O abigeato e a lei nº 13.330/16 – Por Ricardo Antonio Andreucci

13/08/2016

Em tempos de jogos olímpicos, passou despercebida da grande maioria dos operadores do Direito a entrada em vigor da Lei nº 13.330, de 2 de agosto de 2016, que tipificou os crimes de furto e de receptação de semovente domesticável de produção.

Trata-se, em verdade, de um tipo especial de furto e de receptação que tem como objeto material “semovente domesticável de produção”, expressão que envolve todo tipo de gado, vacum, cavalar e muar, além de aves e outros animais, desde que domesticáveis e de produção. Há quem sustente que essa categoria englobaria até mesmo animais domésticos (cães, gatos etc), desde que criados para produção ou comercialização.

O furto de gado não é figura nova em nosso ordenamento jurídico, sendo muito comum a utilização do termo abigeato para denominá-lo.

O termo abigeato deriva de “abigeatu”, expressão inventada pelos romanos, já que o furto de animais não podia ser considerado como “contraectatio”.

Como muito bem explicado por Álvaro Mayrink da Costa (“Direito Penal – Parte Especial”, 5ª Ed., Rio de Janeiro: Forense. 2001, p. 622), “o Código de Hammurabi aplicava a pena de morte e a ‘Lex Duodecim Talarum’ punia os ladrões de animais mais rigorosamente. A Lei Carolina e o Código Toscano consideravam-no ‘furtum magnus’”.

No Brasil, o abigeato foi incriminado no Código Penal de 1830.

Pelo que se desume da referida Lei nº 13.330/16, como expressamente disposto em sua parte preliminar, a intenção do legislador foi “tipificar, de forma mais gravosa, os crimes de furto e de receptação de semovente domesticável de produção”.

Entretanto, não me parece que tenha sido alcançado o intuito do legislador em mais essa sofrível alteração legislativa pontual.

Isso porque o furto de semovente domesticável de produção (abigeato) se encontra agora previsto no acrescentado §6º do art. 155 do CP, configurando figura qualificada de furto, punida com reclusão de 2 a 5 anos e multa. Ora, não obstante essa acrescentada figura constitua, aparentemente, inegável “novatio legis in pejus”, sua eficácia prática como norma penal mais severa, intimidatória do furto de gado, fica extremamente comprometida em vista da realidade encontrada na absoluta maioria dos casos concretos que invadem nossos tribunais.

No mais das vezes, o furto de gado não é praticado por um único agente, restando configurado o concurso de pessoas em praticamente todos os casos, além do corriqueiro rompimento de obstáculo, mediante o corte ou destruição de cercas e outros engenhos que impeçam ou dificultem a subtração da “res furtiva”.

Nessas hipóteses, antes da nova lei, o fato acima apontado seria tipificado como furto qualificado, previsto no §4º do art. 155 do CP, punido com reclusão de 2 a 8 anos, sendo certo que, agora, com o novo tipo penal criado, previsto no §6º, a pena passa a ser de reclusão de 2 a 5 anos, o que, a rigor, representa tratamento legislativo mais favorável ao ladravaz.

Isso ocorre porque o desconhecimento do legislador acerca da realidade criminal do País e o anseio de atender às pressões de ruralistas e produtores de gado, culminou com uma lei que, na prática, será mais benéfica ao criminoso.

Melhor teria sido, fosse o nosso legislador um pouco mais versado em Direito, ter exacerbado a pena do furto de semovente domesticável de produção por meio da introdução de uma causa de aumento de pena em razão do objeto material, a qual poderia muito bem incidir na terceira fase da dosimetria da pena, mesmo que o fato fosse tipificado como furto qualificado (§4º), constituindo, aí sim, situação jurídica detrimentosa ao criminoso.

O mesmo se diga com relação à receptação de semovente domesticável de produção, introduzida no art. 180-A do CP, punida com reclusão de 2 a 5 anos e multa. O novel tipo penal requer, para sua configuração, que o agente atue “com a finalidade de produção ou de comercialização”, finalidade essa que, embora não torne o crime próprio (já que pode ser praticado por qualquer pessoa), acaba por beneficiar o receptador que atue no exercício de atividade comercial ou industrial, que, antes da nova lei, era enquadrado no §1º do art. 180 do CP (com pena de reclusão de 3 a 8 anos e multa), independentemente do objeto material do crime.

Portanto, mais uma vez falhou o legislador em buscar adequada repressão e prevenção ao furto de gado no País, aprovando, sem maiores cautelas, uma nova lei desnecessária que, ao contrário do alardeado pelos meios de comunicação e propugnado pelos desavisados, tornará menos gravosa a resposta penal aos furtadores e receptadores de semoventes domesticáveis de produção.


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