Nota técnica acerca de audiências de custódia em caso de violência doméstica contra a mulher

06/09/2016

Por Redação – 06/09/2016

Foi publicada em 24 de agosto, no Diário Eletrônico do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), nota técnica acerca de audiências de custódia em caso de violência doméstica contra a mulher.

A referida nota  recomenda que haja uma articulação entre Ministério Público e Poder Judiciário para que as audiências de custódia em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher sejam realizadas, no prazo de 24 horas, pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, quando estruturado juízo especializado nos termos do art. 14 da Lei 11.340/06, ou, ainda, por qualquer juízo criminal, nas hipóteses do art. 33 da Lei Maria da Penha. Recomenda-se, ainda, que os promotores de Justiça sejam especializados em relação ao tema, assim como a equipe de assessoramento.

Confira o inteiro teor da Nota Técnica  

NOTA TÉCNICA Nº 11, DE 27 DE JULHO DE 2016.

Nota Técnica do Conselho Nacional do Ministério Público sobre a atuação do Ministério Público nas Audiências de Custódia em casos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no exercício das atribuições previstas no artigo 130-A, §2º, I, da Constituição da República, e nos artigos 5º, inciso V, e 37, §1º, inciso V, da Resolução nº. 92/2013 (RICNMP), posicionando-se em relação à atuação do Ministério Público nas audiências de custódia em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, expede a presente Nota Técnica, aprovada, por unanimidade, no julgamento da Nota Técnica nº 1.00462/2016-00, ocorrido na 14ª Sessão Ordinária do Plenário, realizada em 27 de julho de 2016:

A Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais deste CNMP recebeu demandas de orientação quanto à atuação do Ministério Público na audiência de custódia em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Argumenta-se que em diversos Estados estaria havendo liberação de agressores de mulheres sem que estivessem sendo asseguradas às vítimas as medidas protetivas dispostas na Lei nº. 11.340/2006, entre outras violações de normas previstas na referida lei.

A audiência de custódia está prevista em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, especificamente no art. 9.3 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU (PIDCP, incorporado pelo Decreto nº. 678/1992). Em julgamento de ADPF, o STF determinou que todos os Estados realizem a audiência de custódia (STF, ADPF 347/DF, decisão liminar, Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, j. 03 set. 2015, pedido liminar). O tema foi regulamentado pelo CNJ na Resolução nº. 213/2015.

O CNMP manifestou-se sobre o tema ao emitir a Nota Técnica nº. 06/2015, na qual reconhece a necessidade de cumprimento das referidas disposições de tratados internacionais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, como relevante instrumento de combate e prevenção à tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes relacionados à efetivação da prisão em flagrante por autoridades policiais. Posteriormente, o CNMP expediu a Recomendação nº. 28/2015, que considera obrigatória a participação do Ministério Público nas audiências de custódia.

Não é possível se considerar que a audiência de custódia deva ser realizada para todos os delitos, exceto para os crimes praticados em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. As normas internacionais não excepcionam tais delitos e a mesma lógica que exige sua realização, a contenção de eventuais arbitrariedades policiais, está presente em relação a tais delitos.

Todavia, com efeito, é preocupante a notícia de que em alguns estados os plantões judiciários têm liberado de forma generalizada agressores de violência doméstica contra a mulher, mesmo em casos de descumprimento de medidas protetivas de urgência, ou da prática de crimes graves que já denotam, concretamente, que as medidas protetivas de urgência não serão suficientes à proteção da vítima.

Esse fenômeno, certamente, tem relação com a necessidade de especialização e sensibilização dos operadores do direito (Juízes de Direito e Promotores de Justiça) que lidam com a aplicação da Lei nº. 11.340/2006, conforme diretriz expressa no art. 8º desse diploma legislativo. Também tem relação com o fato de os juízos comuns, às vezes, não terem à sua disposição o histórico processual do casal em conflito, o qual está no juízo especializado, e deveria ser considerado para aferir a necessidade de manutenção da custódia cautelar e ainda de deferimento de medidas protetivas de urgência ou seu reforço, bem como a ausência da equipe multidisciplinar de apoio ao juízo, prevista no art. 29 da Lei n°. 11.340/2006. Portanto, a retirada genérica das audiências de custódia da competência do juízo especializado na proteção à mulher, quando estruturado nos termos do art. 14 da Lei Maria da Penha, quebra a sistemática de proteção integral prevista na Lei nº. 11.340/2006.

Por sua vez, nas Comarcas em que os casos de violência doméstica são processados por Vara Criminal Comum, nos termos do art. 33 da Lei Maria da Penha, admite-se que as audiências de custódia sejam realizadas por tais juízos, desde que os juízes e promotores se submetam a cursos de atualização e aperfeiçoamento sobre o tema da violência doméstica e familiar contra a mulher, periodicamente, na forma estabelecida pelas respectivas Administrações, Escolas e Unidades de Formação e Aperfeiçoamento. Quadra repisar que, em quaisquer das hipóteses supracitadas, deve ser promovida a capacitação dos agentes públicos, inclusive membros e servidores do Parquet, para a correta e atual aplicação da Lei Maria da Penha, com vistas a alcançar os objetivos de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher, nos moldes pactuados pelo Estado Brasileiro na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (artigo 8.c).

Além disso, também em quaisquer das hipóteses supracitadas, de rigor reconhecer que as audiências de custódia nos casos de violência doméstica contra mulher, devem ser realizadas no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, em cumprimento à determinação do Supremo Tribunal Federal (ADPF 347-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 19-02- 2016), devendo o juiz competente da audiência de custódia também analisar imediatamente e conjuntamente a necessidade de concessão de medidas protetivas de urgência, seja de ofício, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. Essa solução permite a compatibilização entre a proteção ao autuado em flagrante contra eventuais arbitrariedades policiais e manutenção de prisões desnecessárias, com a igualmente necessária proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Em síntese, é recomendável que haja uma articulação entre Ministério Público e Poder Judiciário, para que as audiências de custódia em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher sejam realizadas pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, quando estruturado juízo especializado nos termos do art. 14 da Lei nº. 11.340/06, ou, ainda, por qualquer juízo criminal, nas hipóteses do art. 33 da Lei Maria da Penha, recomendando-se que os Promotores de Justiça sejam especializados em relação ao tema, assim como a equipe de assessoramento.

Todavia, independentemente da realização da audiência de custódia pelo juiz natural ou pelo plantonista em casos de violência doméstica contra a mulher, é igualmente recomendável que os membros do Ministério Público zelem pelo efetivo cumprimento das normas da Lei nº. 11.340/2006 no âmbito das audiências de custódia.

Os seguintes pontos devem ser levados em consideração:

(a) Deve-se assegurar que, caso a mulher tenha formulado pedido de medidas protetivas de urgência quando do registro da ocorrência, tais pedidos sejam efetivamente apreciados pelo juiz da audiência de custódia quando da eventual concessão de liberdade provisória ao autuado, bem como, mesmo que esta não tenha formulado tais requerimentos, o membro do Ministério Público análise a efetiva necessidade de requerer de ofício medidas cautelares para condicionarem a liberdade do autuado, com a finalidade de assegurar a efetiva proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

(b) Deve-se atentar para a presença de fatores de risco próprios do contexto dessa forma de criminalidade para se avaliar quanto à necessidade de requerimento de decretação da prisão preventiva, especialmente em casos de desobediência à ordem de medida protetiva de urgência.

(c) Convém criar mecanismos de compartilhamento de informações aos Juízes e Promotores de Justiça que realizem as audiências de custódia sobre os processos em tramitação relacionados às mesmas partes, privilegiando-se, na audiência de custódia, a proteção à vítima, diante de fundados indícios de violência crônica, sem prejuízo da reapreciação da causa pelo juiz natural.

(d) Sempre que houver a concessão de liberdade provisória ao autuado, deve-se realizar a intimação da vítima, nos termos do art. 21 da Lei nº. 11.340/2006. Para assegurar a efetividade da proteção à vítima, deve-se dar preferência à intimação por via telefônica e, sempre que possível, antes da expedição da ordem de liberação.

(e) O Ministério Público deve assegurar a realização de capacitação em criminologia da violência doméstica e familiar contra a mulher, especialmente sobre os fatores de risco e o ciclo da violência, de forma a assegurar uma atuação mais efetiva dos membros do Ministério Público nas audiências de custódia, assim como nos demais ofícios que atuam com a aplicação da Lei nº. 11.340/2006. Devem ser realizadas gestões perante o Tribunal de Justiça para que igualmente os magistrados que atuam no tema recebam a necessária sensibilização.

(f) Convém ao Ministério Público realizar gestões junto ao respectivo Tribunal de Justiça para que se analise a viabilidade de especialização ou atualização dos Juízos que atuam nas audiências de custódia quanto à temática da violência doméstica e familiar contra a mulher.

(g) Tenha o Ministério Público sempre uma atuação efetiva na promoção da defesa da mulher vítima de violência doméstica e familiar e na defesa dos direitos fundamentais de todos os envolvidos na persecução criminal.

Brasília-DF, 27 de julho de 2016.

RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS

Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público

Fonte: CNMP.
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