“Nudge”. Acredite: você REALMENTE deveria saber o que essa palavra significa

21/09/2016

Por Bruno Torrano – 21/09/2016

Muitas leitoras desta coluna, ao lembrarem de seus amados companheiros, poderão confirmar: quando se trata de mirar o vaso sanitário ao urinar, os homens não demonstram ter muita habilidade. Em interessante livro sobre ciência comportamental[1], Cass Sunstein e Richard Thaler mostram que os administradores do Aeroporto Schiphol, em Amsterdam, passaram exatamente por esse dilema: no banheiro masculino, diversos passageiros desastrados estavam deixando urina cair fora do mictório. E isso, claro, causava sujeira, fedor e risco de doenças. Como resolver?

A resposta tradicional seria simples: pendurar cartazes no banheiro. Ou mesmo no corredor do aeroporto. Pedir mais atenção. Talvez pelo microfone, com mensagens de voz proferidas no sistema de anúncios. Enfim: conscientizar. Mas a solução implementada no caso, embora curiosa, foi muito mais sutil, eficiente e, a meu ver, inteligente: as autoridades grudaram adesivos de moscas pretas dentro de cada mictório. O resultado? Redução de 80% do derramamento de urina. Adivinhem só? Os homens viam a imagem do inseto dentro da lousa branca e, inconscientemente, miravam no bicho. Com o alvo bem no meio do mictório, menos urina espirrava para fora.

Vamos aos conceitos. O que as autoridades fizeram? Elas mudaram a disposição do ambiente (adicionaram os adesivos) com o propósito assumido de mudar o curso de ação dos passageiros em uma direção previamente estabelecida (acertar mais ao centro do mictório). Em uma palavra, tais autoridades serviram como aquilo que se convencionou chamar de arquitetos de escolhas. A arquitetura, como se vê, não foi neutra: desde o início, ela foi desenhada para funcionar em favor da limpeza, da saúde e do bem-estar dos usuários.

E o mosquito? Trata-se de um nudge. Em português, poderíamos chamar de “cutucada” ou “empurrão”. A ideia de cutucadas sensoriais parte de uma premissa baseada em estudos científicos sobre o comportamento humano: nossas decisões tendem a privilegiar a inércia, e não a mudança. Pode-se dizer, portanto, que nudges possuem duas dimensões. A primeira é o foco: capturar a atenção daquele que se deseja influenciar, na esperança de que o detalhe percebido seja capaz de mover a conduta para uma direção prevista pelo arquiteto de escolhas. A segunda é o status quo: garantir que a conduta a ser praticada seja, de alguma forma, configurada como a “regra padrão” a ser seguida, de modo a aumentar o custo das alternativas.

Note que enfatizei o termo esperança. Isso tem uma razão importante de ser. Nudges apenas estimulam um comportamento. Não se prestam a bloquear ou excluir alternativas possíveis. Ao contrário, é da definição de nudge ser um incentivo fraco em determinado sentido. Se algo proíbe uma conduta, esse algo não é um nudge. “Colocar frutas ao nível dos olhos contam como nudge. Banir junk food, não”, nos diriam Sunstein e Thaler.

Você já deve ter percebido: nudges podem ser aplicados a uma gama imensurável de situações cotidianas, em ordem a melhorar desde hábitos pessoais até planejamentos empresariais e estatais. Donos de restaurante podem alterar a disposição do Buffet com o objetivo de “empurrar” clientes ao consumo de comidas mais saudáveis. Na cidade de Sacramento (EUA), cientes de que pessoas gostam de se comparar a seus vizinhos em questões que envolvem valores sociais, autoridades pensaram em um nudge bem interessante: em cada conta de luz, os moradores foram comparados às pessoas que eram consideradas as mais eficientes poupadoras do bairro. O desperdício de energia caiu. Há, ainda, linhas intermediárias entre pessoas com visões paternalistas e pessoas com visões libertárias. É legítimo exigir que motociclistas usem capacetes? Há controvérsias filosóficas. Demandar testes especiais daqueles que fazem questão de não usar proteção seria um nudge intermediário entre as posições extremas da proibição e da permissão.

Como não poderia deixar de ser, nudges também possuem um rol de aplicação potencialmente infinito nas nossas práticas jurídicas diárias, como na área de TI dos Tribunais (a disposição inteligente de processos mais antigos nos “escaninhos eletrônicos”, quiçá com algum sutil destaque especial, de forma a serem vistos com mais frequência pelo analista processual, com subsequente ativação inconsciente de um senso de urgência); na sala de audiências (colocação da acusação e da defesa sentados no mesmo nível físico, a fim de incentivar a percepção de isonomia entre as partes); no plano de lege ferenda (inserção, na própria decisão de prisão preventiva, de prazo de revisão obrigatório, a partir do qual, não havendo nova decisão confirmando a necessidade da medida cautelar, o acusado seria colocado automaticamente em liberdade – a fim de gerar a sensação de que a inércia, no processo penal, favorece a liberdade[2]); e assim por diante.

O leitor mais cético talvez não tenha, ainda, conseguido perceber a grandeza do conceito que temos em mãos. Claro, este é apenas um texto introdutório e seria um erro presumir o despertar súbito de um amplo interesse pela matéria. Mas é importante salientar que os nudges não são tão inocentes quanto podem parecer em um primeiro momento. Muito pelo contrário. Setores de marketing de grandes companhias usam e abusam de “cutucadas” sensoriais para induzir os consumidores a pagar pelos seus produtos e serviços. Mas a coisa vai muito além: basta lembrar que, não sem alguma polêmica, o Presidente Barack Obama, em setembro de 2015, editou decreto normativo determinando e incentivando que as agências estatais norte-americanas utilizem os “insights da ciência comportamental” com o objetivo de “servir o povo americano”[3]. Para tanto, foi criado um grupo técnico especial ligado à Casa Branca (White House’s Social and Behavioral Science Team – SBST), encarregado de pesquisar de que modo os nudges poderiam ser inseridos nas políticas públicas.

Não que o emprego de nudges deva ser proibido, ou mesmo recriminado, nas estratégias governamentais ou comerciais – talvez seja, até mesmo, um dos elementos essenciais da propaganda. A questão, aqui, é outra: um dos pontos relevantes de conhecer os aspectos científicos e neurobiológicos por detrás do referido conceito diz respeito à possibilidade de identificá-los no dia-a-dia com o propósito de defender-se de arquitetos de escolha indesejados ou oportunistas. Devemos estar a par dessas técnicas caso queiramos que nossas pupilas se dilatem ao serem confrontadas com possíveis tentativas mal-intencionadas de induzir sutilmente nosso comportamento. Nossa saúde econômica e nossa autonomia só têm a agradecer.


Notas e Referências:

[1] THALER, Richard; SUNSTEIN, Cass. Nudge: improving decisions about health, wealth, and happiness. New York: Penguin Books, 2009.

[2] A respeito do tema, confira-se o interessante texto do professor George Marmelstein em: https://direitosfundamentais.net/2016/05/24/um-empurrao-para-a-liberdade-duas-propostas-para-evitar-o-encarceramento-excessivo/

[3] Cf. em https://www.whitehouse.gov/the-press-office/2015/09/15/executive-order-using-behavioral-science-insights-better-serve-american


Bruno Torrano. Bruno Torrano é Mestre em Filosofia e Teoria do Estado, Pós-graduado em Direito Penal, Criminologia e Política Criminal, Pós-graduando em Direito Empresarial, Assessor de Ministro no Superior Tribunal de Justiça. Autor do livro “Democracia e Respeito à Lei: Entre Positivismo Jurídico e Pós-Positivismo”. .


Imagem Ilustrativa do Post: The doubt // Foto de: Lorenzo Blangiardi // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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