Por Juliana Hermes Luz - 01/09/2015
O artigo de hoje busca a reflexão quanto à análise conjunta do art. 9º da Lei de Lavagem de Dinheiro, o instituto do “compliance” da Lei Anticorrupção e a possibilidade de responsabilização objetiva da pessoa jurídica que deixa de comunicar a autoridade competente sobre um possível ato de Lavagem de Dinheiro[1], à luz da alteração promovida pela Lei n. 12.683, de 9 de Julho de 2012.
Nos termos do o parágrafo único do art. 9º da Lei de Lavagem de Capitais, sujeitam-se às obrigações da Lei de Lavagem, as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:
a) a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;
b) a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial;
c) a custódia, emissão, distribuição, liquidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários.
d) as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os sistemas de negociação do mercado de balcão organizado;
e) as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização;
f) as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços;
g) as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos;
h) as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring);
i) as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;
j) as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual;
k) as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros;
l) as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo;
m) as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis;
n) as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades;
o) as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie;
p) as juntas comerciais e os registros públicos;
q) as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: i) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; ii) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; iii) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; iv) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; v) financeiras, societárias ou imobiliárias; e vi) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais;
r) pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares;
s) as empresas de transporte e guarda de valores;
t) as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; e
u) as dependências no exterior das entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País.
O objetivo com a responsabilização de tais pessoas físicas e jurídicas é justamente aumentar o controle sobre a circulação de capital, e ainda, diminuir a possibilidade de “cegueira diante dos fatos”[2] daqueles que tem o condão de averiguar um eventual ato de lavagem de capitais no caso concreto, e deixam de fazê-lo.
Há de se destacar, todavia, que a doutrina e jurisprudência divergem quanto à aplicação da teoria da cegueira deliberada (cegueira diante dos fatos) à Lei de Lavagem de Capitais. A discussão se atém ao questionamento de ser (ou não) possível a responsabilização por dolo eventual e em caso afirmativo, se estaria diante da aplicação da pontuada teoria já que a Lei de Lavagem de Capitais somente manifestou-se quanto ao elemento subjetivo direto, silenciando quanto aos outros dois preceitos, discussão essa que se menciona, por ora, superficialmente, diante do objetivo pretendido mencionado no início do artigo.
Assim, tem-se que, além do agente que comete o ato típico de lavar dinheiro também sujeitam-se às disposições da Lei todas as pessoas jurídicas supramencionadas, enfatizando-se a possibilidade de responsabilização das pessoas físicas na condição de garantes, enfatizando-se que a própria Lei de lavagem em seu art. 12 traz previsão de responsabilização desses agentes também na esfera administrativa.
Diante desse contexto o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) divulgou por meio da Carta-Circular nº. 1, de 1º. de dezembro de 2014, os procedimentos a serem adotados pelas pessoas físicas e jurídicas submetidas obrigatoriamente a colaborar no controle e combate à lavagem de dinheiro, ou seja, para o cadastramento de que trata o inciso IV do art. 10 da Lei nº. 9.613/1998[3].
Por essa carta o COAF assentou o uso do sistema de “compliance”, que consiste, além do supracitado, na organização interna das instituições públicas e privadas para fins de adequação ao controle exigido pela Lei de lavagem de capitais, obrigando as pessoas física e jurídicas a adotar políticas e procedimentos internos para atender aos requisitos da COAF.
Isso porque o agente, para cometer o crime de lavagem, necessariamente terá que se utilizar de uma forma legal para inseri-lo como lícito no sistema financeiro, razão pela qual há a veemente necessidade de sistematização de dados sobre os clientes, operações financeiras, e uma troca de informações entre as entidades e o poder público de atos suspeitos de lavagem de dinheiro que cheguem ao conhecimento da pessoa física ou jurídica.
A orientação do COAF foi no sentido de dar cumprimento ao que preleciona a Lei nº 12.846, de 1º de Agosto de 2013, intitulada Lei Anticorrupção, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, entre outras providências.
Com a mencionada Lei o Estado buscou obter um aliado no combate e prevenção dos crimes contra a administração pública já que, as pessoas jurídicas passaram a ter responsabilidade pelo combate à corrupção por meio do “compliance” devendo praticar uma série de atos visando resguardar o referido bem jurídico, fazendo com que a esfera privada também agisse na prevenção de eventuais crimes, sendo que a não observância a esses postulados poderia ensejar a punição pela prática de um ato comissivo por omissão.
Isidoro Blanco Cordero ao tratar do descumprimento dos deveres de comunicação como os acima expostos adverte sobre a possibilidade de tal conduta ser enquadrada no crime de lavagem de capitais na modalidade da conduta comissiva por omissão, explicando o autor que:
"Ya hemos aludido al examinar las conductas constitutivas de lavado de activos, que algunas de ellas son susceptibles de comisión por omisíon. La posibilidad de admitir la omisión va a depender de la estrutura de cada conducta típica. Así por ejemplo, la conducta de ocultción admite la omisión em aquellos casos em los que la ley imponha expressamente la obligación de declarar algo. Como se há señalado, em el caso del lavado de activos, la exigência de um deber jurídico de obrar cobra especial importância, fundamentalmente, respecto de los supuestos em que la ley nacional impone deberes de comunicación a determinadas personas físicas o jurídicas de hechos u operaciones sospechosas. Quienes omitan esta comuncación, ocultan la naturaliza, el origen, la ubicación, el destino, el movimento o los derechos sobre los bienes o la propriedade de los mismos".[4]
Também, dentre as inovações trazidas pela Lei Anticorrupção, merece destaque novamente a questão da responsabilidade objetiva atribuída à pessoa jurídica ( assim como na Lei de Lavagem de Dinheiro), que poderá, conforme o art. 2º da mencionada Lei, ser punida independentemente da comprovação do dolo ou culpa por parte da companhia, salientando-se, inclusive, a previsão de pesadas sanções a essas eventuais condutas ilícitas.
Tanto a resolução do COAF, quanto a Lei Anticorrupção buscam fazer com a pessoa física e jurídica avaliem a existência de suspeição nas propostas e operações de seus clientes, dispensando atenção diferenciada àquelas não comuns.
Nesse contexto e sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas quanto ao crime de lavagem de dinheiro Isidoro Blanco Cordero adverte que:
"El recurso a las personas jurídicas es uno de los mecanismos empleados por los blanqueadores para realizar sus operaciones de reciclado de los fondos de origen delictivo. Así, los verdadeiros autores del lavado quedan ocultados tras la persona jurídica. Por ejemplo, la creación de empresas o sociedades de importación-exportación, de sociedade inmobiliárias, etc., constituye um recurso frecuente por parte de los lavadores. Este hecho há sido apreciado por los organismos internacionales que tienen como fin la lucha contra el lavado de activos. Concretamente, el Grupo de Acción Financeira (GAFI), em sus recomendaciones dirigidas a los Estados, estabelece que “em la medida de lo posible, las sociedades mismas, y no sólo sus empleados, deberían quedar sujetas a responsabilidade penal” "(recomendación nº7).[5]
Dessa forma, fazendo-se um paralelo entre a Lei de lavagem de capitais, a Lei anticorrupção, as determinações do COAF observa-se que a pessoa jurídica irá responder pelos atos praticados por seus funcionários e órgãos administrativos, diretivos e financeiros, quando verificada a abstenção de algum dos deveres anteriormente mencionados, independentemente de culpa ou dolo, deixando-se para outra oportunidade a abordagem quanto à forma que se dará a responsabilização da pessoa física que se absteve dos deveres mencionados.
Notas e Referências:
[1] Dispõe o artigo 1º da Lei nº. 9.613 de 1998, alterada pela Lei nº 12.683/2012, como crime de lavagem de capitais o ato de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa”. Em seguida, o parágrafo primeiro aduz incorrer na mesma pena quem, ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: I - os converter em ativos lícitos; II - os adquirir, receber, trocar, negociar, dar ou receber em garantia, guardar, ter em depósito, movimentar ou transferir e; III - importar ou exportar bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
[2] Pierpaolo Cruz Bottini conceitua a “cegueira deliberada como “o instituto de origem jurisprudencial norte-americana pelo qual se aceita como dolosos os casos em que o agente se coloca em uma situação proposital de erro de tipo. Assim, tem dolo de lavagem de dinheiro não apenas o agente que conhece (dolo direto) ou suspeita (dolo eventual) da origem ilícita do capital, mas também aquele que cria conscientemente uma barreira para evitar que qualquer suspeita sobre a origem dos bens chegue ao seu conhecimento.) BOTTINI, Pierpaolo. Lavagem de dinheiro na APn 470/MG. Revista dos Tribunais (São Paulo), São Paulo, v.102, n.933 , p. 383-400, jul. 2013
[3] Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º: [...] IV - deverão cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), na forma e condições por eles estabelecidas;
[4] CORDERO, Isidoro Blanco. Penalización de lavado de dinero. Aspecto substantivos. Princípios y recomendaciones internacionales. Disponível em: http://www.cicad.oas.org/lavado_activos/pubs/Combate_Lavado_3ed.pdf
[5] CORDERO, Isidoro Blanco. Penalización de lavado de dinero. Aspecto substantivos. Princípios y recomendaciones internacionales. Disponível em: http://www.cicad.oas.org/lavado_activos/pubs/Combate_Lavado_3ed.pdf

Juliana Hermes Luz é Aluna de Pós Graduação da Academia Brasileira de Direito Constitucional.
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