O anatomista e a cultura do século XXI

06/08/2016

Por Talise Rossi, Diéssica Adam e Bruna Fernanda Bronzatti - 06/08/2016

A obra O anatomista, escrita por Federico Andahazi, argentino e também psicanalista, discorre acerca de temas tidos como “tabus” durante a idade média. Ela acabou virando um best seller, sendo traduzida para vários idiomas.

Há quem simplesmente consiga ver a obra como uma leitura erótica. Todavia, o enredo está ligado a muito mais que isso, traz à tona questões sobre gênero, narra história de mulheres através da percepção de um homem, sobre a descoberta do prazer, além da difícil tarefa de ser uma mulher da idade média, que em diversas vezes estava associada aos males existentes na sociedade.

“O novo achado do Anatomista supera todos os limites da tolerância. O Amor Veneris – a América de Mateo Colombo – ultrapassa o permissível para a ciência. A mera menção de um certo “prazer de Vênus” – por mais de um motivo – fervia-lhe o sangue” (2008, p. 41). A obra, então, relata a caminhada do médico renascentista Mateo Colombo, que acabara de descobrir a América, não qualquer América, mas aquela capaz de dominar o amor feminino. Posteriormente, denominou de “Amor Veneris”, atualmente conhecido como clitóris.

O anatomista teve uma longa trajetória de estudo, mas a principal justificativa de sua descoberta está ligada a sua vontade de querer conquistar o amor da prostituta mais bela de Veneza – Mona Sofia, a Puttana. Mesmo ambos tendo um papel fundamental - o primeiro como descobridor e a segunda como inspiração para os estudos -, nada disso teria ocorrido sem Inês de Terremolinos, que após a morte do marido construiu um monastério e passou o resto de seus dias primando pela criação das filhas e à caridade, pois ela de certa maneira, mesmo que acidental apresenta ao médico, a descoberta do “Amor Veneris”.

O autor principal teve de socorrer Inês, mulher viúva, que estava muito debilitada, praticamente inconsciente. Mateo observava atentamente os detalhes do corpo daquela mulher, iniciava examinando desde os olhos, a garganta, até despi-la por completo, pois tudo que queria era estudar cada detalhe do corpo daquela senhora. É assim, através da observância de diversos detalhes, que o autor conta a sua vivência e, consequentemente o que descobrira. O caos está instaurado. A descoberta e o modo que o estudo foi desenvolvido não era algo admitido naquela a época, sendo, então, perseguido pelo Santo Ofício.

O poder da instituição religioso preponderava. Diante desse dogmatismo religioso, Mateo sofreu diversas acusações como heresia, blasfêmia, bruxaria e satanismo, dentre outras que eram atribuídas ao descobridor, como era comum no período em que ocorre o deslinde do enredo.

O diferente, aqueles que se atreviam a descobrir sobre a vida humana, evoluir em relação ao conhecimento já posto (pregado sob os dogmas religiosos), eram acusados e perseguidos, tidos como hereges, e na maioria dos casos, serviam de espetáculo para as demais pessoas, já que os castigos corporais eram constantes.

Mateo foi preso no claustro da Universidade de Pádua (na qual exercia o magistério na disciplina de anatomia e cirurgia) e lá escreveria seu arrazoado. A história é rica em detalhes e instiga o leitor, como pode ser evidenciado em um trecho “os últimos alunos que transitavam junto à janela do claustro de Mateo Colombo ficavam nas pontas dos pés e olhavam para o interior; então o anatomista podia ouvir os murmúrios e as risadinhas maliciosas daqueles que, até ontem, tinham sido seus alunos, e mesmo dos que poderiam ter chegado a tornar-se seus fiéis discípulos. Podia vê-los.” (2008, p. 28).

Ele teve uma agravante para a situação um tanto quanto delicada, pois burlou as proibições estabelecidas pela igreja para conseguir realizar sua descoberta, uma vez que havia sido proibida a dissecação de cadáveres por Papa Bonifácio VIII. Deve ser ressaltado que para ele o órgão reitor de seus estudos possuía funções análogas as da alma dos homens, as mulheres, todavia, presumidamente não possuiriam alma. Eram governadas por seu corpo, tidas como pecadoras e sedutoras, sendo corriqueiramente alvo de suspeitas por parte da Igreja.

Altera-se o entendimento tido até aquele momento de que era o útero responsável pelos males femininos, que agora, por sua vez ocorreriam devido ao Amor Veneris. Mateo para se esquivar das possíveis acusações, defende que a descoberta está de acordo com aquilo que a instituição cristã prega e que o estudo da anatomia humana, nada mais é, que a confirmação daquilo que está expresso nas sagradas escrituras.

O que realmente a obra coloca em xeque é a questão de a mulher ser fonte de perigo e sempre vigiada pela igreja. Eram governadas pelos homens, praticamente não saiam de suas casas, pois se tinha a máxima de que deveriam sair do lar apenas em três ocasiões: para o batismo, para se casar e ser enterrada.

A igreja considerava o feminismo como um “erro moderno”, de modo que a emancipação da mulher – o que concedia mais liberdade, voz e espaço à mesma – era defendida por forças externas à igreja, o que, portanto, era reprovável.

Hodiernamente, embora haja avanços societários que podem ser evidenciados, ao se tratar sobre o tema da sexualidade, ainda existem diversos entraves, que remetem ao período da renascença. É notório também que ainda se alimenta a cultura da mulher como ser inferior, essa cultura que não apenas sofre interferência do sexo oposto, mas também de mulheres. É claro que com os avanços e movimentos feministas, isso tem sido repensado e reorganizado, mas a ideia rudimentar associada à mulher está encontra presente em diversos discursos.

Deve se pensar cada vez mais em uma reestruturação dos papeis sociais, para que haja substancialmente a equidade de direitos entre os sexos e o respeito às diferenças, deixando de lado os resquícios de uma história de opressão, que pode ser visualizada com detalhes na obra O Anatomista.

 


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Bruna Fernanda Bronzatti

. Bruna Fernanda Bronzatti é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ/RS e bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto. . .


. . Talise Rossi é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ/RS . .


. . Diéssica Adam é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ/RS . .


Imagem Ilustrativa do Post: meretris // Foto de: Artur Luiz // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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