Novo CPC: é possível suspender os efeitos da sentença antes da interposição da apelação?

02/09/2016

Por Marcelo Mazzola - 02/09/2016

Como se sabe, todos os recursos são dotados de efeito devolutivo, o que, na prática, permite que a matéria seja submetida à apreciação do órgão hierarquicamente superior (art. 1.013 do NCPC) ou, dependendo do caso, a renovação do julgamento perante o mesmo órgão prolator da decisão alvejada.[1]

Alguns recursos, como a apelação e os recursos especial e extraordinário interpostos contra acórdão proferido no julgamento de IRDR (art. 987, § 1º), além do efeito devolutivo, possuem efeito suspensivo (ope legis), o que impede ou adia a executoriedade do ato judicial combatido.[2]

O NCPC manteve a regra do art. 520, caput, do CPC/73 quanto ao efeito suspensivo da apelação (art. 1.012), fazendo ajustes pontuais[3] em relação às hipóteses em que o recurso não terá o referido efeito (incisos I a VI).

A grande novidade está no artigo 1.012, especialmente nos §§ 1º e 2º. Tais dispositivos estabelecem que, além de outras hipóteses previstas em lei[4], as sentenças proferidas nas situações descritas nos incisos I a VI começam a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação, podendo o apelado instaurar o cumprimento provisório depois de publicada a sentença.

Alexandre Câmara esclarece que “publicação da sentença” não se confunde com “intimação da sentença”, destacando que a sentença tornada pública, antes mesmo da intimação das partes, já produz efeitos.[5]Assim, o apelado poderá executar imediatamente o decisum a partir do momento em que seja publicado. Um brinde à efetividade e à duração razoável do processo.

Vale lembrar que, sob a égide do CPC/73, o apelado podia instaurar o cumprimento provisório da sentença somente após o recebimento de apelação dotada apenas de efeito devolutivo (art. 521). Ou seja, era obrigado a esperar uma decisão do juiz a respeito do recebimento do recurso – só no efeito devolutivo – para, então, deflagrar a execução provisória, o que poderia demorar semanas e até meses. Essa situação prejudicava sobremaneira a efetividade do comando judicial.

Por outro lado, essa sistemática permitia que o apelante elaborasse sua apelação dentro do prazo legal, sem uma espada apontada contra seu peito. Via de regra, o recorrente formulava, no bojo do recurso, um pedido para que o apelo fosse recebido no efeito suspensivo e já deixava pronto um agravo de instrumento, para a hipótese de o juiz não receber o recurso no efeito desejado.

Em alguns casos, diante da demora do juiz em proferir o despacho de recebimento do recurso, o prejudicado aforava diretamente uma medida cautelar no tribunal de justiça para atribuir efeito suspensivo à apelação. Ou seja, existiam mecanismos para se requerer a suspensão da eficácia da sentença na iminência da deflagração da execução provisória.

Ocorre que, à luz do NCPC, o juízo de admissibilidade da apelação não é mais realizado em primeiro grau (art. 1.010, § 3º). Com efeito, o juiz não irá proferir qualquer despacho recebendo o recurso e tampouco se manifestará sobre os efeitos do apelo.[6]

Ainda que um magistrado “desatualizado” profira decisão recebendo a apelação apenas no efeito devolutivo (em flagrante error in procedendo), também não caberá agravo de instrumento, pois o rol do artigo 1.015 do NCPC é taxativo.

Nesse contexto, considerando que o juiz não fará o juízo de admissibilidade da apelação e não pode atribuir efeito suspensivo ao recurso, qual a alternativa para o sucumbente tentar suspender imediatamente os efeitos de uma sentença capaz de lhe acarretar prejuízos de difícil reparação?

O NCPC estabelece que o pedido de concessão de efeito suspensivo à apelação deve ser formulado ao tribunal, no período compreendido entre a interposição do recurso e sua distribuição, ou ao relator, se já distribuída a apelação, podendo a eficácia da sentença ser suspensa se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou, mediante fundamentação relevante, a chance de risco de dano grave ou de difícil reparação (art. 1.012, §§ 3º e 4º).

A julgar pela interpretação literal do NCPC, portanto, para que o recorrente possa suspender os efeitos da sentença, por intermédio de requerimento direcionado ao tribunal ou ao relator, deve primeiramente protocolar a apelação.

Significa dizer que o apelante será obrigado acelerar a elaboração do recurso (mesmo gozando de 15 dias úteis) e protocolá-lo o quanto antes para, na sequência, formular o requerimento ao tribunal, pois, como visto, a eficácia da sentença decorre imediatamente de sua publicação (e não de sua intimação),

Tal situação, convenhamos, prejudica sensivelmente a qualidade e a integridade do apelo, especialmente em casos nos quais o comando jurisdicional incorreto ou capaz de materializar situação de difícil reparação decorre de demandas complexas, com farto acervo probatório e discussões técnicas, que, invariavelmente, exigem cuidadoso enfrentamento dos temas e impugnação específica dos fundamentos da sentença.

Não soa razoável, sobretudo à luz dos artigos 5º, XXXV, da CF e 3º do NCPC, que, em situações excepcionais, o prejudicado não tenha uma forma de ser “ouvido” e buscar imediatamente a suspensão dos efeitos do decisum, sendo, ao contrário, obrigado a protocolar às pressas a sua apelação, em flagrante mitigação de seu amplo direito de defesa.

Basta pensar, por exemplo, na concessão de uma tutela provisória no bojo de sentença de mérito, determinando a busca e apreensão de todos os bens identificados pela marca de uma empresa, ou mesmo uma ordem de despejo envolvendo uma fábrica de poluentes, em que há a necessidade de armazenamento de produtos químicos.

A ausência de medida capaz de evitar um dano irreparável ou de difícil reparação significa “admitir casos para os quais não existiria nenhum meio de prestação da tutela jurisdicional adequada, o que contrariaria a garantia constitucional”.[7]

Descartamos de plano a via do Mandado de Segurança, que muito provavelmente não seria admitido sob o argumento de que não existe direito líquido e certo e que há recurso próprio contra a sentença (Enunciado 267 da Súmula do STF).

Da mesma forma, não faz mais sentido falar em demanda cautelar autônoma após a vigência do NCPC.

Nesse contexto, pensamos ser possível traçar um paralelo com as decisões do STJ proferidas na égide do CPC/73[8], que, em casos excepcionais, suspendiam os efeitos de acórdãos de julgamento antes mesmo da interposição dos respectivos recursos especiais, à luz do poder geral de cautela do magistrado[9] (art. 798 do CPC/73).

Assim, sustentamos que, em casos especialíssimos, o apelante pode apresentar um requerimento simples diretamente ao tribunal, demonstrando, de forma sucinta e objetiva, a probabilidade de provimento de seu recurso (ex: a sentença não observou precedente obrigatório) ou, sendo relevante a fundamentação, o risco de dano grave ou de difícil reparação (requisitos previstos no artigo 1.012, § 4º, do NCPC).

Um requerimento autônomo e avulso que se afeiçoa a uma tutela provisória (arts. 294 e 297 do NCPC), podendo ser apreciado sem a prévia oitiva da parte contrária. Apenas entendemos que a outra parte deve ser intimada para se manifestar sobre a respectiva decisão, no prazo de 5 dias (art. 218, § 3º, do NCPC).

Para que seja respeitada a compatibilidade sistêmica, o apelante deve pleitear a suspensão dos efeitos da sentença – ou de determinado capítulo do decisum – até o protocolo de sua apelação quando, então, o relator prevento poderá reavaliar ou ratificar a suspensão.

Por fim, podemos citar, ainda, o artigo 995, parágrafo único, do NCPC, que estabelece que a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

Em suma, o requerimento avulso dirigido ao tribunal antes da interposição do apelo é uma forma de garantir que nenhuma “lesão ou ameaça a direito” ficará sem apreciação, prestigiando, ainda, os consagrados princípios do contraditório e da ampla defesa, da cooperação, da isonomia, da razoabilidade e da eficiência, normas fundamentais do processo civil.


Notas e Referências:

[1] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. MEIOS PROCESSUAIS PARA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO QUE NÃO O TEM. Disponível em  http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Leonardo%20Jos%C3%83%C2%A9%20Carneiro%20da%20Cunha(2)%20-%20formatado.pdf. Acesso em 26.08.16.

[2] NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 375.

[3] Foram suprimidos os incisos III (julgar a liquidação de sentença -  nessa hipótese cabe agora agravo de instrumento, à luz do art. 1.015, § único), e IV (decidir o processo cautelar – procedimento abolido pelo NCPC), e incluído o inciso VI (decreta a interdição – o que era previsto no artigo 1.184 do CPC/73).

[4] O artigo 58, V, da Lei de Locações, por exemplo, estabelece que as apelações interpostas contra as sentenças de despejo, de consignação em pagamento de aluguel e demais encargos da locação, revisional de aluguel e renovatória de locação não possuem efeito suspensivo.  Vide também artigo 13, parag. 3,da Lei 12.016/2009; art. 15, parag. Único, da Lei 9.507/1997; arts. 199-A e 199-B da Lei 8.069/1990;   e etc.

[5] CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 513.

[6] Ressalve-se, apenas, que, em algumas situações, é a própria lei que autoriza o juiz, se assim entender, a receber o recurso no efeito suspensivo. Ex: Art. 14 da Lei nº 7.347/85 - O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.

[7] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, vol. III, p. 45.

[8] Por exemplo, MC 488-PB e MC 4479/RJ. Vide também notícia publicada no informativo nº 42 do STJ: “MEDIDA CAUTELAR. RESP NÃO INTERPOSTO. ACÓRDÃO NÃO PUBLICADO. A Turma, por maioria, negou provimento aos agravos regimentais e manteve a liminar concedida na medida cautelar. A falta da interposição do recurso especial, pela justificativa aceitável de que o acórdão combatido não foi ainda publicado, não constitui óbice intransponível ao favorecimento da cautelar, porque não se defere a suspensão ao recurso, mas, sim, aos efeitos daquele acórdão - que desconstituiu liminar em mandado de segurança, deferida a favor da autora da cautelar - até que se decida em definitivo sobre o sucesso ou não da interposição e admissão do especial. Precedentes citados: MC 488-PB, DJ 3/9/1996; MC 1980-RS, DJ 15/10/1999; MC 1.475-SP, DJ 7/6/1999; MC 136-SP, DJ 29/5/1995; MC 1.482-PR, DJ 8/3/1999; MC 424-PA, DJ 2/9/1996, e MC 1.310-PR, DJ 26/4/1999. AgRg na MC 2.000-DF, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, julgado em 2/12/1999."

[9] “O poder geral de cautela é instituto considerado necessário em todos os quadrantes do planeta, e decorre da óbvia impossibilidade de previsão abstrata de todas as situações de perigo para o processo que podem vir a ocorrer em concreto. Por tal razão, tem-se considerado necessário prever a possibilidade de o juiz conceder medidas outras que não apenas aquelas expressamente previstas pelas leis processuais” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit, p. 43).


Marcelo MazzolaMarcelo Mazzola é Advogado e sócio de Dannemann, Siemsen Advogados. Mestrando em Direito Processual Civil pela UERJ. Vice-Presidente de Propriedade Intelectual do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Coordenador de Propriedade Intelectual (RJ) do MEDIARE. Coordenador da Comissão de Mediação da OAB/RJ. Mediador. Perito das Varas Empresariais da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Professor de processo civil em cursos de pós-graduação.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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