NOVAS TECNOLOGIAS, VELHAS PREOCUPAÇÕES: A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NA INTERNET

14/08/2020

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

A era digital trouxe consigo a revolução da internet e introduziu novas modalidades de transações comerciais, aprimorando o conceito da atividade econômica. Operações realizadas no ambiente virtual se traduzem na evolução da forma tradicional de realização dos negócios.

 O comércio eletrônico é um fenômeno crescente, tendo antes mesmo da Pandemia de COVID-19 apresentado dados bastante significativos. Apenas em 2019 o faturamento no Brasil das empresas que atuam com E-commerce foi de R$ 75,1 bilhões de reais, 22,7% maior do que em relação ao ano de 2018[1].

Para 2020, a estimativa da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico era de um crescimento ainda maior. A entidade previa um faturamento na casa dos R$ 106 bilhões de reais[2].

A Pandemia, então, chegou ao Brasil. A exceção do Executivo Federal, houve um esforço conjunto dos Executivos Municipais e Estaduais, pelo menos em sua maioria, para o combate a esta doença. Dentre estes esforços, as restrições quanto a circulação e abertura do comércio. Estas restrições tiveram um impacto bastante significativo no crescimento do E-commerce no Brasil.

A estimativa inicial de um crescimento de 18% foi atropelada por um aumento de 137,35% de crescimento apenas nos primeiros seis meses do ano, segundo levantamento do Comitê de Métricas da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico[3].

O comércio eletrônico propiciou uma nova modalidade de comunicação, aproximando o consumidor da oferta de bens e serviços de forma remota. A Pandemia intensificou e acelerou uma tendência que já era observada.

Mas nem tudo são flores nas relações de consumo que ocorrem no meio digital. O uso dos algoritmos no comércio eletrônico, apesar de aparentar uma liberdade de escolha para os consumidores, em verdade, permite o controle e a manipulação por quem os administra, haja vista o grande domínio sobre a informação do consumidor e do mercado.

O filtro das informações a serem disponibilizadas na internet ocorre de forma cada vez mais sofisticada por algoritmos que distribuem e personalizam o conteúdo de acordo com as “preferências do usuário”.

Há um grande arcabouço técnico a serviço do fornecedor e cuja complexidade expõe o consumidor a situações na maioria das vezes incompreensível, aumentando o desequilíbrio da relação.

À medida em que evoluem os recursos tecnológicos, maior é o abuso a que são expostos os consumidores. Certamente o leitor já foi alvo de publicidade direcionada durante algum acesso à Internet. Quantos posts patrocinados já lhe foram direcionados em função do simples acesso a um site ou perfil de uma rede social?

Os consumidores, vulneráveis que são, invariavelmente são discriminados em função de sua “qualidade”. A internet e o algoritmos proporcionam uma oportunidade para as empresas estabelecerem diversas categorias de consumidores, inclusive para fins de publicidade predatória, abusiva, que identificam a desigualdade e podem colaborar para perpetuar a estratificação social.

Nesse cenário, parece evidente a necessidade da regulação do comércio eletrônico, sob pena de as grandes empresas se considerarem acima da lei. Não se pode tolerar a ocorrência de precificação discriminatória ou o fato de que o consumidor não possuir poder de escolha ou racionalidade.

As empresas se aproveitam da dificuldade do consumidor em processar escolhas complexas. A assimetria do poder é ampliada pela ignorância do consumidor sobre o desenho do algoritmo e os dados coletados de seus clientes, o que facilita a discriminação.

A promoção unilateral da discriminação do conteúdo que trafega na web, além de tudo, viola o princípio da neutralidade da Internet, consagrado no artigo 9º do Marco Civil da Internet.

Daí porque a proteção do consumidor, frente a estes novos paradigmas tecnológicos, reside na compreensão de que as legislações de proteção de dados, concorrência, processo civil, entre outras, devem ser utilizadas em conjunto com as normas do direito do consumidor.

O desenvolvimento tecnológico que transforma o mercado de consumo não afasta os preceitos fundamentais do direito do consumidor que o disciplina. Muito antes pelo contrário. Na maior parte das situações confirma a motivação de seu surgimento, e critério de interpretação e aplicação das normas: a vulnerabilidade do consumidor, que frente as novas tecnologias da informação, é agravada pelo desconhecimento de seus aspectos técnicos ou pela da incapacidade de acompanhar a velocidade das inovações.

A tecnologia em uma economia dirigida por algoritmos pode criar muitas versões do mesmo mercado, distinguindo os consumidores e explorando-os. Os prejuízos causados por esta extração e exploração de dados será mais bem remediada pelo direito do consumidor e a tutela da privacidade do que por qualquer outro ramo do Direito individualmente.

 

Notas e Referências

[1] https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/e-commerce-brasileiro-cresce-2019-compreconfie/

[2] https://abcomm.org/noticias/comercio-eletronico-deve-crescer-18-em-2020-e-movimentar-r-106-bilhoes/

[3] https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/coronavirus-faturamento-e-vendas-do-e-commerce-mais-que-dobram-revela-indice-camara-e-net/

 

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