1. Direito constitucional à prova licitamente obtida ou produzida
Como todos sabem, o direito à prova está constitucionalmente assegurado, decorrendo – segundo a maior parte da doutrina, por uma visão mais tradicional – tanto do direito de ação quanto do direito de defesa, ambos princípios assegurados no artigo 5º, incisos XXXV e LV[1].
Na verdade, segundo pensamos, dada a importância deste direito, melhor seria passar a sustentar, cientificamente, a sua autonomia, o qual, longe de ser simples decorrência do direito de ação ou do direito de defesa, está garantido, de forma expressa, na Magna Carta, pois, nunca é demais lembrar, é a própria Constituição, ao vedar as provas ilícitas, que garante, textualmente, o direito à prova, com todas as suas credenciais (desde que, obviamente, seja lícita), por uma leitura a contrario sensu do enunciado normativo, sendo desnecessário ou mesmo inútil se teorizá-lo a partir do direito de ação ou do direito de defesa.
O direito à prova não é absoluto (como, aliás, nenhum direito o é, muito embora esta constatação não confira uma carta branca para que o abuso ao postulado da proporcionalidade aniquile, desnature ou mesmo arrombe um mínimo existencial de cada direito ou garantia fundamental), não compactuando o sistema jurídico com as provas ilícitas, como dispõe a Constituição de 1988, no seu artigo 5º, inciso LVI.
2. Provas ilícitas: visão tradicional e uma nova teoria sobre o assunto, com a bem-vinda aproximação entre os institutos da ilicitude e da ilegitimidade de prova
O reconhecimento da ilicitude da prova e suas consequências para o processo sempre foram muito discutidos, dando margem a diversos questionamentos[2].
A respeito do assunto, no passado, admitia-se a inserção da prova ilícita no processo, punindo-se o fato ilícito que ensejou a sua produção na seara própria (penal). Assim, por essa sistemática, seria indiferente ao processo a eventual discussão quanto à violação, ou não, do direito de alguém, com a obtenção da prova ilegal, já que, a rigor, interessaria apenas a informação trazida com prova produzida, ainda que ilícita.
Com o tempo, esta posição começou a ser questionada, na medida em que seria discutível permitir a inserção de uma informação obtida de um modo ilícito, dentro do processo, já que este pressupõe um agir ético; em outras palavras, o Estado não poderia legitimar práticas violadoras de direitos, ainda que a pretexto de punir crimes, já que, ao fazê-lo, também, de certa forma, estaria se nivelando ao criminoso, tirando proveito de um ato ilícito.
Sob a escusa de repreender e corrigir um ato contrário ao direito, ao se admitir a valoração da prova ilícita, estar-se-ia compactuando com um ato igualmente antijurídico. Nesse sentido, o Estado perderia a legitimidade para conduzir a persecução penal. Não bastasse a questão moral, também havia o fato inconveniente de que, ao se admitir essa prova, haveria, de certo modo, um incentivo à prática de atos ilegais, por parte dos agentes do Estado[3].
Percebeu-se, ademais, ser falacioso o discurso pela tolerância da prova ilícita, tendo em vista uma expectativa quanto a uma possível e eventual punição de quem a produziu ou obteve, pois, dado o corporativismo presente em todas as instituições, dificilmente as autoridades se interessam por reprimir tais atos, já que, não raro, a produção e/ou obtenção de provas ilícitas envolve(m) os próprios agentes estatais.
A evolução da humanidade, infelizmente, ainda não atingiu um nível civilizatório elevado ou, ao menos, desejado, isto é, em que as instituições percebem que, até para dar exemplo para todos, é preciso cortar na própria carne. Salvo raras exceções, o que ocorre é o contrário, ou seja, no jargão popular, a “passada de pano” para as práticas deploráveis dos semelhantes.
E mesmo nos sistemas em há a obrigatoriedade da persecução, cabe observar que também aqui há certa dose de discricionariedade[4] por parte da autoridade.
Sendo assim, como afirma a saudosa Professora Ada Pellegrini Grinover, o que se via, na prática, é que “as sanções previstas para o ato ilícito do funcionário de polícia são raramente aplicadas, de modo que somente a inadmissibilidade, no processo penal, da prova ilegalmente obtida pode cortar o cerne do arbítrio do poder público”[5].
Ao se passar a reconhecer a ilicitude dessa prova, as mesmas práticas violadoras dos direitos e garantias fundamentais passariam a ser desestimuladas pelo Estado, cortando-se o mal pela raiz.
A definição tradicionalmente aceita de provas ilícitas é aquela exposta pela citada Professora, Ada Pellegrini Grinover, em sua obra Liberdades públicas e processo penal, na qual a Autora, pautada na doutrina italiana (Nuvolone), discorre que ilícita é prova obtida com a violação de um direito fundamental ou material, com a infringência dos direitos da personalidade[6].
A prova ilícita, ou prova obtida por meios ilícitos, seria uma espécie dentro do gênero prova ilegal, conforme adverte a doutrina no processo civil.
Cássio Scarpinella Bueno: “O referido inciso LVI permite a distinção entre ‘provas ilícitas’ e entre provas obtidas por meios ilícitos. Prova ilícita é aquela que, em si mesmo considerada, fere o ordenamento jurídico. Assim, por exemplo, a tortura, expressamente proibida pelo inciso III do art. 5.º da CF. Prova obtida por meios ilícitos é aquela que, como meio de prova, é admitida ou tolerada pelo sistema, mas cuja forma de obtenção, de constituição, de formação, fere o ordenamento jurídico. Bem ilustra a situação o desrespeito ao sigilo de correspondência ou a oitiva de conversas telefônicas não autorizada nos termos da lei (art. 5º, XII, da CF)”[7]
A prova ilegal[8] - ou prova proibida, como prefere nomear parte da doutrina[9] -, engloba as espécies (a) prova ilícita e (b) ilegítima[10].
Por meio da definição acima exposta, de que ilícita seria a prova obtida mediante ofensa aos direitos da personalidade, tem-se como ilícita uma confissão obtida mediante tortura, ou com violação do domicílio, ou da intimidade.
Ilícita seria a prova que foi obtida com infringência às normas de direito material. Geralmente - embora não exclusivamente – tratar-se-ia de prova obtida pela própria parte, fora do processo, o que ocorreria, mais comumente, nos meios de investigação de prova. Nesses casos, haveria a inadmissibilidade da prova, segundo prevê a Constituição da República[11]. O problema residiria na obtenção da prova, e não na sua produção (em juízo).
Já na prova ilegítima, o problema ocorreria com a sua produção em juízo, por violação das normas de direito processual[12]: por exemplo, assim ocorreria quando não se dá oportunidade a uma das partes para fazer perguntas à testemunha ou quando o juiz não respeita a sistemática adotada pelo Código de Processo Penal, para que as perguntas sejam feitas diretamente à testemunha, pelas próprias partes, consoante o artigo 212, do Código de Processo Penal[13].
A prova ilícita, por ser inadmissível no processo, segundo a doutrina mais tradicional, deveria ser reputada inexistente, do ponto de vista jurídico, sendo considerada como não-ato. Por isso, ela deveria ser desentranhada do processo.
Na verdade, sequer deveria ingressar no feito (daí o termo inadmissibilidade), mas, convenhamos, esta abstração doutrinária, de que haveria impedimento para entrada dos elementos nos autos, serve – quando muito, ou se tanto – talvez apenas para engrossar páginas de trabalhos acadêmicos, pois dificilmente se poderá obstar a juntada da prova ilícita no processo, sob pena de ofensa ao princípio de acesso à Justiça, mesmo porque o problema da ilicitude se coloca quando a prova está encartada.
Já a prova ilegítima acarretaria o reconhecimento da nulidade, devendo o ato, como regra geral, ser invalidado[14].
Entretanto, como já tivemos oportunidade de defender, nem sempre é tão simples visualizar um ponto de diferenciação claro ou estanque entre a prova ilícita e ilegítima.
Aliás, pela adoção da teoria constitucional das nulidades, mostra-se difícil uma diferenciação estanque entre a inadmissibilidade proveniente das provas ilícitas e a nulidade decorrente das provas ilegítimas: afinal ambas decorreriam da violação de direitos e garantias fundamentais.
A separação que se procura fazer entre provas ilícitas e ilegítimas, consistente no fato de que, nas provas ilícitas, os vícios incidiriam diretamente nos meios de obtenção da prova (como diz parte da doutrina: “sempre externamente”[15], isto é, fora do processo) enquanto que, nas provas ilegítimas, adviriam da sua produção (dentro do processo), nem sempre procede.
Por exemplo, pela doutrina mais tradicional, uma prova obtida mediante tortura seria ilícita, já que teria havido ofensa à integridade física (direito material). Contudo, nem sempre essa violação se dará fora do processo. Embora difícil ocorrer na prática, é possível imaginar a realização de tortura no ato de interrogatório judicial.
Como bem afirma Thiago André Pierobom de Ávila, “é possível que ocorra uma violação de direito material no curso do processo, como a hipótese em que um juiz realize ameaças e coações a um acusado durante seu interrogatório”[16].
Enfim, é plenamente possível ocorrer prova ilícita na produção da prova, dentro do processo. Atento a isso, com a originalidade que lhe é sempre peculiar, já anotava Gustavo Henrique Badaró:
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró: “Quanto ao momento, afirma-se que, na prova ilícita, o vício ocorre quando de sua obtenção (p. ex.: no momento em que se capta a conversa telefônica), enquanto na prova ilegítima a ilegalidade ocorre na sua produção (p. ex.: no momento em que se indefere a pergunta à testemunha). Embora normalmente a ilicitude se dê relativamente à obtenção de uma prova, isto é, durante a execução de um meio de obtenção de prova (p. ex.: uma interceptação telefônica ou busca e apreensão), é possível que a ilicitude ocorra no próprio processo, durante a produção da prova. Basta pensar em um acusado que seja torturado, ou submetido à hipnose, ou compelido a tomar o ‘soro da verdade’, durante seu interrogatório. Se um padre prestar depoimento sobre algo que teve conhecimento durante uma confissão, o vício que acarretará a ilicitude da prova testemunhal se dará na própria produção do meio de prova”[17].
Também excepcionando a máxima da doutrina tradicional, de que a nulidade ocorreria dentro do processo (em juízo) e a prova ilícita se daria externamente a ele, é possível vislumbrar sim a ocorrência de nulidade pela prática de um ato externo ao processo.
Pense-se na hipótese em que o perito, por desídia, comprometa a realização de um exame de corpo de delito, ao não preservar o local ou as coisas que seriam periciadas, ou mesmo os elementos para preservação da cadeia de custódia, conforme termo utilizado e abraçado pela recente reforma processual penal, decorrente da Lei Anticrime.
No caso, correrá nulidade (segundo esta visão mais tradicional), a qual implicará (se ainda for possível) a renovação do exame. Não se trataria, por esta visão, de prova ilícita, o que também coloca em xeque a diferenciação que se procura fazer entre a ilicitude, decorrente dos meios de obtenção de prova (fora do processo) e a ilegitimidade, derivada da produção da prova (dentro dele).
Há, ademais, diversos outros exemplos que trazem dúvidas se estaríamos diante de uma prova ilícita ou ilegítima, já que tanto haveria vício de ordem material quanto procedimental, podendo-se citar a quebra do sigilo bancário por meio de decisão desmotivada ou mesmo a quebra de sigilo fiscal ordenada, em decisão motivada, mas por autoridade incompetente.
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró: “Por fim, e mais relevante, e de se considerar que as linhas que demarcam a distinção entre prova ilícita e prova ilegítima se abstratamente consideradas bem demarcadas, na prática, muitas vezes se mostram apagadas ou inseguras. Isso porque, em muitos casos, há violações de dispositivos constitucionais ou legais que teriam um aspecto bifronte, podendo ser lidos, de um lado, como uma garantia constitucional de proteção das liberdades públicas, e, de outro, como um regramento processual delimitando os mecanismos para realização de um meio de prova ou de obtenção de prova. (...) Por certo, entre os direitos constitucionais cuja violação caracterize uma prova ilícita, devem ser incluídos os direitos processuais, em especial as garantias constitucionais dos acusados, que integram o devido processo legal: juiz natural, contraditório, ampla defesa, presunção de inocência, motivação, publicidade etc”[18]
Tenha-se em vista o caso da autorização judicial para a quebra de um sigilo bancário, ou mesmo para as interceptações telefônicas. Ora, não havendo a autorização judicial (ou sendo a fundamentação do juiz desmotivada), poderá haver quem interprete a referida hipótese como sendo um vício de ordem procedimental (afinal, é necessária uma decisão judicial válida) e quem leia o caso como sendo um vício de ordem material (violação da intimidade).
Por esse motivo alguns entendem que a interceptação telefônica sem autorização judicial constituiria prova viciada pela forma, pois “o vício reside no aspecto processual, ou procedimental”[19], enquanto outros entendem que se trataria de prova ilícita[20], já que obtida mediante a violação da intimidade (direito material).
Há, de fato, muitas zonas cinzentas que circundam a diferenciação entre a prova ilícita e a ilegítima. Thiago André Pierobom de Ávila fala que a violação do direito ao silêncio (por exemplo, imagine que o juiz obrigue o réu a falar contra a sua vontade) constituiria prova ilícita enquanto a falta de advertência desse mesmo direito pelo juiz constituiria nulidade[21].
Conforme já destacava, de forma sempre lúcida e clara, Ada Pellegrini Grinover, antes da ordem constitucional de 1988, a resolução da controvérsia se uma prova deveria ser considerada ilícita ou ilegítima dependia do que o ordenamento jurídico previsse, já que “quando a prova for, ao mesmo tempo, ilícita e ilegítima, será necessário verificar se o impedimento processual de utilização é suficiente para esvaziá-la, como acontece quando sua produção em juízo é cominada de nulidade; ou se deverá continuar-se a ter em mente sua qualificação de ‘ilícita’, para retirar-lhe toda e qualquer eficácia”[22].
Até mesmo a diferenciação que se faz entre nulidade e prova ilícita, consistente na possibilidade de repetição do ato, é, em certo modo, questionável.
No ponto, lembra-se que a possibilidade de repetição da prova (ato) – o que, geralmente, ocorreria apenas nas hipóteses de nulidades – é, na prática, possível de ocorrer em casos envolvendo a ilicitude de prova. Não obstante a prova ilícita se dê nos meios de obtenção da prova, os quais trabalham com os fatores surpresa e instantaneidade, nem sempre será impossível tal renovação.
Com efeito, como ensina a doutrina, não são todos os meios de obtenção de prova em que estaria presente o fator surpresa, pois “na quebra do sigilo bancário e fiscal, a surpresa não é fator determinante. Assim, caso se reconhecesse a ilicitude na obtenção de dados bancários ou fiscais de um investigado (p. ex.: porque obtido sem ordem judicial), nada impediria que houvesse, uma ordem judicial válida determinando o fornecimento dos mesmos elementos de prova”[23].
Embora uma doutrina mais crítica discorra que não seria possível a repetição da produção da prova ilícita, conforme procedente advertência de Marcos Zilli, no caso, sob pena de se fazer letra morta ao princípio que veda a ilicitude da prova, no processo, seja a originária, seja mesmo por derivação (teoria dos frutos da árvore venenosa) , tal posição é, na verdade, francamente afastada pelos Tribunais, podendo-se, a tal respeito, citar recente decisão proferida pelo Ministro Rogério Schietti Cruz (STJ):
“... Sem embargo, ainda que excluída a prova ilícita, enquanto tal, é possível sua renovação, se, ainda existente e disponível no mundo real, puder ser trazida ao processo pelos meios legítimos e legais. Assim, muito embora a ilicitude imponha o desentranhamento das provas obtidas ilegalmente, nada impede seja renovada a coleta de dados (bancários, documentais, fotográficos etc), com a devida autorização judicial. Precedentes...” (STJ, Rcl 36.734/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2021, DJe 22/02/2021)
Como bem discorre Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, ao falar das provas ilícitas e ilegítimas (nulidade): “o certo é que há muitas zonas de intersecção entre uma e outra e, do ponto de vista do conjunto de meios de prova que poderão ser valorados pelo julgador, as diferenças são mínimas”[24], de modo que “mais relevante que distinguir entre nulidade e inadmissibilidade, é prever a inutilizabilidade da prova ilícita, impossibilitando a sua valoração”[25].
Em nosso ordenamento jurídico, com a reforma processual operada pela Lei n. 11.690/2008, o legislador veio a cuidar, expressamente, das provas ilícitas.
No artigo 157, do Código de Processo Penal, está posto serem inadmissíveis as provas ilícitas, devendo ser desentranhadas do processo.
O legislador conceituou prova ilícita como aquela obtida mediante violação das normas constitucionais ou legais[26].
Analisando o referido preceito, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes afirmam que “não parece ter sido a melhor a opção da Lei 11.690/2008, ao definir a prova ilícita como aquela ‘obtida em violação às normas constitucionais ou legais’ (nova redação do art. 157 CPP). A falta de distinção entre a infringência da lei material ou processual pode levar a equívocos e confusões, fazendo crer, por exemplo, que a violação de regras processuais implica ilicitude da prova e, em consequência, o seu desentranhamento do processo. O não cumprimento da lei processual leva à nulidade do ato de formação da prova e impõe sua renovação, nos termos do art. 573, caput, do CPP”[27].
Segundo Antonio Scarance Fernandes, o termo “normas legais”, tal como está no Código de Processo Penal, deve ser lido como normas de direito material, já que, pela doutrina tradicional, a violação das normas processuais implicaria a ilegitimidade da prova, havendo solução distinta das provas ilícitas[28].
No ponto, entende-se que não há razão para (re) interpretar os termos utilizados pelo legislador.
Conforme o artigo 157, caput, do Código de Processo Penal, todas as provas obtidas com violação a normas constitucionais ou legais (sejam penais, sejam processuais penais) deverão ser consideradas ilícitas.
E, frise-se, salvo engano, é muito bom que assim seja, sendo que, em boa hora, Oxalá, o legislador tenha, de fato, alterado uma sistemática anterior de provas ilícitas, desenvolvida doutrinariamente, no Brasil, por meio de importação de uma respeitável construção italiana, mas que, salvo melhor juízo, não fazia muito sentido, levando a uma maior confusão em vez de um maior entendimento quanto à matéria, em que pese o respeito aos seus idealizadores.
Então, por este novo ponto de vista, de certo modo, o legislador unificou o tratamento da matéria da ilicitude da prova, o que antes não ocorria, não havendo qualquer impedimento quanto à implementação ao novo entendimento, pois, como afirmava Ada Pellegrini Grinover, em meados da década de 1970:
Ada Pellegrini Grinover: “É necessário, ainda, observar que determinadas provas, ilícitas porque constituídas mediante a violação de normas materiais ou de princípios gerais do direito, podem ao mesmo tempo ser ilegítimas, se a lei processual também impede sua produção em juízo. (...) Claro é que se todos os ilícitos materiais também configurassem ‘prova ilegítima’, ou seja, processualmente inadmissível, fulminando-a de nulidade, o problema que vamos enfrentar não se colocaria. E um ordenamento processual que determinasse a inadmissibilidade e a nulidade de toda e qualquer prova, obtida através da violação de normas materiais ou princípios gerais de direito, tudo seria resolvido à luz da norma processual. Mas um ordenamento assim não existe. E o problema da prova ilícita se coloca, portanto, como elo entre o ilícito material e a inadmissibilidade processual”[29].
Portanto, a impossibilidade que antes se via em tratar, de forma unificada, ou mesmo aproximada, as provas ilícitas e ilegítimas, não mais se sustenta, dada a própria opção legislativa.
O óbice que antes existia quanto à aproximação entre provas ilícitas e ilegítimas, pela falta de previsão legislativa, hoje não mais subsiste, haja vista a expressa unificação do tratamento legislativo, com a reforma que fora instituída pela Lei 11.690/2008.
Obviamente, com o exposto, não estamos a sustentar, neste trabalho, que só porque o legislador adotou esse critério, ele seria o mais correto.
No ponto, as razões para unificar o tratamento entre inadmissibilidade da prova e sua nulidade não decorrem apenas da lei.
As razões que permitem essa proposta residem em uma construção teórica mais uniforme e lógica desses institutos.
Na doutrina, Ricardo Jacobsen Gloeckner faz uma série de comparações entre os norteamentos que incidem na teoria das nulidades e nas provas ilícitas: o da causalidade (ou da imputabilidade, como prefere o Autor) com a teoria dos frutos da árvore venenosa; o do prejuízo com a teoria da inevitabilidade da descoberta da prova e com a teoria da fonte independente, demonstrando, assim, certa proximidade entre os institutos. No que tange à diferenciação de que, na prova ilícita, o problema seria “facilmente” resolvido antes mesmo de a “prova” ingressar nos autos (pela sua inadmissibilidade) enquanto, na nulidade, a invalidade seria reconhecida somente após o ingresso do ato no processo, Ricardo Jacobsen Gloeckner bem mostra a artificialidade dessa construção[30].
Com efeito, apesar de, teoricamente, fazer sentido a diferenciação doutrinária de que a prova ilícita nem sequer chegaria a ingressar no processo, o fato é que, no mundo real, ou melhor, das pessoas de carne e osso, as coisas não ocorrem assim, na esteira da abstração de teorias que só fazem sentido mesmo em elucubrações acadêmicas[31].
Afinal, caso vigorassem as abstrações teóricas de parte da doutrina, convenha-se, dificilmente o funcionário do fórum teria meios de “impedir” a entrada da prova ilícita no processo (considerando que pudesse “prever” que fosse mesmo ilícita!), se fosse levado a ferro e fogo o termo inadmissibilidade.
E mesmo que pudesse saber, dificilmente poderia recusar a sua juntada aos autos, sem que o juiz, antes, pudesse se manifestar a respeito.
Caso contrário, se assim procedesse, o funcionário ou escrevente estaria negando o direito de acesso à justiça. Enfim, nem mesmo teoricamente tais radicalismos teóricos fazem muito sentido.
Por isso, acrescentamos: da mesma forma que não se poderia falar em nulidades de pleno direito no processo (sendo imprescindível decisão jurisdicional a respeito, com natureza constitutiva), também não se poderá falar em provas ilícitas sem que antes o juiz analise o assunto.
Portanto, não só na prática - mas também na teoria – constitui erro interpretar que a introdução da prova ilícita, no processo, poderia ser rechaçada de plano, antes mesmo de ingressar nos autos, já que sempre será necessária uma decisão judicial (decorrência do cânone maior da inafastabilidade da jurisdição), sendo que o magistrado deverá ponderar, dentro do processo, se se trataria mesmo de uma prova ilícita.
A inadmissibilidade constitucional das provas ilícitas refere-se tão-somente ao desentranhamento da prova[32], e não, obviamente, à impossibilidade do seu ingresso nos autos do processo.
O problema concernente tanto nos atos sujeitos à nulidade quanto na prova ilícita só se verifica quando já há a produção desses atos no processo, mediante a sua “entrada” nos autos.
É bem verdade que se poderia dizer que a prova ilícita gera, como consequência, o seu desentranhamento, ao passo que a nulidade não implicaria esse efeito.
Contudo, não há qualquer razão para se manter essa separação, sobretudo quando a nulidade incidir na produção da prova, que resultará em um elemento probatório, o qual, certamente, poderá influenciar o juiz, de forma deletéria, em sua convicção, igualmente ao que ocorre com a prova ilícita.
Aliás, foi justamente isso que pretendeu evitar o legislador de 2008, ao equiparar – ou aproximar - o tratamento jurídico da prova ilícita à ilegítima, determinando o desentranhamento de ambas dos autos do processo[33].
Por isso, afirma-se, juntamente com Gustavo Henrique Righi Ivah Badaró, que, nos dias de hoje, “em suma, podem ser definidas como provas ilícitas as provas obtidas, admitidas ou produzidas com violação das garantias constitucionais, sejam as que asseguram liberdades públicas, sejam as que estabelecem garantias processuais”[34].
Ricardo Jacobsen Gloeckner defende que a prova ilícita se sujeitaria a um regime de nulidade, ainda que mais específico (haja vista o desentranhamento da prova)[35]. Não deixa, por isso, a ilicitude da prova de constituir uma invalidade, ou, como se queira, nulidade, ainda que não acarrete a repetição do ato.
Nesse ponto, também entendemos de modo diferente da doutrina tradicional, a qual sustenta que, ante a inadmissibilidade das provas ilícitas, elas deveriam ser classificadas como atos inexistentes, do ponto de vista jurídico.
A nosso ver, ao se utilizar o termo quanto à sua inadmissibilidade, deixa-se claro, apenas, que deve haver o desentranhamento da prova ilícita do processo, não acarretando a conclusão de que o legislador estaria sancionando o ato com a declaração de sua inexistência jurídica.
Também não seria correto argumentar que, por conta da sua possível ilicitude (material), a prova ilícita seria um não-ato.
Fosse assim, todos os atos ilícitos (os crimes e as infrações civis) deveriam ser considerados, intrinsecamente, como atos juridicamente inexistentes em qualquer seara jurídica[36], o que não parece correto, pois, também pela teoria geral do direito, a ilicitude implica a invalidade do ato.
Por esta visão, portanto, a prova ilícita não é considerada um ato (juridicamente) inexistente, mas sim um ato inválido, ainda que muito próximo da nulidade[37].
A esse respeito, interessante citar o artigo 32, n. 8, da Constituição portuguesa, o qual discorre que “são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”[38].
1. R. Spender diz que também na França a lei trata do assunto “sob a rubrica nulidade”[39]. Chega-se a essa conclusão, pois, em algumas situações, tanto a doutrina quanto o ordenamento jurídico admitem tanto a existência quanto a eficácia da prova ilícita.
Fosse a prova ilícita considerada um não-ato, isto é, um ato juridicamente inexistente, não seria possível sequer cogitar em valorá-la no processo, como, às vezes, pode ocorrer, quando se conclui pela sua admissibilidade, ante a teoria da descoberta inevitável.
Ora, o que é a descoberta inevitável senão a análise do prejuízo na admissão da prova ilícita? Como afirma Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, “mesmo no caso de utilização de uma prova ilícita por derivação, em relação à qual se constatasse que a prova seria inevitavelmente descoberta por uma investigação legal, seria de considerar que a valoração do meio de prova derivado da prova ilícita não seria nula, por ausência de prejuízo. Na dicção do art. 566 do CPP, ‘não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa’”[40].
Portanto, as “exceções”[41] que se colocam quanto ao reconhecimento da prova ilícita só confirmam o fato de que ela tem existência jurídica, pois, caso fosse reputada ato juridicamente inexistente, não seria possível lhe conferir qualquer eficácia jurídica.
Embora uma total unificação entre ilicitude de prova e ilegitimidade não pareça totalmente possível, pois haveria pontos de contradição, uma aproximação entre ambas é recomendável, devendo ser rechaçada a antiga doutrina que pretende separá-las como coisas absolutamente distintas, quando, em verdade, são bem próximas.
3. Os Novos Meios de Investigação de Prova no Processo Penal – estudo direcionado às informações armazenadas em dispositivos móveis
O tema das provas, não bastasse já a infinidade de discussões doutrinárias quanto à sua classificação, de ordem mais teórica, na prática tem se mostrado ainda mais espinhoso, haja vista os novos meios de investigação de prova, sobretudo diante do avanço tecnológico, surgindo diversos desafios pela frente.
Está-se diante de uma nova realidade, a era da assim chamada informação virtual, conforme discorre a doutrina, em que somos obrigados a nos confrontar com um tipo de objeto cognoscível que não é, propriamente, palpável, ou apreensível, embora exista e, a rigor, se mostre bastante presente nos dias atuais, sobretudo em um mundo mais e mais imerso em uma realidade virtual que presencial[42].
A discussão jurídica em relação ao ambiente digital, e de todas as suas potencialidades, enfrenta uma serie de dificuldades, pois, diante dos significativos avanços tecnológicos, com saltos jamais imaginados pelo homem – e isso, é importante frisar, em um curto espaço de tempo –, fica ainda mais difícil para o ordenamento acompanhar tal realidade, não podendo, obviamente, oferecer um melhor regramento para lidar com o fenômeno, sempre ficando atrás desta realidade mutável e cambiante, pois a inovação tecnológica, além de exponencial, é perene.
Por isso, muitos destes novos meios de investigação de prova - há pouco tempo, impensáveis - não se encontram disciplinados em lei – e nem poderiam, dado o incessante avanço científico – tendo-se que lidar com admissão de um regramento processual que não pode nem deve, nesta matéria, trabalhar com a ideia de tipicidade estrita, ou de um sistema fechado, no que concerne ao regramento da produção probatória, observando-se que, obviamente, tal constatação não significa um cheque em branco para que se permita a violação de direitos e garantias fundamentais.
Todo este progresso tecnológico não propiciou apenas novas oportunidades investigativas, com a abertura de novas frentes, como, por exemplo, em meio cibernético (podendo-se citar, a titulo ilustrativo, a infiltração em âmbito virtual, prevista expressamente com a lei 13441/2017), mas também na área dos conhecimentos específicos, para averiguação dos crimes tradicionais, sobretudo em matéria pericial, podendo-se notar, atualmente, a importância que vem se conferindo ao banco de perfil genético em nosso país, na investigação de crimes violentos, ou mesmo dos órgãos de controle e de inteligência, com a utilização dos dados armazenados, em se tratamento de crimes financeiros.
Com a globalização e a disseminação do uso da internet, hoje, uma vasta gama de fatos pode ser investigada com a utilização destas novas ferramentas, podendo-se citar os crimes de ódio, de terrorismo, de pornografia infantil, a divulgação de imagens íntimas, crimes contra a propriedade intelectual, lavagem de capitais, além de diversos golpes financeiros, como o sequestro de dados para a extorsão ou para a prática de fraudes em meio virtual.
São muitos os novos meios de apuração que surgiram com o avanço tecnológico (podendo-se citar a expansão das linhas investigativas com as próprias redes sociais, que fornecem toneladas de informações de cada usuário, dadas de graça por cada um de nós), sendo que, para o presente artigo, centraremos nossa atenção na linha de apuração tendo em mira as informações contidas em dispositivos celulares apreendidos dos cidadãos.
Modernamente, por exemplo, um simples aparelho celular pode ter uma multiplicidade de informações sobre a vida de seu usuário, tendo grande interesse para as autoridades, em se tratando da investigação da prática de diversos crimes, colocando-se sempre a questão com relação aos limites da persecução penal frente ao resguardo da intimidade e privacidade.
Tal indagação, recentemente, foi objeto de um julgamento realizado pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América (EUA)[43], no qual se discutiu acerca da (i)legalidade das ações policiais com relação às buscas e apreensões de celulares sem um mandado, e do indevido acesso aos seus registros.
Tivemos oportunidade de estudar o assunto, por meio da confecção de artigo publicado na Revista Fórum de Ciências Criminais (RFCC), número 4[44], cujos principais pontos seguem listados aqui.
Na análise do caso estavam em discussão dois fatos examinados em conjunto, sendo um proveniente do estado da Califórnia e o outro do estado de Massachusetts. Nos dois, a questão centra-se na suposta (i)legalidade da busca e apreensão e, principalmente, da análise dos dados e registros telefônicos sem que haja a expedição de um mandado judicial autorizando os policiais a realizarem referidas averiguações, em possível infringência à IV Emenda da Constituição Norte Americana[45].
No primeiro caso, Riley foi abordado por policial, pois, em tese, estaria dirigindo com a licença vencida. Apurando-se mais a fundo, constatou-se que ele estaria dirigindo com a licença suspensa. No mesmo contexto, em averiguação ao veículo do sujeito, constatou-se a presença de uma arma de fogo, que estaria municiada, sendo ele preso. Em análise dos objetos do interior do carro, os policiais suspeitaram que Riley também poderia ser membro de uma gangue local, haja vista a realização de assaltos. Quando foi efetivada a prisão de Riley, os policiais aproveitaram para revistá-lo, retirando de seu bolso um celular do tipo smartphone, tendo examinado os registros de dados lá armazenados.
As autoridades observaram, na análise dos dados telefônicos, muitas siglas com as iniciais “CK”, que diriam respeito a uma gíria comumente utilizada pela mencionada gangue, sendo que, procedendo à análise dos registros de vídeos e de fotos constantes de seu aparelho, constataram a existência de elementos que, a princípio, comprovariam a sua efetiva participação naquele esquema criminoso.
Riley foi processado e condenado não apenas pelos fatos consistentes em ocultação de arma e porte de munição, mas também pelos atos praticados pela gangue, entre os quais havia imputações de assaltos e tentativa de latrocínios, sendo a sua pena agravada, chegando a pegar, ao todo, 15 (quinze) anos de prisão.
Houve recurso para a Corte de Apelação da Califórnia, alegando-se, em síntese, que a prova seria imprestável, já que obtida sem um mandado judicial, tendo-se violado a IV Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América; argumentou-se, ademais, não haver qualquer justificativa idônea para excepcionar a garantia de que todas as buscas e apreensões devessem ser precedidas por um mandado. Não obstante o exposto, em que pesem as alegações de Riley, todas elas foram rechaçadas, sendo que a causa veio desaguar na Suprema Corte, para apreciação dos Juízes.
O outro caso analisado refere-se à acusação em face de Brima Wurie, em relação ao qual pesava a suspeita de venda de drogas. Uma vez preso para averiguações, levado para a delegacia, foram apreendidos dois celulares consigo.
Com relação a um dos aparelhos, várias chamadas estavam sendo feitas naquele momento, todas identificadas como “minha casa”, conforme se podia ver da tela do celular. Os policiais decidiram então identificar o número de origem, bem como rastrear o local das ligações. Uma vez feito isso, empreenderam diligência ao local, sendo, nesse intervalo, solicitado um mandado de busca e apreensão, para a entrada na referida residência.
Tão logo houve a autorização judicial, mediante a expedição do mandado, os policiais entraram no local, logrando êxito em apreender uma grande quantidade de drogas, como crack e cocaína, além de armas, munição e dinheiro.
Pela acusação, Wurie foi condenado à pena de mais de 20 (vinte) anos, sendo, depois, o caso revisto, haja vista o entendimento de que houve violação à intimidade, sendo que as provas produzidas estariam contaminadas pela ilegalidade originária (consoante a doutrina dos frutos da árvore venenosa).
Levou-se em consideração a inexistência de um mandado autorizando o acesso aos registros telefônicos, acarretando a ilicitude de todas as provas produzidas, já que todas seriam decorrentes da indevida análise dos dados do telefone (como a localização do endereço e a obtenção do mandado para a entrada no domicílio, em que se apreenderam as drogas). Seja como for, também este caso veio a parar na Suprema Corte, para revisão da decisão.
Na apreciação desses dois casos, consoante foi consignado pelo Presidente da Suprema Corte, John Roberts, estava a discussão quanto à extensão conferida à interpretação da IV Emenda Constitucional, a qual tutela a pessoa em sua intimidade, não podendo ser esta importunada em seu lar, bem como no que tange à intimidade de seus dados e negócios particulares, a não ser que haja uma suspeita fundada e razoável de prática de ilícito e, frise-se, desde que haja a expedição de um mandado judicial, especificando não só as pessoas a serem averiguadas, mas também os objetos a serem apreendidos.
O enunciado constitucional – consoante foi ressaltado na decisão - mostra-se bastante claro, sendo que se presume a razoabilidade/necessidade de uma busca e apreensão quando houver um mandado.
Isso porque, em se tratando de intromissões de tal envergadura à privacidade, reputa-se que a medida seja indispensável apenas quando existir a autorização do juiz, pois o magistrado é a pessoa com autoridade e competência para tal função (já que a ele cabe fazer, propriamente, o juízo de razoabilidade da medida), sendo, ademais, imparcial e distante dos fatos; o que não ocorre com os demais órgãos de investigação, como no caso dos policiais, os quais estão mais diretamente envolvidos na persecução criminal e, não raras vezes, por tal razão, acabam sendo “contaminados” pela sanha da nobre finalidade de “combate” ao crime[46], ainda que nutridos das melhores das intenções.
Apesar dessa certeza, isto é, de que, como regra geral, o mandado se faria necessário, não foram olvidadas, no julgamento em epígrafe, as situações que, em tese, excepcionariam a necessidade de um mandado prévio, tendo a Suprema Corte discutido o assunto.
Nesse sentido, os Juízes realizaram uma análise mais minuciosa dos precedentes que admitiriam flexibilização quanto à exigência de um mandado.
Assim, foi pontuado que, desde 1914, quando se colocaram as primeiras discussões acerca do tema, sempre se tolerou, em certa medida, que - em uma situação de prisão – os policiais pudessem vasculhar os objetos do detido, independentemente de uma autorização judicial (por meio de um mandado), por se entender que haveria justa causa na hipótese, a fim de se recuperarem os produtos do crime[47]. Este entendimento, aliás, é muito forte nos sistemas de Common Law.
Havia, por certo, uma visão abrangente e demasiadamente permissiva, conforme reconhecido pela própria Suprema Corte, quanto à admissão de devassa nos pertences do preso, sendo que se entendia que, nesses mesmos casos, a busca/apreensão se mostraria necessária, haja vista que, no ato da prisão, presumir-se-ia a necessidade de se acautelarem as provas do fato em flagrância, apreendendo-se tudo quanto pudesse interessar para os esclarecimentos.
Enfim, nessas hipóteses, sempre estaria, de certo modo, “justificada” a busca/apreensão, o que, como foi pontuado no julgamento, seria em si questionável, pois não há norma alguma que disponha que - em casos envolvendo a prisão de alguém - a IV Emenda Constitucional não se aplicaria ao detido[48].
No voto, mencionou-se que, em outros precedentes, houve a tentativa de se empreender uma melhor justificação dessas buscas e apreensões questionáveis, isto é, sem a expedição de um mandado, argumentando-se que elas seriam necessárias, em determinadas situações, pois haveria o interesse de proteção do policial.
Portanto, a apreensão de bens junto ao preso seria medida de rigor, para evitar, por exemplo, que uma eventual arma (escondida ou dissimulada) pudesse ser usada contra o guarda ou mesmo para evitar uma tentativa de fuga.
Mais especificamente, este entendimento veio a ser sedimentado no Caso Chimel v. California (1969)[49], havendo, contudo, outros precedentes nessa mesma linha.
Nesse diapasão, foi citado o Caso United States v. Robinson (1973), em que um sujeito foi preso por dirigir com licença vencida, tendo sido apreendido um maço de cigarros consigo, em cujo interior havia heroína.
Na Apelação, o cidadão foi absolvido, por se considerar que a apreensão do maço não se justificaria, pois, no caso concreto, além de não haver indícios da prática daquele delito, não seria necessária a medida, tampouco a averiguação do conteúdo do interior do maço de cigarros, pois ele, em si mesmo, não implicaria qualquer risco à integridade dos policiais.
Posteriormente, na Suprema Corte, a decisão acabou sendo revista, sem que, para tanto, fossem dadas maiores explicações[50].
Em análise de outro caso (United States v. Chadwick, 1977), restou assentado que, para que se realize uma busca sem mandado, deve haver justificativa plausível, pautada na condição pessoal do preso, não se explicando, também neste ponto, em que consistiria esta situação pessoal, devendo cada circunstância ser analisada no caso concreto[51].
Evidentemente, a análise pautada na justiça do “cada caso é um caso” não fornece muita segurança jurídica, conforme reconhecido na própria decisão, não sendo por outra razão a existência de disparidades de entendimentos quanto ao tema, nos Tribunais dos estados.
Do exame de tudo quanto foi mencionado – ainda que fazendo um juízo mais crítico dos precedentes analisados, consignou-se, na decisão da Suprema Corte Norte Americana, que uma busca só será justificável, sem um mandado judicial prévio, caso estivesse em perigo a integridade física dos agentes policiais ou quando tudo levasse a concluir que a prova do crime estaria no local dos fatos (ou melhor, no momento da prisão). Esses, em síntese, seriam os pressupostos que autorizariam relativização da exigência quanto à necessidade de um mandado de busca e apreensão, consoante julgados acima[52].
Tendo em vista o acima exposto, e, comparando-se os precedentes citados com os casos referentes à apreensão e acesso dos dados dos celulares, a Suprema Corte entendeu não haver paralelo entre as referidas situações, não podendo ser dada a mesma solução[53].
Afinal, a apreensão de um celular, com o posterior acesso aos seus registros, não se trata uma simples apreensão qualquer, já que esses aparelhos podem propiciar um poderoso meio/artifício violador das mais básicas liberdades do indivíduo (tais como as referentes a dados, à imagem, à honra, etc.)[54].
Considerando-se que os celulares (ou dispositivos de tecnologias correlatas) constituem, modernamente, verdadeiros computadores, há, sem dúvida alguma, uma extensa gama de dados relacionados à intimidade do cidadão, que podem ser vasculhados pelos policiais e, por consequência, violados[55], acarretando ofensa não só à privacidade, mas, muitas vezes, ataque à honra subjetiva e à respeitabilidade social do cidadão.
Enfim, trata-se de tecnologia nova - já que inexistente há alguns anos, ensejando, assim, uma nova realidade, totalmente diversa da constante nos precedentes analisados – e que pode levar a uma incalculável invasão na esfera da intimidade das pessoas, haja vista os recursos disponíveis - tais como os downloads de diversos aplicativos - utilizados para as mais díspares finalidades, inclusive para encontros privados dos mais diferentes tipos e escopos[56].
Sendo assim, em análise aos pressupostos que autorizariam a flexibilização da exigência de um mandado, a Suprema Corte dos EUA asseverou que nenhuma daquelas situações – então listadas como sendo razoáveis nos precedentes debatidos - poderia ser aplicável nos casos de apreensão de celulares e, sobretudo, de acesso aos seus dados.
Embora, em determinados casos, a apreensão e a averiguação externa do aparelho sejam medidas admissíveis - pois o celular pode, eventualmente, esconder alguma arma - nada justifica que se vasculhem os dados internos, o seu conteúdo. Afinal, os dados em si não oferecem, em princípio, perigo iminente ao policial[57].
É verdade que foi debatido, no julgamento, se poderia haver informações de interesse aos policiais, constantes na base de dados do aparelho, como mensagens indicando que outros criminosos estariam a caminho do local da prisão.
Contudo, conforme consignado, tratar-se-ia de uma asserção um tanto quanto abstrata, melhor dizendo, genérica, não sendo suficiente, por si só, para afastar a obrigatoriedade do mandado[58].
Outra questão levantada no voto foi quanto à necessidade do imediato acesso aos dados, uma vez aventada a possibilidade de haver um ataque externo, por meio de algum sistema ou aplicativo, para apagá-los, como, por exemplo, pela emissão de sinais ou ondas eletromagnéticas com a finalidade de deletar os arquivos armazenados.
Também foi cogitada a hipótese da aposição de senha (por criptografia), ou de um sistema de segurança programado no próprio aparelho móvel, sendo que o acesso aos registros telefônicos restaria depois inviabilizado, caso se aguardasse muito, devido à demora ínsita à espera da obtenção do mandado[59].
De toda forma, também neste ponto a Suprema Corte enfrentou tais argumentos, tendo mencionado que, para evitar a perda dos dados, bastaria desligar o telefone, colocar no modo avião ou mesmo remover a sua bateria.
Lembrou-se, na decisão proferida, que, modernamente, há uma série de mecanismos tecnológicos, alguns até bem singelos, mas, efetivamente, idôneos para proteger o celular dessas ameaças, bastando, por exemplo, acondicioná-lo dentro de um compartimento próprio para impedir a entrada desses sinais[60].
Destacou-se, por fim, em prol da necessidade da expedição de um mandado, que a IV Emenda foi, em realidade, uma resposta dos americanos contra os mandados genéricos da era colonial, em que os britânicos invadiam os domicílios das pessoas, a pretexto de empreenderem o “combate ao crime”.
A oposição a esse estado de coisas, por meio da sedimentação da necessidade de um mandado judicial para a busca e apreensão na casa das pessoas, foi uma das razões, inclusive, para a própria Revolução Americana.
Seja como for, o fato de, hoje, as informações pessoais poderem ser “carregadas” nas mãos das pessoas não as torna menos dignas de proteção quando da época do período histórico da Independência das Treze Colônias.
Do exposto, a resposta da Suprema Corte, por meio da decisão unânime dos seus Juízes, para a pergunta acerca do que os policiais deveriam fazer antes de vasculharem um aparelho celular, mostra-se relativamente simples, qual seja, no sentido de se obter em regra, um mandado![61]
Apenas em casos muitíssimo excepcionais esta máxima poderá ser relativizada, quando houver a presença de circunstâncias especialmente graves (como na detonação de uma bomba ou referente ao paradeiro de pessoas/crianças desaparecidas); ainda assim, todas essas hipóteses devem ser objeto de muita reflexão e circundadas de diversos senões, como fora bem ressaltado na decisão da Suprema Corte dos EUA[62].
No Brasil, a questão tem sido muito debatida, nos últimos anos, sendo formado um relativo consenso de que, antes de se permitir o acesso aos dados telefônicos do averiguado, mormente no que concerne às suas conversas telefônicas, as autoridades devem estar munidas da autorização de um mandado judicial, sobretudo quando o contexto da apreensão do celular se dá sem que tenha sido expedido um mandado de busca e apreensão anterior.
1. "...Ambas as Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior entendem ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos (WhatsApp), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, decorrentes de flagrante, sem prévia autorização judicial...” (STJ, AgRg no HC 499.425/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 6/6/2019, DJe 14/6/2019).
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ACESSO AOS DADOS DE APLICATIVO CELULAR WHATSAPP. INGRESSO NA RESIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DE FUNDADA SUSPEITA. ILEGALIDADE. NULIDADE RECONHECIDA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido por ocasião da prisão em flagrante, sem prévia autorização judicial. 2. É pacífico nesta Corte o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, está-se diante de situação de flagrante delito. 3. Ausente, assim, justa causa para o ingresso domiciliar, sem consentimento do morador nem autorização judicial, ainda que obtido êxito na apreensão de droga. 4, Habeas corpus concedido para declarar a nulidade das provas obtidas por meio do ingresso domiciliar sem mandado, bem como do acesso ao celular do paciente, sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos. (STJ, HC 617.232/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021)
É bem verdade que, em determinadas situações, o entendimento exposto acima tem sido relativizado, podendo-se mencionar a possibilidade de acesso às mensagens e ao conteúdo em telefone celular encontrado com presos, observando-se que tais pessoas não poderiam ter acesso a tais dispositivos, havendo posição forte do STJ pela possibilidade de acesso ao seu conteúdo independentemente de qualquer ordem judicial, pois não haveria que se falar, aqui, na tutela do sigilo[63].
Também no que concerne à possibilidade de acesso ao telefone, quando a apreensão ocorre em um contexto de cumprimento de uma ordem de busca e apreensão, com permissão de entrada no domicílio, questiona-se se a autoridade não estaria autorizada a acessar os dispositivos celulares apreendidos, sem necessidade de ordem judicial específica, eis que já haveria uma permisso da autoridade judiciária competente para a busca e apreensão de tudo que possa interessar à investigação em sede de domicílio.
Ora, se a autoridade que cumpre a diligência pode, em tese, ordenar até mesmo o uso da força policial para adentrar e arrombar compartimentos fechados, podendo buscar e apreender escritos, documentos, sendo que a autoridade, obviamente, ao empreender à diligência, tem acesso ao conteúdo destes mesmos materiais, não haveria sentido interpretar que, por exemplo, a mesma autoridade não estaria autorizada a ter acesso ao dispositivo com material eletrônico.
Enfim, é uma questão que, a nosso ver, não foi devidamente enfrentada, nem pela doutrina, nem pela jurisprudência, suscitando debates, havendo controvérsia a respeito, embora, no ponto, fosse de bom tom, e prudente, que a autorização judicial, para acesso aos celulares, constasse do próprio mandado, de forma explícita, observando-se, entretanto, que a conveniência de acesso às informações armazenadas no celular é mais de interesse da Justiça que da polícia.
Outro ponto em aberto, que nos veio à indagação ouvindo as sempre pertinentes lições do Professor Francisco Sanini, Delegado de Polícia, salvo engano, oficiante em São Paulo, em suas aulas, quando bem alerta o Autor para a questão em que o próprio aparelho constitua o corpo de delito, na hipótese em que, no celular, haja armazenamento de fotos de pornografia infantil.
A rigor, em se tratando de corpo de delito, sendo hipótese de flagrante, poder-se-ia questionar quanto à (des)necessidade de mandado, na medida em que, nestas situações, a própria Constituição, por exemplo, afasta a inviolabilidade do domicílio, sendo permitido o ingresso.
Estas são algumas questões que a matéria em estudo suscita, sendo que, em outras oportunidades, nesta coluna, enfrentaremos outras questões relativas à validade dos novos meios de provas trazidos com os meios de investigação modernos, servindo o presente arquivo para iniciar o debate sobre tão relevante e instigante tema.
Notas e Referências
[1] Nesse sentido: FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães & GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal, p. 121.
[2] Muitas das observações listadas já foram objeto de meditação em nossa dissertação de mestrado, publicada pela Lumen Juris, sob o nome “O prejuízo e as nulidades processuais penais”, que chega à terceira edição neste mês. Para um estudo mais aprofundado, com menção a mais citações e reflexões, consulte-se: PASCHOAL, Jorge Coutinho. O Prejuízo e as Nulidades Processuais Penais: um estudo à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, pp. 298 e ss.
[3] FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães & GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal, p. 134.
[4] Não deveria ser assim, mas, na prática, é.
[5] GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal, p. 141.
[6] “Por isto é que, para evitar confusões terminológicas e conceituais, utilizaremos a linguagem de Nuvolone: a prova será ilegal toda vez que caracterizar violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material. Quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilícita. Será nesse sentido mais restrito que nos referiremos às ‘provas ilícitas’” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal, p. 128). Nesse sentido, a Autora reitera tal entendimento: FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães & GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal, p. 125.
[7] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p.63.
[8] “... diz-se que a prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material. Quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente obtida” (FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães & GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal, p. 125)
[9] Nesse sentido, utilizando essa denominação: ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 50.
[10] Guilherme de Sousa Nucci não adota essa posição, pois afirma: “em nosso entendimento, didaticamente, podemos dividir as provas ilícitas em: a) ilegais, quando há violação de norma penal; b) ilegítimas, quando a violação se volta à norma processual penal. De toda sorte, tanto as ilegais quanto as ilegítimas são ilícitas” (NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 2.ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 34).
[11] Art. 5.º, LVI, CRFB: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
[12] ÁVILA, Thiago André Perobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 101.
[13]Art. 212, do Código de Processo Penal: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”.
[14] “Para a violação do impedimento meramente processual basta a sanção erigida através da nulidade do ato cumprido e da ineficácia da decisão que se fundar sobre os resultados do acertamento” (FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães & GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal, p. 125).
[15] “A par da distinção no plano da natureza da norma violada, outra se faz quanto ao momento da transgressão: enquanto na prova ilegítima a ilegalidade ocorre no momento de sua produção no processo, a prova ilícita pressupõe uma violação no momento da colheita da prova ou concomitantemente ao processo, mas sempre externamente a este” (AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas, p. 51)(destacamos).
[16] ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade, p. 100.
[17] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal, p. 285-286. Aliás, anote-se que a própria diferenciação entre captação e produção da prova é confusa, pois, no momento da produção da prova em juízo, é óbvio que a prova está sendo captada.
[18] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal, p. 288.
[19] “Há determinadas provas que, não obstante seja em direito admissíveis, acabam sendo consideradas nulas pelo fato de não haverem seguido a forma estipulada na Lei, e tampouco encontram qualquer respaldo de convalidação. São exemplos a busca e apreensão realizada (no Brasil) no período da madrugada e a interceptação telefônica sem autorização judicial. O vício reside no aspecto processual, ou procedimental, já que obtida de forma contrária àquela estabelecida como regra” (MENDRONI, Marcelo Batlouni. Provas no processo penal: estudo sobre a valoração das provas legais. São Paulo: Atlas, 2010, p. 95-96.
[20] FERNANDES, Antonio Scarance. “O sigilo financeiro e a prova criminal”. In: José de Faria Costa e Marco Antonio Marques da Silva (coords.). Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais. São Paulo, Quartier Latin, 2006, p. 483; MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. “Meios de impugnação à quebra indevida de sigilo bancário”. In: Heloísa Estellita Salomão (coord.). Direito penal empresarial. São Paulo, Dialética, 2001, p. 176
[21] ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p 101.
[22] GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal, p. 129.
[23] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal, p. 286. Cabe mencionar que, apesar de a repetição ser possível na prática, no plano jurídico haveria impossibilidade jurídica. Se houvesse a possibilidade de, ante a quebra (indevida) do sigilo de dados, o juiz reconhecer a ilicitude e autorizar outra quebra, estar-se-ia burlando a proscrição das provas ilícitas no processo, conforme observação do Professor Marco Alexandre Coelho Zilli na banca.
[24] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal, p. 285.
[25] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal, p. 287.
[26] Art. 157, caput, do Código de Processo Penal: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.
[27] FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães & GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal, p. 125.
[28] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 6.ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 86.
[29] GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal, p. 129 (grifamos e destacamos). Em outra oportunidade da mesma obra, a Autora reitera: “... ainda cabe ressaltar que o legislador brasileiro não erigiu em norma processual, genericamente, o impedimento de produzir em juízo provas obtidas através de transgressões a normas de direito material. Se assim o fizesse e se à vedação se acompanhasse a cominação de nulidade, a prova seria, contemporaneamente, ilícita e ilegítima, e o problema da admissibilidade em juízo das provas ilícitas ficaria resolvido em face da própria lei processual” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal, p. 198).
[30] GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Uma nova teoria das nulidades, p. 357.
[31] Também Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró afirma: “não há como negar que a inadmissibilidade impede o ingresso, no processo, de uma prova ilícita, o que não ocorre na teoria das nulidades. Porém, na grande maioria dos casos, o reconhecimento da ilicitude da prova ocorre a posteriori, quando o meio proibido já ingressou no processo (p. ex.: reconhece-se a ilicitude de uma interceptação telefônica, depois de já realizada a operação técnica e juntado aos autos o laudo de degravação ou os registros da conversa). Neste caso, a consequência do reconhecimento da ilicitude da prova não será a inadmissibilidade (impedir o ingresso), mas o seu desentranhamento (excluir do que não deveria ter ingressado). Do ponto de vista da dinâmica procedimental, sob o aspecto cronológico da imposição da sanção, não haverá diferença prática entre o desentranhamento (e não a inadmissibilidade) e a nulidade” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal, p. 286).
[32] Parte da doutrina advoga não só o desentranhamento da prova, mas também o desentranhamento do juiz que tomou contato com a prova, na linha do que defende Aury Lopes Júnior. Muito embora seja uma corrente respeitável, que acabou até sendo acolhida com a reforma da Lei Anti Crime (na verdade, a previsão foi ressuscitada, pois, nas reformas de 2008, a proposta havia sido adotada pelo legislador, tendo, contudo, sido vetada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva), não nos parece a mais acertada. Tanto é assim que o dispositivo legal em comento (art. 157, § 5, CPP) está suspenso, por força de liminar concedida pelo Ministro Luiz Fux, sendo necessário aguardar o julgamento da ADI 6.299/DF, para saber como o Supremo Tribunal Federal irá se posicionar a respeito. A nosso ver, a possibilidade de tornar o juiz impedido apenas porque o magistrado tomou contato com a prova ilícita pode ensejar manobras capciosas para retirar o juiz do caso, bastando ao interessado juntar aos autos uma prova ilícita. De toda forma, razão assiste à Lula ao discorrer, à época do veto, que: “o objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso. Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada” (sic)
[33] Na jurisprudência, é possível notar, em julgados minoritários, o novo tratamento jurídico, sendo que, no Superior Tribunal de Justiça, já se mandou desentranhar uma prova ilícita que, no sistema antigo, seria certamente catalogada como ilegítima. Consulte-se: STJ, HC 154093/RJ, Ministro Relator Jorge Mussi, 5.ª T., j. 09.11.2010. Contudo, infelizmente, na maioria das decisões prolatadas, ainda se continua fazendo a distinção, contra o que dispõe a lei, mantendo-se a prova nula nos autos, em vez de se ordenar o seu desentranhamento, conforme novo regramento do artigo 157, do CPP.
[34] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal, p. 289. Contra o entendimento exposto, consulte-se: ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. “As provas ilícitas no processo penal brasileiro e no direito penal: duas cabeças, duas sentenças”. In: Nestor Eduardo Araruna Santiago (coord.). Proibições probatórias no processo penal: análise do direito brasileiro, do direito estrangeiro e do direito internacional. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p. 106.
[35] GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Uma nova teoria das nulidades, p. 358, 505.
[36] É difícil trabalhar com a asserção de que o ato poderia ser considerado inexistente para um determinado setor do ramo jurídico (âmbito processual) e não para outro (extraprocesso). A ilicitude gera consequências jurídicas em outras searas, devendo o ato ilícito ser considerado juridicamente existente tanto dentro quanto fora do processo.
[37] Na doutrina, Maria Thereza Rocha de Assis Moura defende que a prova ilícita configuraria uma nulidade, discorrendo, para tanto: “a prova ilícita em sentido estrito, isto é, a obtida com violação à norma de direito material ou à norma constitucional, é inadmissível no processo penal. Mas nem a Constituição, nem o Código de Processo Penal estabelecem de forma explícita a consequência que deriva de seu ingresso no processo. Tratando-se porém de violação às normas de garantia, a ilicitude conduz à nulidade absoluta, não possuindo, pois, a prova qualquer eficácia. Isto significa que a prova colhida com infringência à norma de direito material ou constitucional é considerada também como processualmente ilegítima, isto é, colhida em desrespeito aos interesses que dizem respeito à finalidade do processo” (MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. “Os sistemas de persecução penal e seus órgãos de acusação”, p. 100). Anota a Autora, na nota de rodapé n. 22, que a Professora Ada Pelegrini Grinover vai mais longe, ao considerar a prova ilícita como um não ato.
[38] Consulte-se em: www.igfse.pt/upload/docs/2013/constpt2005.pdf.
[39] SPENDER, J. R. “Prova”. In: Mireille Delmas-Marty (coord.). Processos penais da Europa. Tradução: Fauzi Hassan Choukr; colaboração: Ana Cláudia Ferigato Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 633.
[40] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal, p. 287. Cabe só lembrar que o Autor cataloga a prova ilícita como hipótese de inexistência jurídica, o que nos parece uma contradição, mormente ante a conclusão do Autor quanto a um regime unificado entre nulidade e prova ilícita, ou melhor, entre prova ilegítima e ilícita. Havendo esse regime jurídico unificado (tanto que o Autor veio a adotar um conceito amplo de prova ilícita), não é possível tratar como inexistente uma prova nula.
[41] Quando falamos das exceções à prova ilícita, não estamos falando do que a doutrina tradicional denomina por prova ilícita pro reo, descrita, às vezes, como a “única exceção possível à regra constitucional” (da inadmissibilidade das provas ilícitas) que “ocorre se e quando utilizada em favor do acusado” (PITOMBO, Cleunice A. Valentim Bastos. Da busca e apreensão no processo penal. 2.ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 97). A prova “ilícita” pro reo, a nosso ver, não constitui, propriamente, uma exceção à prova ilícita, pois, no caso, dada a incidência de exclusão de antijuridicidade (legítima defesa), a prova se torna lícita, não sendo, portanto, ilícita. O exposto também vale para a prova “ilícita” produzida a favor das vítimas/acusação (estado de necessidade ou exercício regular de um direito {prova}), o que é possível em casos excepcionais, quando for o único meio possível para exercer o direito à prova (frisamos: desde que não implique ofensa à integridade física do imputado, pois a tortura é vedada, expressamente, pela Constituição): ora, “somente permitir o princípio em favor da defesa é tratar desigualmente as partes no processo (...) se a legítima defesa torna a prova licita, em favor do réu, não há motivos para não se aplicar o mesmo entendimento em casos de especial gravidade, quando há evidente estado de necessidade” (GOULART, Valéria Diez Scarance Fernandes. Tortura e prova no processo penal, p. 110). Em nosso ordenamento jurídico, de certa forma, a Lei 12.850/2013 reafirmou a licitude da prova acusatória obtida no caso de infiltração de agentes. A rigor, não houvesse alguma ponderação de valores, essa prova sempre deveria ser reputada como ilícita, pois, convenhamos, é obtida mediante a violação de diversos direitos do investigado (o qual é, antes de tudo, enganado {falsidade} pelo agente infiltrado e tem a sua intimidade, muitas vezes, devassada, sem falar na vulneração do seu direito ao silêncio). Contudo, sendo o único recurso possível (artigo 10, § 2º, da lei) na apuração de crimes especialmente graves, cometidos, em tese, por organização criminosa, admite-se a validade dessa prova (desde que ela seja autorizada pelo juiz e sejam cumpridos, à risca, todos os seus requisitos legais).
[42] Tratando deste tema, mostra-se bastante elucidativa a aula proferida pelo Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, sobre o tema Sigilo de dados, o direito à privacidade e os limites do Poder do Estado”: 25 anos depois, podendo ser consultada em: https://www.youtube.com/watch?v=6xK0RJ4Zk2Q.
[43] Riley v. California, Certiorari to The Court of Appeal of California, Fourth Appellate District, Division One n. 13–132. Argued on April 29, 2014 - Decided on June 25, 2014. A decisão da Suprema Corte pode ser analisada no endereço: https://s3.amazonaws.com/s3.documentcloud.org/documents/1208245/riley-v-california.pdf. Consulte também a respeito: http://www.nytimes.com/interactive/2014/06/25/us/annotated-supreme-court-cellphone-privacy-decision.html?_r=1.
[44] Para os interessados, consulte-se com maior aprofundamento: PASCHOAL, Jorge Coutinho. Caso Riley v. Califórnia (Suprema Corte dos Estados Unidos da América) – o acesso aos dados registrados em aparelhos de telefonia móvel e o resguardo da intimidade. In: ZILLI, Marcos Alexandre Coelho Zilli. Revista Fórum de Ciências Criminais. Ano 2, n. 4, julho/dezembro de 2015, pp. 251-259.
[45] O texto da IV Emenda Constitucional dos Estados Unidos da América é do seguinte teor: “The right of the people to be secure in their persons, houses, papers, and effects, against unreasonable searches and seizures, shall not be violated, and no Warrants shall issue, but upon probable cause, supported by Oath or affirmation, and particularly describing the place to be searched, and the persons or things to be seized.” Consoante tradução empreendida pelo Escritório de Programas de Informações Internacionais do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América: “o direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas, papeis e haveres contra busca e apreensão arbitrárias não poderá ser infringido; e nenhum mandado será expedido a não ser mediante indícios de culpabilidade confirmados por juramento ou declaração, e particularmente com a descrição do local da busca e a indicação das pessoas ou coisas a serem apreendidas” (Cf: Perfil do Sistema Judiciário dos EUA. Escritório de Programas de Informações Internacionais do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América 2006, p. 193).
[46] Conforme consignado à página 05 do julgado da Suprema Corte Americana: “As the text makes clear, ‘the ultimate touchstone of the Fourth Amendment is ‘reasonableness.’ Brigham City v. Stuart, 547 U. S. 398, 403 (2006). Our cases have determined that ‘[w]here a search is undertaken by law enforcement officials to discover evidence of criminal wrongdoing, . . . reasonableness generally requires the obtaining of a judicial warrant.’ Vernonia School Dist. 47J v. Acton, 515 U. S. 646, 653 (1995). Such a warrant ensures that the inferences to support a search are ‘drawn by a neutral and detached magistrate instead of being judged by the officer engaged in the often competitive enterprise of ferreting out crime.’ Johnson v. United States, 333 U. S. 10, 14 (1948). In the absence of a warrant, a search is reasonable only if it falls within a specific exception to the warrant requirement.”
[47] Nesse sentido, confira-se, às páginas 05/06, do voto do Presidente da Corte: “In 1914, this Court first acknowledged in dictum ‘the right on the part of the Government, always recognized under English and American law, to search the person of the accused when legally arrested to discover and seize the fruits or evidences of crime.’ Weeks v. United States, 232 U. S. 383, 392. Since that time, it has been well accepted that such a search constitutes an exception to the warrant requirement. Indeed, the label ‘exception” is something of a misnomer in this context, as warrantless searches incident to arrest occur with far greater frequency than searches conducted pursuant to a warrant. See 3 W. LaFave, Search and Seizure §5.2(b), p. 132, and n. 15 (5th ed. 2012). Although the existence of the exception for such searches has been recognized for a century, its scope has been debated for nearly as long.”
[48] “The fact that an arrestee has diminished privacy interests does not mean that the Fourth Amendment falls out of the picture entirely. Not every search ‘is acceptable solely because a person is in custody.’ Maryland v. King, 569 U. S. ___, ___ (2013) (slip op., at 26).” (Cf. página 16, da decisão).
[49] “’When an arrest is made, it is reasonable for the arresting officer to search the person arrested in order to remove any weapons that the latter might seek to use in order to resist arrest or effect his escape. Otherwise, the officer’s safety might well be endangered, and the arrest itself frustrated. In addition, it is entirely reasonable for the arresting officer to search for and seize any evidence on the arrestee’s person in order to prevent its concealment or destruction. . . . There is ample justification, therefore, for a search of the arrestee’s person and the area ‘within his immediate control’—construing that phrase to mean the area from within which he might gain possession of a weapon or destructible evidence.’ Id., at 762–763.” (página 06, da decisão). Houve uma discussão lateral se esse caso envolveria apenas a proteção da integridade do policial, não tendo, contudo, maiores implicações para a solução final conferida à causa. A respeito, vide a opinião do Juiz Alito, constante no final do julgado (nas últimas 5 páginas), como adendo.
[50] Conforme fora anotado, na decisão, a respeito desse precedente, às páginas 07/08: “The Court of Appeals concluded that the search was unreasonable because Robinson was unlikely to have evidence of the crime of arrest on his person, and because it believed that extracting the cigarette package and opening it could not be justified as part of a protective search for weapons. This Court reversed, rejecting the notion that ‘case-by-case adjudication’ was required to determine ‘whether or not there was present one of the reasons supporting the authority for a search of the person incident to a lawful arrest.’ Id., at 235. As the Court explained, ‘[t]he authority to search the person incident to a lawful custodial arrest, while based upon the need to disarm and to discover evidence, does not depend on what a court may later decide was the probability in a particular arrest situation that weapons or evidence would in fact be found upon the person of the suspect.’ Ibid. Instead, a ‘custodial arrest of a suspect based on probable cause is a reasonable intrusion under the Fourth Amendment; that intrusion being lawful, a search incident to the arrest requires no additional justification.’ Ibid. The Court thus concluded that the search of Robinson was reasonable even though there was no concern about the loss of evidence, and the arresting officer had no specific concern that Robinson might be armed.”
[51] “A few years later, the Court clarified that this exception was limited to ‘personal property . . . immediately associated with the person of the arrestee.’ United States v. Chadwick, 433 U. S. 1, 15 (1977) (200-pound, locked footlocker could not be searched incident to arrest), abrogated on other grounds by California v. Acevedo, 500 U. S. 565 (1991).” (Cf. página 08, do voto).
[52] “The search incident to arrest trilogy concludes with Gant, which analyzed searches of an arrestee’s vehicle. Gant, like Robinson, recognized that the Chimel concerns for officer safety and evidence preservation underlie the search incident to arrest exception. See 556 U. S., at 338. As a result, the Court concluded that Chimel could authorize police to search a vehicle “only when the arrestee is unsecured and within reaching distance of the passenger compartment at the time of the search.” 556 U. S., at 343. Gant added, however, an independent exception for a warrantless search of a vehicle’s passenger compartment ‘when it is ‘reasonable to believe evidence relevant to the crime of arrest might be found in the vehicle.’ Ibid. (quoting Thornton v. United States, 541 U. S. 615, 632 (2004) (SCALIA, J., concurring in judgment)). That exception stems not from Chimel, the Court explained, but from ‘circumstances unique to the vehicle context.’ 556 U. S., at 343.” (V. página 08, da decisão).
[53] “These cases require us to decide how the search incident to arrest doctrine applies to modern cell phones, which are now such a pervasive and insistent part of daily life that the proverbial visitor from Mars might conclude they were an important feature of human anatomy. A smart phone of the sort taken from Riley was unheard of ten years ago; a significant majority of American adults now own such phones. See A. Smith, Pew Research Center, Smartphone Ownership—2013 Update (June 5, 2013). Even less sophisticated phones like Wurie’s, which have already faded in popularity since Wurie was arrested in 2007, have been around for less than 15 years. Both phones are based on technology nearly inconceivable just a few decades ago, when Chimel and Robinson were decided.” (páginas 08/09, da decisão).
[54] “But the possible intrusion on privacy is not physically limited in the same way when it comes to cell phones. The current top-selling smart phone has a standard capacity of 16 gigabytes (and is available with up to 64 gigabytes). Sixteen gigabytes translates to millions of pages of text, thousands of pictures, or hundreds of videos. See Kerr, supra, at 404; Brief for Center for Democracy & Technology et al. as Amici Curiae 7–8. Cell phones couple that capacity with the ability to store many different types of information: Even the most basic phones that sell for less than $20 might hold photographs, picture messages, text messages, Internet browsing history, a calendar, a thousandentry phone book, and so on. See id., at 30; United States v. Flores-Lopez, 670 F. 3d 803, 806 (CA7 2012). We expect that the gulf between physical practicability and digital capacity will only continue to widen in the future. The storage capacity of cell phones has several interrelated consequences for privacy. First, a cell phone collects in one place many distinct types of information—an address, a note, a prescription, a bank statement, a video— that reveal much more in combination than any isolated Record (...) A decade ago police officers searching an arrestee might have occasionally stumbled across a highly personal item such as a diary. See, e.g., United States v. Frankenberry, 387 F. 2d 337 (CA2 1967) (per curiam). But those discoveries were likely to be few and far between. Today, by contrast, it is no exaggeration to say that many of the more than 90% of American adults who own a cell phone keep on their person a digital record of nearly every aspect of their lives— from the mundane to the intimate. See Ontario v. Quon, 560 U. S. 746, 760 (2010). Allowing the police to scrutinize such records on a routine basis is quite different from allowing them to search a personal item or two in the occasional case. Although the data stored on a cell phone is distinguished from physical records by quantity alone, certain types of data are also qualitatively different. An Internet search and browsing history, for example, can be found on an Internet-enabled phone and could reveal an individual’s private interests or concerns—perhaps a search for certain symptoms of disease, coupled with frequent visits to WebMD. Data on a cell phone can also reveal where a person has been.” (Cf. páginas 18/19, da decisão).
[55] “Cell phones differ in both a quantitative and a qualitative sense from other objects that might be kept on an arrestee’s person. The term ‘cell phon’” is itself misleading shorthand; many of these devices are in fact minicomputers that also happen to have the capacity to be used as a telephone. They could just as easily be called cameras, video players, rolodexes, calendars, tape recorders, libraries, diaries, albums, televisions, maps, or newspapers.” (Cf. página 17, do julgado).
[56] “Mobile application software on a cell phone, or ‘apps,’ offer a range of tools for managing detailed information about all aspects of a person’s life. There are apps for Democratic Party news and Republican Party news; apps for alcohol, drug, and gambling addictions; apps for sharing prayer requests; apps for tracking pregnancy symptoms; apps for planning your budget; apps for every conceivable hobby or pastime; apps for improving your romantic life. There are popular apps for buying or selling just about anything, and the records of such transactions may be accessible on the phone indefinitely. There are over a million apps available in each of the two major app stores; the phrase ‘there’s an app for tha’ is now part of the popular lexicon. The average smart phone user has installed 33 apps, which together can form a revealing montage of the user’s life. See Brief for Electronic Privacy Information Center as Amicus Curiae in No. 13–132, p. 9” (Cf. página 20, do caso).
[57] “Digital data stored on a cell phone cannot itself be used as a weapon to harm an arresting officer or to effectuate the arrestee’s escape. Law enforcement officers remain free to examine the physical aspects of a phone to ensure that it will not be used as a weapon—say, to determine whether there is a razor blade hidden between the phone and its case. Once an officer has secured a phone and eliminated any potential physical threats, however, data on the phone can endanger no one.” (Cf. páginas 10/11, da decisão).
[58] “The United States and California both suggest that a search of cell phone data might help ensure officer safety in more indirect ways, for example by alerting officers that confederates of the arrestee are headed to the scene. There is undoubtedly a strong government interest in warning officers about such possibilities, but neither the United States nor California offers evidence to suggest that their concerns are based on actual experience.” (Cf. página 11, da decisão).
[59] “The United States and California argue that information on a cell phone may nevertheless be vulnerable to two types of evidence destruction unique to digital data— remote wiping and data encryption. Remote wiping occurs when a phone, connected to a wireless network, receives a signal that erases stored data. This can happen when a third party sends a remote signal or when a phone is preprogrammed to delete data upon entering or leaving certain geographic areas (so-called ‘geofencing’). See Dept. of Commerce, National Institute of Standards and Technology, R. Ayers, S. Brothers, & W. Jansen, Guidelines on Mobile Device Forensics (Draft) 29, 31 (SP 800– 101 Rev. 1, Sept. 2013) (hereinafter Ayers). Encryption is a security feature that some modern cell phones use in addition to password protection. When such phones lock, data becomes protected by sophisticated encryption that renders a phone all but ‘unbreakable’ unless police know the password.” (Cf. páginas 12-13, da decisão).
[60] “In any event, as to remote wiping, law enforcement is not without specific means to address the threat. Remote wiping can be fully prevented by disconnecting a phone from the network. There are at least two simple ways to do this: First, law enforcement officers can turn the phone off or remove its battery. Second, if they are concerned about encryption or other potential problems, they can leave a phone powered on and place it in an enclosure that isolates the phone from radio waves. See Ayers 30–31. Such devices are commonly called ‘Faraday bags,’ after the English scientist Michael Faraday. They are essentially sandwich bags made of aluminum foil: cheap, lightweight, and easy to use. See Brief for Criminal Law Professors as Amici Curiae 9. They may not be a complete answer to the problem, see Ayers 32, but at least for now they provide a reasonable response. In fact, a number of law enforcement agencies around the country already encourage the use of Faraday bags. See, e.g., Dept. of Justice, National Institute of Justice, Electronic Crime Scene Investigation: A Guide for First Responders 14, 32 (2d ed. Apr. 2008); Brief for Criminal Law Professors as Amici Curiae 4–6.” (Cf. página 14, da decisão).
[61] “Modern cell phones are not just another technological convenience. With all they contain and all they may reveal, they hold for many Americans ‘the privacies of life,’ Boyd, supra, at 630. The fact that technology now allows an individual to carry such information in his hand does not make the information any less worthy of the protection for which the Founders fought. Our answer to the question of what police must do before searching a cell phone seized incident to an arrest is accordingly simple— get a warrant.” (Cf. página 28, do voto).
[62] “In light of the availability of the exigent circumstances exception, there is no reason to believe that law enforcement officers will not be able to address some of the more extreme hypotheticals that have been suggested: a suspect texting an accomplice who, it is feared, is preparing to detonate a bomb, or a child abductor who may have information about the child’s location on his cell phone. The defendants here recognize—indeed, they stress—that such fact-specific threats may justify a warrantless search of cell phone data. See Reply Brief in No. 13–132, at 8–9; Brief for Respondent in No. 13–212, at 30, 41. The critical point is that, unlike the search incident to arrest exception, the exigent circumstances exception requires a court to examine whether an emergency justified a warrantless search in each particular case. See McNeely, supra, at ___ (slip op., at 6).” (Cf. páginas 26/27, do julgamento).
[63] “...Conforme previsto no art. 41, inciso XV, da LEP, o contato do preso com o mundo exterior é autorizado por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. Mesmo no caso de comunicação por intermédio de correspondência escrita, permitida legalmente, a Suprema Corte firmou jurisprudência no sentido de que, diante da inexistência de liberdades individuais absolutas, é possível que a Administração Penitenciária, sem prévia autorização judicial, acesse o seu conteúdo quando houver inequívoca suspeita de sua utilização como meio para a preparação ou a prática de ilícitos. A necessidade de se resguardar a segurança, a ordem pública e a disciplina prisional, segundo a Corte Suprema, prevalece sobre a reserva constitucional de jurisdição. 4. Nessa conjuntura, se é prescindível decisão judicial para a análise do conteúdo de correspondência a fim de preservar interesses sociais e garantir a disciplina prisional, com mais razão se revela legítimo, para a mesma finalidade, o acesso dos dados e comunicações constantes em aparelhos celulares encontrados ilicitamente dentro do estabelecimento penal, pois a posse, o uso e o fornecimento do citado objeto são expressamente proibidos pelo ordenamento jurídico...” (STJ, (HC 546.830/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 22/03/2021)
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