O ART. 356, CPC, É BASE NORMATIVA SUFICIENTE PARA REGULAR O FRACIONAMENTO DECISIONAL? 1ª PARTE            

28/05/2019

Na Revista Brasileira de Direito Processual n. 100, publiquei, em conjunto com Marco Paulo Denucci di Spirito, um texto acerca daquilo que denominamos de espraiamento sentencial, mais especificamente sobre a possibilidade de negociação jurídica com a finalidade de estabelecê-lo.

Em suma, trata-se de uma forma de especialização do procedimento, pela qual a ação deduzida (processualizada, na expressão que utilizo) é realizada por etapas, de modo que a decisão, ato que é de tal realização, é repartida em, no mínimo, mais de uma. Isto varia desde uma simples duplicação (como pode ocorrer no procedimento da ação de exigir contas, arts. 550-553, CPC) até uma multiplicidade considerável de decisões no curso do procedimento, como ocorre na execução por quantia certa. Neste último caso, a decisão, pela modulação operada, dissolve-se, em verdade, no procedimento. Ela, portanto, espraia-se por ele.

O termo espraiamento é devido a Eduardo José da Fonseca Costa, a partir de uma análise que fez do conceito de sentença em Pontes de Miranda. Como forma de referenciá-lo e, metonimicamente, já que a parte serviu para nominar o todo, utilizamos o termo espraiamento para falar de qualquer tipo de fracionamento. 

Um ponto que deve ser ressaltado é o relativo à fonte instituidora do espraiamento. Vale dizer, como forma de especialização procedimental que é, qual é o locus normativo adequado para positivá-lo. O primeiro deles, por óbvio, é a lei; no texto acima mencionado, defendemos (eu e o citado Marco Paulo) a possibilidade de ele ser feito, além disso, por negócio jurídico praticado pelas partes; por fim, ao menos em hipótese, é possível falar em espraiamento operado por decisão judicial, logo imponível às partes.

Em rigor, a previsão das chamadas decisões parciais de mérito (art. 356, CPC) implica falar em espraiamento por decisão.

Antes de seguir, é preciso fazer um comentário lateral. Não é o fato de a lei prever a possibilidade de algo que o implemento dele é por força de lei. Para que isto se dê, é necessário que o implemento ocorra pela simples incidência da lei instituidora. Por exemplo, a compensação de dívidas (arts. 368-380, CC) dá-se pelo simples exercício, na forma estabelecida, do direito a compensar pelo devedor cobrado, exercício este que pode ocorrer por intermédio de defesa em um processo judicial. Observe-se, embora conteúdo de um ato processual (a defesa), a compensação é por força de lei[1], tanto que a decisão, se de procedência da alegação feita pelo réu, é declaratória do efeito compensatório. Diversamente do que ocorre na chamada compensação judicial (cuja possibilidade é discutível no direito brasileiro), em que o efeito compensatório somente se dá como produto da eficácia da sentença que reconhece o direito a compensar.

A antecipação de tutela genérica (arts. 294-299, e, mais especificamente para a fundada em urgência, § 2° do art. 300, todos do CPC), embora tenha previsão legal, é a forma de especialização do procedimento por decisão judicial, e não por força de lei. O procedimento, no caso, sofre, em virtude das nuances do caso, uma alteração no seu curso natural. Algo bem diverso se tem em procedimentos nos quais a antecipação da tutela é da sua própria essência, de modo que, iniciado, das duas uma: ou ele é inadmitido ou é admitido com a antecipação, até porque os pressupostos desta compõem o conteúdo do próprio juízo de admissibilidade.    Não há, assim, possibilidade de se admitir sem acolher o pedido antecipatório. É o caso dos procedimentos das ações de consignação em pagamento (arts. 539 e segs., CPC) e do procedimento antecedente para o deferimento da tutela antecipada (rectius: satisfativa) de urgência (art. 303, CPC).

Por tudo isso, no âmbito do espraiamento sentencial, a hipótese prevista no art. 356, CPC, não pode ser classificável como especialização legal (em virtude de lei, mais propriamente designando), mas sim por força judicial, já que, sem o ato do juiz, não haverá qualquer tipo de fracionamento da decisão, ao contrário do que ocorre com, por exemplo, o procedimento da ação divisória, no qual o fracionamento, estabelecido nos arts. 592, § 1°, 596, caput, e 597, § 1°, todos do CPC, é da sua própria essência. Nele, o especializar ter-se-ia caso ocorresse o exato oposto: a fusão dessas decisões, que, dantes, por lei, estariam fracionadas.         

Ressalte-se, o implemento de algo por decisão judicial nada tem a ver com previsão expressa, ou não, em texto de lei, que, em verdade, é problema referente à questão da tipicidade. No caso, numa delimitação graduada da atividade hermenêutica do juiz. Assim, não é judicial o implemento porque não previsto expressamente em lei (atípico, como se costuma dizer); é-o porque só ocorre como produto da eficácia de uma decisão judicial.

Dito isso, na próxima postagem, responderei à pergunta posta no título.

 

Notas e Referências

[1] Em rigor, a compensação, embora legal, não é automática, pois que dependente do exercício do direito a compensar pelo devedor. Isto quando cobrado da dívida. Desse modo, conquanto compulsória, já que independe de qualquer aceitação pelo credor-cobrador, a função da incidência da lei referente à compensação (acima de tudo, pelos arts. 368 e segs, CC) não é a de criar o fato jurídico compensatório (algo próprio de uma compensação automática), mas sim a criação do fato jurídico gerador do direito (potestativo) a compensar.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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