jurisdição em Processo Coletivo, impende analisar, ainda que de maneira sucinta, os princípios que regem a tutela jurisdicional em processo coletivo, notadamente o que se convencionou denominar de Princípio do Ativismo Judicial. É importante rememorar que já foi objeto de artigo desta sessão, uma análise acerca da diferença entre judicialização e ativismo judicial, para o qual se remete o leitor.

Uma das mais relevantes conquistas da teoria jurídica do século XX foi a transposição dos princípios da condição de simples máximas gerais do direito civil com função de supletiva de colmatação de lacunas, para a seara do direito constitucional. Tratou-se da “passagem de uma teoria geral do direito e do processo voltada para o direito civil, para uma teoria geral do direito e do processo com matriz constitucional, portanto publicizada”.[1]

É evidente, nos dias atuais, a influência de que são dotados os princípios em todas as esferas do Direito.

A ordem constitucional atual, pois, baseia-se tanto em regras quanto em princípios, constituindo, ambos, normas que possuem funções diferentes, não havendo que se falar em primazia de uma em detrimento da outra, mas apenas de eficácia e função que diferem entre si e se complementam.[2]

E, na condição de ramo do Direito que, como todos os demais, recebe influxos diretos do Direito Constitucional, tal qual este, também o Processo Civil, hoje, é regido por regras e princípios que lhe são peculiares, e que irão guiar a atividade do aplicador do direito.

Especificamente na seara do processo coletivo, a definição de regras e princípios também é dotada de importância. A doutrina, tanto a nacional quanto a internacional, traz os mais diversos critérios de diferenciação entre regras e princípios, em busca de uma distinção que permita apartar, de maneira segura, o que é regra e o que é princípio.

No estudo do tema Humberto Ávila[3] e Marcelo Neves[4] apontam a existência de distinções fracas e fortes. Exemplificando, o primeiro aponta como fracas as distinções de Josef Esser[5], Karl Larenz[6] e Claus-Wilhelm Canaris[7], e, como fortes, as trazidas por Ronald Dworkin[8] e Robert Alexy[9]. Passando ao largo desta discussão, para o presente trabalho, é suficiente que se firme que os “princípios são sempre razões prima facie e as regras são, se não houver o estabelecimento de alguma exceção, razões definitivas”.[10]Assim, ambos são fundamentos para normas, e apenas de maneira indireta serão razões ou fundamentos para ações.[11]

Firmados esses conceitos, é importante que se esclareça que são diversos os princípios que regem a tutela em processo coletivo, sejam estes exclusivos desta, sejam eles comuns à tutela jurisdicional individual. Não obstante, a conceituação destes princípios fugiria ao escopo do presente trabalho. Destarte, sem menosprezar a existência dos demais princípios regentes das ações coletivas, o que aqui nos interessa é apresentar como norteador da tutela em sede de processo coletivo o princípio do ativismo judicial.

1.2. FUNÇÕES DO PRINCÍPIO DO ATIVISMO JUDICIAL NA TUTELA COLETIVA

Em linhas bastante genéricas, o ativismo judicial, enquanto princípio norte da tutela coletiva, vem representar a ideia de uma participação mais larga do juiz nos processos coletivos, como resultado do notório interesse público que permeia essas ações.[12]

É dizer: nos processos coletivos, levando em consideração que estes se destinam a proteger interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, e que, portanto, transcendem a pessoa do indivíduo observado isoladamente, é importante que o juiz assuma uma postura mais ativa, ou ativista, a fim de garantir a primazia do interesse público em causas dotadas de uma tal relevância.

O surgimento da expressão ativismo judicial ocorreu na primeira metade do século XX, nos Estados Unidos da América, na ocasião em que a Suprema Corte americana procedeu à anulação de diversos atos legislativos e executivos federais e estaduais, ao argumento de que esses consistiam em violação da liberdade econômica.[13]

Sob uma perspectiva geral, pode-se dizer que o ativismo judicial se apresenta de três modos distintos:

(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.[14]

Destarte, adotará uma postura ativista o julgador que estender a aplicação da Carta Maior a casos em que não se situam de modo expresso sob sua égide, que exigir critérios menos rígidos para declarar a inconstitucionalidade de atos normativos, e que proferir comandos dirigidos ao Poder Público para que realize ou se abstenha de realizar determinadas condutas.

Na tutela coletiva, de um ponto de vista do Direito Processual, o ativismo judicial pode ser vislumbrado, por exemplo, como uma faceta do princípio inquisitivo, segundo o qual o juiz “tem o dever não só de franquear a participação dos litigantes, mas também de atuar ele próprio segundo os cânones do princípio do contraditório, em clima de ativismo judicial”.[15] De igual modo, outra manifestação do princípio do ativismo judicial nos processos coletivos é a chamada fluid recovery, e sua consequente determinação de que o magistrado arbitre o valor da indenização residual decorrente da lesão não reclamada a direitos individuais homogêneos.[16]

Entretanto, não há que se questionar que a maior expressão do ativismo judicial, hodiernamente, se revela através do controle judicial de políticas públicas, objeto de considerável parcela dos processos coletivos intentados nos dias atuais. Nesse ponto, importa abandonar a definição mais simplória apresentada acima, e adentrar a discussão acerca das implicações e dos limites a serem impostos ao ativismo judicial, o que será abordado nas próximas colunas.


Notas e Referências:

[1] DIDIER JR., Fredie. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo, vol. 4. 7. Ed. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 99

[2] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11ª edição, rev. – São Paulo. Malheiros Editores, 2010, p. 189

[3] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11ª edição, rev. – São Paulo. Malheiros Editores, 2010, p. 39.

[4] NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules – princípios e regras constitucionais. – São Paulo. WMF Martins Fontes, 2013, passim.

[5] ESSER, Josef.  Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Barcelona: Bosch, 1961.

[6] LARENZ, Karl. Derecho Justo. Fundamentos de Ética Jurídica. Madrid: Civitas, 2001.

[7] CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Tradução de A. Menezes Cordeiro. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996.

[8] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. 2ª ed. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

[9] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª ed. alemã. São Paulo: Malheiros, 2008.

[10] ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 38.

[11] NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules – princípios e regras constitucionais. – São Paulo: Martins Fontes, 2013, p.68.

[12] DIDIER JR., Fredie. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo, vol. 4. 7. Ed. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 132

[13] KRELL, Andreas J. Para além do fornecimento de medicamentos para indivíduos – O exercício da cidadania jurídica como resposta à falta de efetivação dos direitos sociais: em defesa de um ativismo judicial moderado no controle de políticas públicas. In: FEITOSA, Enoque et al (orgs). O Judiciário e o Discurso dos Direitos Humanos, vol 2. Recife: UFPE, 2012, p. 150.

[14] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. In: Revista Atualidades Jurídicas, n.º 4, Brasília: Jan./Fev. 2009. Disponível em: <http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2015.

[15] DINAMARCO, Cândido. Instituições de Direito Processual Civil, vol. 1. 7. Ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 233.

[16] DIDIER JR., Fredie. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo, vol. 4. 7. Ed. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 133.

 


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